E agora, José? E agora, João?
Por Flávio Américo
Umas das principais características de nossa época é o pessimismo. Para muitos, só resta seguir em frente, ser duro, não morrer, sobreviver, sub-viver, como acontece com os personagens de The Walking Dead. O mundo é visto como sem sentido, solitário e desesperador, gerando apenas uma imensa vontade de gritar de dor (vide O Grito, ao algo). O dia-a-dia é visto como maçante, repetitivo e frustrante, como tentam mostrar as letras e os ritmos de Cotidiano, de Chico Buarque, e Cotidiano n. 2, de Vinicius de Moraes e Toquinho. E agora, José, Maria, João, Flávio, Jéssica e você leitor? A coisa está feia e sem perspectiva, é o que propõe Carlos Drummond de Andrade em seu poema José, belamente musicado e cantado por Paulo Diniz.
Faltou esperança para Drummond durante o Estado Novo e para Chico, Vinícius e Toquinho durante a Ditadura. Falta esperança para muita gente hoje também, muitos escândalos políticos, violência, guerras religiosas, aperto econômico, etc. A pergunta persiste: e agora, José?
Segundo a tradição (inclusive Eusébio de Cesaréia e John Foxe), João, o Evangelista, foi o único dos Apóstolos a morrer de forma não violenta (em Éfeso, ainda segundo a tradição). Ele sobreviveu ao período de prisão em Patmos, quando escreveu Apocalipse para fortalecer os cristãos da Ásia Menor que sofriam forte perseguição por parte de César e seu Império Romano. Muitos dos cristãos se questionavam: “e agora, João?” Uma das respostas do livro do Apóstolo foi lembrar-lhes de que o Nosso Senhor Ressurreto reina.
Em seu período entre nós, Cristo reinou de forma a não bater de frente com os reinos humanos, inclusive reconhecendo a importância de pagar tributos a eles (Mt 22:15-22; Mc 12:13-17; Lc 20:20-26). Agora, no entanto, embora não esteja governando o universo de uma maneira que não mais existam poderes, domínios ou governantes perversos, Ele já reina.
Deus revelou ao Discípulo Amado que a Igreja do Senhor não precisava temer a dura perseguição que sofria durante o governo do Imperador Domiciano.[1] Revelou como a Igreja, representada em suas várias facetas pelas sete igrejas da Ásia Menor, deveria se portar em meio a luta e lembrando-nos de que o vencedor receberá, de Jesus, bênçãos maravilhosas:
“Que se alimente da árvore da vida que se encontra no paraíso de Deus” (Ap 2:7); “de nenhum modo sofrerá dano da segunda morte” (Ap 2:11); receberá o “maná escondido, bem como lhe darei uma pedrinha branca, e sobre essa pedrinha escrito um nome novo, o qual ninguém conhece, exceto aquele que o recebe” (Ap 2:17); “autoridade sobre as nações, e com cetro de ferro as regerá e as reduzirá a pedaços como se fossem objetos de barro; assim como também eu recebi de meu Pai, dar-lhe-ei ainda a estrela da manhã” (Ap 2:26-28); “será assim vestido de vestiduras brancas, e de modo nenhum apagarei o seu nome do Livro da Vida; pelo contrário, confessarei o seu nome diante de meu Pai e diante dos seus anjos” (Ap 3:5); será feito “coluna no santuário do meu Deus, e daí jamais sairá; gravarei também sobre ele o nome do meu Deus, o nome da cidade do meu Deus, a nova Jerusalém que desce do céu, vinda da parte do meu Deus, e o meu novo nome” (Ap. 3:12); e poderá “sentar-se comigo no meu trono, assim como também eu venci e me sentei com meu Pai no seu trono” (Ap 3:21).
Essas bênçãos trouxeram esperança de vida eterna para as pessoas que passavam pelo perigo da morte; mostram a fidelidade e a amizade de Jesus, que era fortemente esperado para que o sofrimento dos mártires acabasse; essas bênçãos são a perfeita declaração de que Cristo reina, bem como reinarão aquele que vencerem esse momento de provação.
