Por Ana Terra

A cada dia, notícias chegam até você. Carregadas com o peso de novas guerras, desastres, crises… e nada novo debaixo do sol. Testemunhamos de longe conflitos que roubam as vidas e desabrigam milhares, e por vezes somos acometidos por uma onda de comoção em massa que rapidamente toma formas partidaristas ou apocalípticas, mas dificilmente, humanas. Onda essa que para nós logo se dissipa em esquecimento, mas não na realidade onde é vivida. Agora, experimente como por um portal mágico (ou trágico), passar para o outro lado da tela, e de repente estar lá. Sentindo cheiro de fumaça em meio a escombros. O lugar no qual a realidade o encontra como um soco no estômago, e te faz perceber que já não tem mais para onde voltar.

Esta reflexão é sobre um mundo que se aperta em suas fronteiras, sobre aqueles que migram com o sonho “simples” da sobrevivência, como pássaros sem ninho. É sobre um Cristo que nos chama a acolher.

Certa vez ouvi duas frases, atribuídas a uma refugiada africana: “Ninguém deixa sua casa a menos que ela seja a boca de um tubarão” e “Você só corre para uma fronteira quando vê sua cidade toda correndo também”. Essas frases revelam a dura realidade da migração forçada, imposta pela necessidade de sobreviver a ameaças extremas, como perseguições políticas, raciais ou religiosas, além da grave e generalizada violação dos direitos humanos e conflitos armados.[1]

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), aproximadamente 108,4 milhões de pessoas em todo o mundo, uma média de 1 a cada 74 indivíduos, foram forçadas a deixar suas casas até o fim de 2022[2].

Mas a realidade que chega a nós, em nossas cidades, sinaleiros e aeroportos, não se resume a números, mas sim a pessoas. São vidas inteiras que necessitam de acolhimento. Onde elas encontrarão esse amparo em uma sociedade indiferente?

Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; […] (Mt 25.40 NVI)

Encontrarão amparo em nós, filhos de um Deus que ama sem medidas, e que chama todos a se refugiarem Nele. Nos crentes em Cristo, que veio ao mundo e foi ele mesmo um refugiado. Nos cidadãos do Reino, que entendem que a passagem por essa terra é apenas peregrinação até nosso verdadeiro lar. O mundo carece de acolhimento. Nós, que recebemos tamanha graça, não podemos retê-la para nós mesmos.

Jesus Cristo nos ensinou que:

O Reino do Céu é como uma semente de mostarda, que um homem pega e semeia na sua terra. Ela é a menor de todas as sementes; mas, quando cresce, torna-se a maior de todas as plantas. Ela até chega a ser uma árvore, de modo que os passarinhos vêm e fazem ninhos nos seus ramos. (Mt 13.31-55 NTLH)

Assim, à medida que o Reino cresce em nós, nos tornamos lugar de acolhimento àqueles que precisam de um lugar para pousar. Isso nem sempre é fácil; pressupõe esvaziamento, abertura para olhar o outro e sentir sua dor. Mas o Reino de Deus não foge da dor, o próprio Cristo se esvaziou e sofreu conosco e por nós. Neste Reino a dor não é morada, é apenas travessia[3].

Portanto, aos que encontraram refúgio no Eterno, que possamos ter um olhar renovado em compaixão, oferecendo acolhimento a quem vem de longe e a quem está próximo: seja um vizinho, colega ou parente que precisa ser abraçado. Experimente olhar ao seu redor e pensar: “Quem posso acolher hoje?”.

Que esse Reino cresça em nós, alongue seus galhos e alcance àqueles que precisam.

Nota

    1. Definição oficial do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados; ver:<https://www.acnur.org/portugues/quem-ajudamos/refugiados/> ‌
    2. Para um maior aprofundamento no tema, juntamente com um panorama bíblico sobre refúgio, recomendo a leitura do texto “Qual o papel dos cristãos diante da crise humanitária de refugiados?”.
    3. Paráfrase de uma reflexão sobre “Cuidado emocional para quem está na linha de frente” por Silvana Magalhães Bezerra, no IV Fórum Refugiados, da Associação Casa 2023. Ver aqui.

Ilustração por Ana Terra, 2023. Tinta nanquim e arte digital. Instagram: @anaterra.art.

  • Ana Terra, 22 anos. Cristã, ilustradora e estudante de design gráfico pela Universidade Federal de Goiás. Pesquisadora de Iniciação Científica por dois anos na área de design social, aplicado a questões de migração e refúgio. Uma admiradora das obras do grande Criador, que como filha não pode deixar de criar. Instagram: @anaterra.art.

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  1. Antonia Leonora van der Meer

    Fico muito grata por esse relato tão compassivo, realista e acolhedor da Ana Terra, encarando essa triste realidade que cresce a cada dia, com a multidão de refugiados, buscando um lugar de refúgio e oportunidade. Que nós, como igrejas, pessoas e organizações não fechemos os olhos, ouvidos e coração, mas abremos os braços para acolher esses refugiados.

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