Encontrando Deus no divã
Psicoterapia e psiquiatria como Graça e cuidado de Deus
Por Gabriela Prilip
Setembro se tornou conhecido como “Setembro Amarelo”, momento de falar da prevenção ao suicídio. Falar de morte é um tabu gigante. Falar, então, do que permeia o corpo e o pensamento de uma pessoa para que chegue a esse ponto é pior ainda e bastante evitado, ainda mais no meio cristão, infelizmente.
Graças a Deus, faço parte de uma comunidade de fé que enxerga psicólogos como profissionais e vejo que cada vez mais os cristãos falam sobre suicídio e morte, mas, ainda assim, não deixa de ser um tabu, fora ou dentro da comunidade. Afinal, parece que o cristão precisa estar bem, leve e feliz em todo o tempo, como uma super pessoa que, convenhamos, não existe.
Nós, como cristãos, temos respostas na Bíblia sobre como lidar com a morte, luto e principalmente com a vida, mas também sabemos o quanto ainda precisamos reconhecer Deus como dono de todas as coisas, inclusive do nosso corpo completo, porque muitas vezes não conseguimos render a Deus nossa mente e a saúde dela – que, ouso dizer, não complementa a saúde física, mas sim faz parte dela como um todo. Corpo e mente parecem, muitas vezes, serem coisas totalmente apartadas.
Meu testemunho
Eu não tive uma história com o suicídio, mas poderia ter tido. Crente, sempre envolvida com mil atividades da igreja, cantando no louvor, fazendo palhaçada nos stories: eu aos 23 anos com depressão e ansiedade. Desde os 17 a vida meio que, por um momento, perdeu o sentido, as cores. Me sentia indiferente à absolutamente tudo, como se a vida fosse uma linha reta que não se mexia. Não existia nada muito triste ou muito feliz…só um grande neutro. Achei que era normal, sei lá, uma fase vai! Psicólogo? Isso nem passava pela minha cabeça, era coisa de gente doida.
A primeira vez que fui à psicóloga e comecei a psicoterapia foi porque tive uma crise de burnout no trabalho. Não fazia nem ideia que isso existia – o assunto não era muito falado nas redes sociais como hoje. Uma amiga, filha de psicóloga, viu que eu não estava bem e disse que se eu não procurasse psicoterapia iria marcar e me levar. Ainda bem que eu fui com esse empurrão (valeu, miga!). Lembro que a chegada foi estranha. Eu sabia que não estava bem, mas não fazia a menor ideia do que fazer com uma psicóloga. Será que ela ia julgar para onde eu estava olhando? O jeito que eu ria? As palavras que eu usava? Mas, eu fui. Ainda bem! Já desconfiava dos motivos que me fizeram chegar nesse estado e foi ótimo ter uma resposta com respaldo de um profissional: depressão e ansiedade. Foi libertador ter um nome para tudo o que estava acontecendo. E foi ótimo encontrar ouvidos, palavras confortantes e, por vezes, muito desafiadoras de profissionais tão capacitados nessa caminhada.
Os anos passaram e eu fui melhorando em muitos aspectos. Fui me tornando uma pessoa mais consciente de mim, dos outros, da vida, de Deus. Consegui ver Deus na vida de novo. Sim, a terapia mudou completamente a minha vida com Deus para muito melhor.
A ansiedade e a depressão muitas vezes tiram a vontade de fazer qualquer coisa. Até o que você mais ama vira uma luta. Imaginem então parar, orar, ler a Bíblia! Nada é tão simples. Se a gente não consegue aquietar a mente e não tem controle dos próprios pensamentos, como focar para ouvir a voz de Deus no meio de um turbilhão como esse?! Não tem como.
E, em uma dessas vezes, alguns anos depois, perdi totalmente o controle dos pensamentos e a psicóloga sugeriu que eu fosse a um psiquiatra. Minha reação? A pior possível. Já comecei a chorar lá na hora mesmo. “O quê? Eu, 25 anos, no psiquiatra?”. O sentimento era de total fracasso, um game over total. Mas, entendi a necessidade: sem conseguir controlar meus próprios pensamentos e “desacelerar”, naquele momento específico, a terapia não ia ter muito efeito. E muitas vezes o melhor tratamento para alguns casos é o tratamento conjunto com um psiquiatra e psicólogo.
Pois lá estava eu, primeira vez na psiquiatra. Entrei no consultório e me deparei com uma médica excelente. Sim, a gente esquece, por um estigma tão grande, que psiquiatras são médicos, daqueles que fazem medicina mesmo. Mais de uma hora de conversa acolhedora, esclarecedora e receita de remédio. Meu Deus, remédio para a cabeça. Mais choro. “E se eu não tomar?”. Então a gente começa a pensar, né: se quebramos um braço vamos no ortopedista – outra pessoa que fez medicina e uma especialização nos ossos e tal – fica tudo bem; 5 Dorflex por dia se quiser e mais uma Aspirina e um Salompas. Se rola uma virose ou mal-estar vamos ao médico para ver o que é, e mais remédio e tudo bem. Por que quando “quebra” a cabeça junto com os pensamentos a gente não pode achar normal ir num médico especialista nisso (Oi psiquiatra!) se ele é apenas “a” opção que deveria ser considerada nesse cenário?
