Eu só queria uma aranha radioativa
Por Thales Rios
Outro dia estava andando na rua e vi um menininho com o moletom mais legal de todos: era uma fantasia do Homem Aranha! Era igual ao uniforme antigo do Aranha, só que a máscara era um capuz e tal. Na hora já virei pra minha namorada e falei rindo que queria um também. Ela riu da brincadeira e disse que me daria um sim.
Só que eu não tava brincando. Eu queria mesmo.
Eu amo o Homem Aranha. Quando criança eu adorava assistir aquele desenho dele que passava na Globo, brincava com meu hominho do Aranha, desenhava o Cabeça de Teia em todo canto das minhas apostilas. Mais tarde comecei a colecionar os quadrinhos, assisti todos os filmes (nem tente me convencer de que o Tobey Maguire foi o melhor Peter Parker, sai pra lá) e passei horas e horas jogando os jogos dele nos videogames. Até cheguei a escrever sobre isso outra vez.
Com o Homem Aranha aprendi que grandes poderes trazem grandes responsabilidades, mas a verdade é que eu nunca tive grandes poderes.
Sempre me identifiquei com o Peter Parker: mesmo não sendo órfão e não morando numa cidade grande, eu era o magrelo nerd de óculos que às vezes sofria bullying mas que sempre tinha uma piada besta pra fazer. Eu via o Peter Parker morando numa casa simples, sem muitos recursos e tendo que pagar contas, estudar pra prova, carregando uma mochila pra lá e pra cá e me identificava muito com ele. Só faltava uma aranha radioativa pra me picar e me dar super poderes, mas o máximo que me aconteceu foi uma picada de abelha que eu não limpei direito e me deu uma super infecção no braço.
Histórias se conectam com histórias. Eu passava horas lendo os quadrinhos da Marvel imaginando como uma picada de aranha poderia me tirar da vida comum, como uma aranha radioativa poderia me dar super força, super reflexo, capacidade de escalar paredes, soltar teia (ou pelo menos construir um lançador de teias) e ter o sentido aranha para me alertar da presença do perigo. Não sei muito o que iria fazer com isso tudo, já que moro numa cidade extremamente pacata e quase sem prédios pra me pendurar. Talvez uma abelha radioativa fosse mais útil mesmo.
O Homem Aranha sempre foi o herói mais legal pra mim, mas aí eu chegava na igreja pros rolês de criança e tinha uma musiquinha falando que Jesus era o meu herói. Mas poxa, não era. Eu ouvi por muitos anos de que “Jesus salva”, mas poxa, Jesus salva de quê, afinal?
Sei que é uma heresia (e espero que Deus não me puna por mais essa), mas sempre achei Jesus parecido demais com o Super Homem pra ser considerado legal. Muitos super poderes, pouca humanidade, sabe? O Super Homem (que nem homem é, pra começar) tem visão de raio-x, solta laser pelos zóio, voa, fica sussa no espaço, tem super força, super resistência, super velocidade, sopro congelante e a incrível capacidade de se disfarçar com um par de óculos. Mano, que preguiça do Super Homem…
De Jesus eu nunca tive preguiça, sempre gostei dele e tudo mais, mas histórias se conectam com histórias e a de Jesus não se conectava com a minha.
Cresci lendo a Bíblia e aprendendo sobre histórias de heróis tão fantásticos quanto o Homem Aranha: tinha cara abrindo o mar com um cajado 1; tinha um cara fazendo fogo cair do céu 2; tinha super velocidade 3; tinha super força 4; tinha cara se teleportando 5; mano, tinha um cara parando o Sol 6. Mas aí chegava em Jesus e os super poderes ficavam meio sem graça: andar sobre a água? Ok. Curar doentes? Tá. Multiplicar comida e transformar água em vinho? Nada emocionante. Expulsar capeta das pessoas? Seria mais legal se fosse no soco. Colar orelha cortada? Poxa, Jesus, você podia fazer melhor que isso, não?
O próprio Deus sai de sei lá da onde Deus fica, vem pra cá e faz só essas coisas? Ele até sai voando no final, mas poxa, Jesus. Podia ter soltado uns lasers nos fariseus; podia ter usado telecinese contra Judas; podia ter falado que era hora de morfar e entrado num MegaLord (que é tipo um Megazord, mas do Senhor) pra lutar contra o império Romano, sei lá. Já que era pra ser o Deus Todo Poderoso aqui, que mostrasse esse poder todo, ué!
Pra mim esse papo de Jesus ser Deus mas ser também homem era um par de óculos que não disfarçava bem o fato dele ser apenas Deus fingindo ser alguém como eu.
O que Deus, lá do alto, sabia sobre a vida aqui na Terra? O que o ser perfeito e eterno sabia sobre viver no chão barrento que a gente pisa? O que o Todo Poderoso sabia sobre viver impotente diante de tanta injustiça, medo e dor?
Poxa, Jesus.
