Tempo de desabraçar
Por Jeferson Cristianini
Salomão, o sábio, já nos ensinou que “há tempo para todo propósito debaixo do céu”, e nesse ensinamento descansamos. Sabemos e entendemos que Deus tem um propósito para o tempo que vivemos agora. Tempo de isolamento social, de distanciamento e de reclusão. Tempo de afastamento.
Exemplificando que o conceito de que “tudo tem o seu próprio tempo determinado”, Salomão nos mostra que há “tempo de plantar e tempo de arrancar o que foi plantado”, “tempo de chorar e tempo de rir”, e também que “há tempo de abraçar e tempo de afastar-se do abraço” (cf. Eclesiastes 3:1 a 8). Há um tempo para tudo, e nesse tempo histórico, aprouve que nós, debaixo da soberania de Deus, vivêssemos um tempo de afastamento do abraço. Tempo de desabraçar.
Um dos antônimos de abraço é desconexão ou desenlaçar. Pensando nessas duas expressões, podemos entender que abraço é uma conexão e um laço. Conexão de duas vidas, dois corações que se aproximam. Laço de amor, afeto e camaradagem. Sei que é bom abraçar as pessoas que queremos bem. Como pastor, sempre ensinei que a igreja local deve ser o local do abraço. Por onde passei, até institui um tempo de abraçar nossos irmãos que estão enfileirados conosco no templo, louvando a Deus e prestando culto conosco. O povo de Deus deve amar abraços, e deve (re)aprender o valor de um abraço no seio do culto público, como forma e demonstração do amor fraternal, apesar de deixar algumas pessoas constrangidas, rs.
A pandemia do coronavírus nos colocou diante da realidade do afastamento social e, consequentemente, do desabraço. Imagino a hora em que estivermos liberados para nos reunir como igrejas locais, em que pudermos nos ver e nos reencontrar. Imagino quantos abraços daremos.
Uma das coisas a serem aprendidas com essa pandemia é a valorização do abraço, como sinônimo de afeto cristão, de acolhimento cristão e demonstração de “querer bem”. Oro para que depois desse tempo nossos abraços possam ser mais sinceros, recheados de afeto cristão e acolhedores.
Os salvos, os que foram resgatados pelo amor redentor de Jesus, sabem o valor de um abraço. Sabem como é receber o abraço do Pai. Os pródigos, os que se distanciaram do reino e voltaram com arrependimento nos lábios, são recebidos por Deus, o Pai, com um beijo e um abraço (cf. Lucas 15:1 a 32). O Pai quebra os protocolos da época, que diziam que um pai nunca corria para um abraço, para manter a postura de autoridade. O abraço do Pai é o lugar mais seguro para o pecador arrependido.
Nunca podemos nos esquecer do acolhimento que recebemos de Deus em Cristo Jesus. Paulo exortou a igreja de Roma assim: “acolhei-vos uns aos outros, como também Cristo nos acolheu para a glória de Deus” (Romanos 15:7). Precisamos acolher os que chegam e os que já são irmãos, com o mesmo abraço com que fomos abraçados. Podemos e devemos orar para que nosso abraço sincero e caloroso revele o amor de Deus, e que as pessoas que se encontrarem conosco e receberem nosso abraço cheio de amor, sintam-se abraçada pelo Senhor através de nós.
Precisamos aceitar esse tempo de afastamento do abraço como um tempo pedagógico. Tempo de valorizar uma ação teoricamente tão simples como um abraço, mas que faz muita diferença nesse mundo marcado por ódio, separação e desunião. Que o nosso abraço seja o oposto de tudo isso. Que nosso abraço mostre nosso amor, carinho, afeto, consideração e respeito à pessoa abraçada.
Paulo nos diz que somos devedores do amor cristão uns aos outros; que essa dívida do amor possa se pagar com um abraço. Logo pagaremos nossa dívida. Enquanto isso, fique desabraçado, mas não deixa de entender e valorizar o abraço. Até breve. Que a expressão “desabraçar” soe de forma estranha aos nossos ouvidos, enquanto “abraçar” soe como uma canção.
- Jeferson Rodolfo Cristianini é pastor da Igreja Batista Nova Canaã Sorocaba.