A gente é tão, mas tão complexo que quanto mais estudo, mais fico maravilhada com a maravilhosa obra de Deus que somos nós com nossos corpos! Seres feitos de muitas coisas e dentre elas um cérebro recheado de hormônios e conexões com memórias, lembranças, traumas, alegrias, sentimentos e sentidos. O que causa todos os bugs na nossa saúde mental pode ser tudo isso, mas num resumo bem frio: química. Nosso cérebro é pura química que se espalha pelo corpo inteiro de muitas maneiras. Um hormônio meio desequilibrado ali, uma vitamina abaixo do que deveria, já era. Você pode estar triste e ser fome ou falta de vitamina D; você pode ser ansioso e ter o sono desregulado e ser sua tireóide. Por isso não divido a saúde mental e física; uma está atrelada à outra; somos uma coisa só. E, assim como uma virose ou um osso quebrado não são falta de fé ou castigo por algum pecado (aliás se rolar isso é bom dar uma revisada na Bíblia), depressão ou ansiedade também não são. Elas podem ser um tabu, pouco estudadas e conhecidas.
Infelizmente, eu presenciei algumas das piores reações quando contava sobre a psiquiatra. Precisei parar de fazer algumas coisas porque a cabeça realmente não estava dando conta e aí comentava um pouco do que estava passando. “Nossa, mas você vai parar com esse remédio, né?”; “Você não vai mais no psiquiatra, né?”; “Nossa, mas olha, é só orar e decidir que você vai ficar bem que resolve viu, e lê esse livro aqui.”; e tanta coisa desse tipo que na época não ajudaram nada. Mas depois entendi que todos que faziam algum tipo de comentário como esses nunca passaram nem perto de uma sessão de psicoterapia o que dirá de um psiquiatra. Por outro lado, com outros que conversei, a percepção é que psicólogos são coisas muito más que vão levar você para longe de Deus, mudar sua vida e fazer de você uma pessoa muito doida que odeia Deus. Psiquiatra então, nem se fala, vamos orar e passar bem longe que é melhor. Remédio para o “corpo” tudo bem, para a cabeça já é demais.
Em outras consultas com a psiquiatra, jogando conversa fora, descobri que ela também era cristã e comentamos como a igreja de forma geral, ainda lida muito mal com as questões da mente. Essa dor, infelizmente, não era só minha e ela como profissional e cristã pode atestar isso também. Pensamos em como os cristãos deveriam conhecer mais sobre esse universo justamente para ajudar as pessoas a lidarem da melhor maneira com si mesmas e com a vida nesse processo: com ajuda profissional.
Encontrar e seguir encontrando Deus no divã, nas poltronas ou nas telas das psicólogas, atualmente, foi a melhor coisa que já me aconteceu. Arrumando e aquietando a mente foi possível encontrar Deus de maneiras que eu nunca tinha experimentado. Foi possível entender como ter uma vida plena e imperfeita; foi possível ver vida e A Vida na vida de novo. Isso foi libertador!
A igreja e a saúde mental
Nossa vida precisa ser coletiva. Como cristãos sabemos disso. Estudando neurociência sabemos disso. Somos seres biopsicossociais, precisamos nos relacionar – para a neurociência por uma questão de sobrevivência que atravessou os tempos, para nós, complementando essa visão, porque somos feitos à imagem e semelhança de um Criador que nos criou para uma vida comunitária.
O cuidado com a saúde mental começa na própria pessoa reconhecendo que precisa dessa ajuda profissional, mas é sustentado também pela comunidade, por pessoas. Que comunidade seria melhor do que a igreja? Por isso precisamos falar sobre saúde, mas sobretudo, encaminhar pessoas para profissionais e, claro, orar por elas, mas entendendo e vendo o cuidado de Deus através desses profissionais também. Precisamos estar preparados para acolher quem sofre com ansiedade e depressão na igreja para que encontrem descanso em Deus também através do encorajamento dos irmãos na comunidade em um momento delicado.
Precisamos olhar os profissionais que cuidam da mente como profissionais, como graça de Deus, como instrumentos de Deus para cuidar da mente assim como outros médicos cuidam de outras partes do corpo.
A pandemia da Covid-19 deixou e ainda vai deixar muito estrago no emocional e mental das pessoas tal como não conseguimos medir ainda. Muita gente perdeu parente próximo sem nem conseguir se despedir; somos bombardeados com tragédias o dia todo. Tem quem não aguente e não tem problema nenhum nisso. Somos humanos diversos e não existe nada mais humano do que ter emoções.
Meu objetivo com esse relato breve da experiência com essas patologias sendo cristã é para encorajar outros cristãos a não se sentirem menos cristãos, menos amados, menos humanos ou dignos de alguma coisa se estão passando por essas questões sérias e que merecem a devida atenção. Psicólogos e psiquiatras são, sim, instrumentos de Deus para cuidar de você, pra que você tenha uma vida plena nesse mundo caótico e imperfeito. Não desista de você e não tenha vergonha ou medo de procurar ou pedir ajuda. Procure seus amigos, mas principalmente, ajuda profissional, se for necessário. Não tem mal nenhum nisso, muito pelo contrário, só bem para todas as esferas da sua vida.
- Gabriela Prilip, 26 anos. É marketeira, estudante de ciências do consumo, tentando lidar com a vida adulta escrevendo. Congrega no Projeto 242.
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Angélica Simeão
Excelente texto, Gabriela! Fiz terapia por quatro anos e, sempre que necessário, marca uma sessão para dar um respiro. Acho muito importante tratar este assunto e outros com mais leveza e naturalidade.
Babi
Parabéns por se colocar pro mundo assim! Me admiro com a sua coragem. Texto muito necessário nos dias de hoje.
Fico feliz de já faZer terapia e estar nesse caminho de autocuidado