Quem salva uma vida salva o mundo inteiro
Por Maurício Avoletta Júnior
“Porque Deus amou o mundo de tal maneira (…)”
João 3:16
Em seu livro sobre São Francisco de Assis, G. K. Chesterton tem, na minha opinião, um de seus insights mais geniais. Lá pelas tantas, o polemista inglês chega à conclusão de que é impossível amar a humanidade, mas que é perfeitamente possível amar pessoas, indivíduos.
É muito provável que você já tenha se deparado com algum discurso ideológico, independentemente do espectro político, que diz se preocupar com o bem da sociedade, da humanidade, da comunidade LGBT, da família tradicional e por aí à fora. Isso, por si só, é algo ruim? Obviamente, não. Todavia, há uma sutileza nesses discursos que entendo ser extremamente perigosa. A sutileza se encontra no simples motivo de que é impossível amar essa massa informe que é a humanidade. Ame a humanidade e você acabará não amando nada. Não esqueça que foi sempre pensando no bem da humanidade que as maiores tragédias aconteceram.
Foi por “um bem maior” que Alvo Dumbledore e Gerard Grindewald mataram diversas pessoas e disseminaram uma ideologia maléfica. Foi pensando num futuro melhor para seu povo que Daenerys cometeu diversas chacinas onde muitos a aplaudiram de pé, afinal, é necessário que homens maus morram para que possamos ter uma vida melhor. Foi pelo bem da própria existência que Thanos sacrificou sua filha e metade do universo.
Lembre-se, por exemplo, de O Senhor dos Anéis, onde Gandalf, o Cinzento, diz que, se possuísse o Um Anel, buscaria fazer somente o bem, mas temia o que precisaria fazer para alcançá-lo. Com Boromir não foi diferente. Se tivesse conseguido tirar o Um Anel de Frodo, ele o usaria para restaurar a glória de seu povo, mas o que seria preciso para isso? Qual seria o preço a se pagar?
Quando dicotomizamos a realidade em pessoas boas e pessoas más, acabamos por desenvolver uma imaginação totalitária, ou seja, aquele senso de propósito que domina o indivíduo e faz com que ignore aspectos da realidade, que, para ele, são de pouca importância. “O que é uma morte aqui e ali, em comparação ao bem maior?”, “O que é uma tragédia agora, em comparação a glória vindoura?”.
Essa tentativa de trazer o eterno para a temporalidade, como bem percebeu o filósofo político Eric Voegelin, é o maior perigo das ideologias. Tentar trazer o paraíso à terra é perigoso. O paraíso é, por definição, melhor do que a nossa realidade e, portanto, tentar trazê-lo para o agora, é mudar a ordem da história e correr o risco de estraçalhar em pedaços a realidade concreta.
Quem mata uma pessoa, ainda que pelo bem da humanidade, acaba matando toda a humanidade. Amar a humanidade é uma desculpa para não amar ninguém. Cristo não nos ensinou a amar uma massa de pessoas, mas, ao contrário, a amar o nosso próximo como a nós mesmos. Cristo nos ensinou a amar pessoas concretas, pessoas de carne e osso, com suas particularidades, seus defeitos e qualidades. Ame uma pessoa de cada vez e você acabará amando como Cristo amou. Ele amou o mundo de tal maneira, que amou cada indivíduo em particular.
- Maurício Avoletta Junior, 25 anos. Congrega na Igreja Batista Fonte de Sicar (SP). Formado em Teologia pela Mackenzie, estudante de filosofia e literatura (por conta própria); apaixonado por livros, cinema e música; escravo de Cristo, um pessimista em potencial e um futuro “seja o que Deus quiser”.