Mais tarde na vida eu conheci Jesus. Não esse que me ensinaram nos Domingos de manhã. Eu já conhecia o Jesus que havia transformado água em vinho, mas não conhecia o Jesus que estava se divertindo numa festa com os amigos. Eu já conhecia o Jesus que andou sobre as águas, mas não conhecia o Jesus que ficou pensando na morte do primo a madrugada inteira antes. Eu já conhecia o Jesus que multiplicava comida, mas não conhecia o Jesus que se importava com o necessitado perto dele. Eu já conhecia o Jesus que curava e libertava as pessoas, mas não conhecia o Jesus que foi caminhando longas distâncias até chegar nelas, suando, sentindo fome, sentindo frio, fazendo cocô no mato e tudo mais. Eu já conhecia o Jesus que ressuscitou Lázaro, mas não fazia ideia do Jesus que chorou.
Eu conhecia o Jesus que tinha grandes poderes, mas não fazia ideia do peso da responsabilidade.
Fico pensando o quanto de balde ele poderia ter chutado. O que é um infartozinho em Judas pra quem fazia coração voltar a bater num estalar de dedos? Ele já havia transformado centenas de litros de água em vinho, imagino que seria bem fácil transformar em ácido sulfúrico aquela água que Pilatos lavou as mãos. Imagina então o tanto que coçou a mão dele pra fazer igual ao Magneto e atravessar o corpo daqueles soldados romanos com os pregos que usaram pra o prender na cruz.
No lugar de Jesus eu teria mandado fogo em tudo e ainda sairia voando dali pra aproveitar a capa vermelha que me jogaram nas costas.
No lugar de Jesus eu teria feito tudo diferente.
No meu lugar Jesus morreu.
Eu conhecia o Jesus que tinha grandes poderes, o Deus que tinha todos os poderes, mas não fazia ideia do que significava abrir mão disso tudo pra viver aqui na Terra, pra pisar o mesmo chão barrento que eu, pra viver impotente debaixo da injustiça, tendo medo e sofrendo de modo humilhante a dor eterna que era minha. Eu não sabia que Jesus foi tão homem quanto eu.
Ele, o Todo Poderoso, poderia usar todos os super poderes que quisesse. Poderia até ter soltado teia pelos pulsos, mas não. Ele decidiu usar o maior poder de todos. O poder que cria, o poder que restaura, o único poder que pode nos salvar e destruir toda a força do mal: o amor.
O maior super poder é o amor.
Com o amor ele não me salvou de bandidos, alienígenas ou super vilões. Mas com o amor ele me salva da morte, de mim mesmo e do mal.
Com o amor ele me salvou da morte que eu merecia.
Com o amor ele está me salvando de tudo de ruim que eu quero fazer pra mim e para os outros.
Com o amor ele vai nos salvar da presença do mal num futuro em que o bem vence, e é pra sempre.
Um dia Jesus me disse que a mesma fonte de poder que atua nele vem morar em nós e nos permite fazer coisas ainda maiores que ele fez. O mal ainda está à solta e vemos toda a destruição que ele tem causado por aí, mas a boa notícia é que a vitória já está certa e não precisamos soltar fogo, voar e muito menos usar collant nessa batalha.
O único jeito do bem vencer o mal é através do amor.
Eu queria uma aranha radioativa pra me picar, mas olha só: recebi um Espírito que me deu o super poder de amar.
- Thales Rios tem 30 anos, é designer gráfico, professor de EBD e tenta ser engraçado escrevendo para o blog Thales de Muleta.
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Referências dos super poderes na Bíblia:
1 Êxodo 14:21-28 – Deus usa Moisés pra fazer o Mar Vermelho se abrir pros povo hebreu escapar do Egito.
2 1º Reis 18 – Elias tá numa disputa com os profetas de Baal e ora a Deus, que manda um fogo doido do céu pra mostrar quem era Deus mesmo.
3 1º Reis 18:45-46 – Elias sai correndo na frente da carruagem que estava correndo muito.
4 Juízes 13 – 16 – Sansão, um cara a quem Deus deu uma força como nunca visto antes.
5 Atos 8:39-40 – Filipe batizou um eunuco e depois foi teleportado por Deus pra outro lugar.
6 Josué 10:12-13 – Josué tava com o povo no meio duma treta e pediu a Deus pro dia não passar, daí o Sol parou de se mover.
Micarla
Que texto incrível! Tocou minha emoção! O título já me era familiar, pois meu filho de 10 anos falou-me desse desejo de ser picado pela mesma aranha radioativa, rsrs! Seu texto nos faz refletir sobre como é preciso crescer para entender o poder do amor! Que superpoder!!!
Marcos Antonio Inacio Duarte
Texto muito divertido que tbem me emocionou. Eu tbem sempre gostei muito do homem-aranha, mas Jesus é alguém que eu realmente posso adorar…
Parabéns pelo texto.