Por Lucas Meloni

Pesquisa recente do Datafolha1 evidencia uma realidade que precisa ser observada pela(s) igreja(s) brasileira(s): os “sem religião” já são mais de 30% dos jovens com idades entre 16 e 24 anos em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Por que este número merece atenção? Ele mostra um movimento que precisa ser analisado e estudado pelas lideranças cristãs para que entendam para onde caminha a juventude brasileira.

A classificação “sem religião”, a partir da pesquisa, pode significar muita coisa, mas, em geral, representa aquele universo de jovens que não se sentem parte (ou, em casos extremos, têm aversão) de igrejas ou organizações instituídas.

Especialistas tentam explicar os muitos motivos que podem justificar o avanço dos “sem religião” como, por exemplo, o conceito das famílias plurirreligiosas (avó, pai, mãe e filhos com religiões diferentes), mais acesso à informação, a influência dos centros urbanos (os jovens das capitais têm contato com mais culturas e pessoas do que os que residem no interior), a ida à universidade, entre outras questões. Penso que tudo isso acaba influenciando, mas não só.

Desde 2014, o Brasil sofre com uma polarização que semeia discórdia e ódio. Infelizmente, isso tem respingado na juventude. Assim como eu, muitos outros jovens têm se sentido cada vez menos representados nas igrejas brasileiras porque o espaço dedicado à adoração a Deus, à comunhão entre irmãos e às atividades de apoio às pessoas deram vez à disputa ou discussão política. Perdemos tempo enquanto vidas se perdem. É momento de refletir sobre o que tem feito nossos jovens saírem das igrejas e – em casos extremos –esbravejarem contra ela.

Dias atrás, recebi um vídeo de uma jovem tendo espasmos em um carro. À primeira vista, parecia alguém que dançava “sentada” sem ritmo e sem uma sequência lógica. Apenas depois foi que uma pessoa me disse que aquela era uma reação de quem havia usado lança-perfume. Aquela jovem, exposta e tratada de forma pejorativa (é possível perceber isso por razão da música escolhida como trilha sonora do vídeo) me fez pensar: o que será da juventude da qual eu ainda faço parte?

O cenário atual me fez lembrar da orientação dada ao apóstolo Paulo em sua primeira carta ao jovem pastor Timóteo: “Até a minha chegada, dedique-se à leitura pública da Escritura, à exortação e ao ensino. Não negligencie o dom que foi dado a você por mensagem profética com imposição de mãos dos presbíteros” (1Timóteo 4.13-14).

Quantos pastores têm esquecido de suas responsabilidades e renunciado à possibilidade de dialogar com a juventude para entender as suas necessidades? Apenas quando conhecemos as dificuldades das pessoas e o tipo de ajuda que elas precisam é que podemos nos tornar ferramentas efetivamente práticas para elas. Quando impomos algo estabelecido a partir do nosso conceito, somos práticos apenas para nós mesmos.

 

O livro digital Altos Papos apresenta os temas e textos mais relevantes que fazem a cabeça da juventude dos nossos dias, dando continuidade a matéria de capa publicada pela revista Ultimato, sobre “quem são, o que pensam e o que fazem os jovens evangélicos”

 

Professar uma religião não é a resposta para todos os dilemas. Cristo é a esperança e a resposta. Quando jovens não veem Jesus refletido em uma igreja ou não acham sentido em servi-lo na companhia de uma comunidade, este é um diagnóstico que precisa ser considerado.

Escrevo este artigo como um convite aos pastores e líderes para que sejam mais sensíveis e entendam a urgência de compreender que os jovens estão chegando ao fundo do poço e não há corda por perto para resgatá-los a tempo. Grande parte diz acreditar em Deus, afirma expressar uma fé, ter devoção a alguma entidade (ou a mais de uma), mas essas pessoas estão com suas vidas praticamente destruídas.

A prova disso são as redes sociais. Tornou-se comum ver jovens bebendo, fumando ou se expondo de forma sensual em busca de likes, views e status. A indústria de vendas de conteúdo adulto explodiu nos últimos anos. Em 2021, o Onlyfans (uma das várias plataformas do gênero) teve uma média de 500 mil usuários novos por dia e movimentou bilhões de dólares no período.

Muitas vezes, os jovens querem conversar ou pedir ajuda, mas não sabem a quem. Enquanto isso, se afundam na bebida, na droga, no sexo e no vício da pornografia.

É verdade que existem pastores atentos e igrejas de portas abertas prontas a trabalhar com a juventude. A questão é que o volume delas é menor do que a proporção necessária.

O discipulado tem sido e, por muito tempo, ainda será um dos métodos mais eficazes de estabelecer diálogos. Acredito que ele deva ser a porta de entrada para que as igrejas brasileiras se (re)aproximem dos jovens. O jovem precisa (e anseia) ouvir sobre Cristo e a transformação de vida que apenas Deus pode realizar, não sobre discursos políticos em púlpitos. O jovem quer aprender sobre as Escrituras e precisa de alguém que o ajude na caminhada para, caso ele tropece, não ser exposto pelo moralismo sem sentido.

Pastores, invistam em jovens líderes. Existem formas criativas e bíblicas de anunciar a mensagem do evangelho. A conhecida máxima das aulas de homilética nos seminários permanece a mesma: o sermão deve ser bíblico, mas as técnicas para comunicar a ideia podem ser variadas desde que respeitem as limitações e aproveitem as potencialidades que o público receptor tem.

Tão importante quanto, é desenvolver o pensamento (ou cultura) de que a religião não é maior do que Cristo. Ele é o autor e consumador da nossa fé (Hebreus 12.2) e nele temos nova vida. O fato é que esta nova vida tem implicações coletivas e é parte do projeto divino que vivamos em comunhão. A igreja, apesar das falhas (causadas por todos nós), é santificada e perfeita pelos méritos de Cristo. Por isso, é fundamental que expliquemos e exemplifiquemos quantas vezes forem necessárias aos jovens a importância de ser igreja.

A verdade inquestionável é que para seguir a Jesus alguns passos precisam ser dados. O primeiro é o do arrependimento. Jovens, quando estão nas igrejas, costumam ser confrontados para que mudem de atitude caso estejam em pecado. Longe das comunidades de fé, eles se sentem “livres para pecar em paz”. A correção sempre é amarga e não é bem aceita por todos. O segundo é o da negação. Você passa a viver para Cristo e não para o seu prazer. Isso representa (pelo menos deveria representar) o fim das baladinhas, das saídas repletas de tentações com amigos e de uma vida sexual ativa sem casamento, entre outras coisas. O terceiro ponto que acho importante é a presença de líderes que conversem de forma eficaz na linguagem e com referências que fazem sentido para o jovem. O evangelho deve ser acessível e progressivo.As pessoas anseiam ouvir e aprender, mas talvez não tenham se dado conta disso. A função da igreja é contribuir para a compreensão e para o amadurecimento dessa juventude.

A jornada não é fácil. Os desafios estão aí, mas vale lembrar que a partir do chamado que nos foi dado, nosso dever é ouvir as pessoas, ensiná-las, corrigi-las com amor e suportá-las todas as vezes em que percebemos que precisam de ajuda, querem mudar, mas não têm forças.

Com informações do artigo Jovens “sem religião” superam católicos e evangélicos em SP e RJ, publicado no site BBC News Brasil.

  • Lucas Meloni, 32, é jornalista, estudante de teologia na Faculdade Teológica Batista de São Paulo e líder do departamento de comunicação da Igreja Batista Luz para as Nações em São Paulo, onde é membro.

Nota:

  1. Pesquisa Datafolha Eleições 2022.

Leia mais:

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