A partir do capítulo 4, a câmera se desloca das igrejas perseguidas (mas que receberam lindas promessas e consolações), isto é, da terra, para o céu, para o trono de Deus, que João nem ousa nomear, de tão majestoso que é. Deus freqüentemente é descrito estando assentado no trono ao longo do Apocalipse, mostrando quem manda no mundo, embora Domiciano esteja maltratando a Igreja. Na visão, Deus não está sozinho, mas diante de uma corte, composta por 4 seres viventes e 24 anciãos. Esses O louvam cantando “Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-Poderoso, aquele que era, que é e que há de vir” (Ap 4:8) e “Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque todas as coisas tu criaste, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas” (Ap 4:11).
Não faz parte das intenções desse texto adentrar na discussão de quem são essas criaturas, mas elas enfatizam, pelo menos, o seguinte: a) a totalidade da Criação e da Igreja; e b) a majestade de Deus cercado de tão elevada corte. Sobre isso, John Stott afirma: “Assim, a natureza e a igreja, a velha criação e a nova unem-se para proclamar que Deus é digno de louvor porque por sua vontade todas as coisas foram criadas e continuam tendo existência”.[2]
No capítulo 5, temos a informação de que Deus tem em sua mão direita um livro escrito por dentro e por fora, que simboliza o seu domínio sobre a História. Mas há um problema, que faz João chorar copiosamente: ninguém, em todo o universo, é capaz de abrir os sete selos que fecham o livro nem nos dizer como vai acabar o tempo e começar a eternidade. “E agora, José?”
Um dos anciãos acalma o apóstolo dizendo: “Não chores; eis que o Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi, venceu para abrir o livro e os seus sete selos” (Ap 5:5). O Rei de linhagem davídica, o Messias, é quem é vencedor e pode nos revelar o que nos espera. Então, João direciona o seu olhar para o trono, que não está mais ocupado apenas por Deus, mas também pelo Leão da tribo de Judá. De repente, não é o Leão quem está lá, mas o “Cordeiro como tendo sido morto” (Ap 5:6). Cristo, nosso Senhor, reina. Todo o universo está debaixo dos seus pés, pois ele está no trono com Deus. Mas, embora seja o Leão (força), ele é também o Cordeiro que humildemente morreu em nosso lugar (serviço). Ele não vive tirando a vida dos outros, como fazia César, mas deu a vida pela Igreja.
A passagem nos mostra que Cristo, o Leão/Cordeiro, reina absoluto. Mesmo que, no caso do Apocalipse, os crentes sofressem por causa do governo de Roma, Cristo continua no controle, pois Ele é quem abre os selos que trancam a História. Seu domínio como Rei, portanto, não tem fim. Ele é o Rei poderoso do Sl 2 e o Servo obediente e que se sacrifica das canções do Servo de YHWH presentes em Is 42-61; é o Leão que destrói suas presas e o Cordeiro que morre por nós, seus servos. É Rei e Salvador. Portanto, sempre que a coisa estiver feia e que você, leitor, se perguntar: e agora, José? Lembre-se de que o Nosso Senhor Ressurreto reina!
Notas:
[1] Discute-se se Apocalipse foi escrito no período de Nero ou de Domiciano. Opta-se pelo segundo. Quanto a discussão, ver: OSBORNE, Grant R. Apocalipse: Comentário Exegético. São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 11.
[2] STOTT, John. O Incomparável Cristo. São Paulo: ABU Editora, 2006, p. 196. Ver também LEONEL, João. Aquele que ouve, diga: vem! Uma leitura de Apocalipse. Santo André: Academia Cristã, 2012, p. 52-53.
• Flavio Américo tem 30 anos e é mestre em história pela UFRN e pastor de jovens da Igreja Presbiteriana de Natal (RN).
Dayse
Muito bom!! Gostei demais!!
MARIA
Muito bom.