Um chamado ao serviço no mundo
Por Zé Bruno
Minha conversão se deu no ano de 1996, desde aquela época era comum ouvir que crente não ouve música do mundo, tampouco vai para shows. Até os shows evangélicos eram vistos por boa parte da liderança como algo mundano. Não foram poucas as ocasiões em que presenciei repreensões aos que iam a estes eventos. Complicado mesmo era para os artistas que se convertiam ou que já eram cristãos, pois precisavam abandonar a carreira dita secular e se envolver no mercado gospel, afinal se fosse artista e crente não podia trabalhar “no mundo”.
Essas convicções não são cristãs. Apesar de usarem o discurso da santidade como justificativa para tais resoluções, isto nada tem a ver com ela. Santidade não diz respeito a uma lista de proibições. Mas se refere à obra que Deus fez e está fazendo em nós através do seu Espírito e da nossa resposta obediente a sua vontade revelada. Como cristãos somos chamados a glorificar a Deus para além da vida eclesiástica, logo a vida santa está na relação ordinária da vida: varrer a casa, lavar os pratos, assistir um bom filme, sentir o cheio de um perfume, preparar uma refeição ou comê-la, jogar videogame etc.
Por trás da dicotomia “sagrado ou profano”, “da igreja ou do mundo”, “gospel ou secular” está o dualismo. Uma ideia pagã que remete ao gnosticismo, o qual via a matéria como algo ruim e o espírito como algo bom. E a partir disso fragmenta a realidade, limitando a soberania de Deus a uma parte da criação e entregando a outra ao diabo. O dualismo evangélico diz que oração, igreja, pregação e louvor são coisas de Deus, porém meio ambiente, política, ciência e arte, não. Daí a omissão cristã nestas áreas ou a paupérrima contribuição evangélica nacional nestas esferas.
Bem na contramão disso está Abraham Kuyper, pastor e primeiro ministro da Holanda, que atuou em várias áreas da sociedade contribuindo com excelência para glorificar a Cristo em cada uma delas, pois conforme ele mesmo declarou:
“Nem um único espaço de nosso mundo mental pode ser hermeticamente selado em relação ao restante, e não há um único centímetro quadrado em todos os domínios da existência humana sobre o qual Cristo, que é soberano em tudo, não clame: é meu!”[1]
O que Kuyper afirma com esta declaração é que não há dualismo, já que não existe algo em toda criação que não pertença a Deus, o Criador ou a Cristo, o Senhor.
Aí está o principal problema do dualismo: ele não é real. Só existe na realidade como uma visão de mundo, um ponto de vista apenas e nada mais. Neste caso ou Deus é soberano ou o dualismo é real, não há como coexistirem, pois, são excludentes entre si. Não obstante o que encontramos e claramente vemos é a dualidade: bem e mal, noite e dia, luz e trevas, justo e injusto.
O dualismo como uma herança do gnosticismo segue o mesmo padrão dele: ser um parasita do Cristianismo. A confusão é feita porque o dualismo superficialmente sugere uma certa piedade ao valorizar as coisas do espírito em detrimento das do mundo. No entanto em um nível mais profundo ele não passa de uma heresia, já que a fé cristã não valoriza aspectos da criação em detrimentos de outros, pois toda criação é muito boa. Além disso tudo é espiritual, afinal tem sua origem em Deus. Logo quando olhamos o mundo que nos cerca não podemos vê-lo como se apenas parte dele pertencesse ao Criador — de modo algum. Este mundo é o mundo de Deus e todo mal que está nele é uma corrupção da sua boa criação que aguarda o dia da redenção, em que Ele fará nova todas as coisas.
Quando em 1996 e ainda hoje os cristãos continuam debatendo sobre música do mundo e música de Deus, que política é do diabo, que a ciência é incompatível com a fé cristã, que o artista que se converter deve abandonar sua carreira para aderir o selo gospel ou que a defesa do meio ambiente é perda de tempo, por exemplo, eles estão falando não a partir da cosmovisão cristã, mas de seu parasita: o dualismo.
Kuyper, conforme mencionado acima, foi um cristão relevante em sua sociedade porque entendia que o senhorio de Cristo se estende sobre toda a dimensão do cosmos. Cito-o como exemplo, não apenas por ter sido alguém que levou o peso das suas convicções para arena pública, mas porque entendia e defendia que os cristãos deveriam agir assim. Os cristãos precisam contribuir para o mundo com algo que vá além daquilo que só a igreja pode fazer. As pessoas precisam ler um bom livro em alguma área do conhecimento ou ouvir uma boa música ou aplicar alguma técnica científica, como dizia Rookmaaker, e serem inspiradas ao saberem que foi um cristão quem a produziu.[2]
Se de fato cremos que Deus é soberano não podemos abandonar o mundo, deixando-o aos cuidados dos filhos das trevas, mas precisávamos nos engajar em todas as áreas, arregaçar as mangas e trabalhar, pois quando assim fazemos estamos cooperando com Deus naquilo que Ele está fazendo em seu mundo. Ou nas palavras de Kuyper,
“se o Deus do crente está trabalhando neste mundo, então neste mundo a mão do crente deve se apossar do arado, e o nome do Senhor deve ser glorificado nesta atividade também.”[3]
Naquele que nos chama para sermos suas mãos e seus pés no mundo,
- Zé Bruno, 35 anos. Diácono da Assembleia de Deus em Alagoas, formado em Relações Internacionais e graduando em Direito. Membro do Coletivo Tangente, um grupo de cristãos que busca fomentar o debate sobre arte, cultura e cosmovisão cristã. Se dedica em fazer a ponte entre dois mundos: o das Escrituras e o dos ouvintes.
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Notas:
[1] CARVALHO, Guilherme. O senhorio de Cristo e a missão da igreja na cultura: A idéia de soberania e sua aplicação. In. RAMOS, Leonardo. CAMARGO, Marcel. AMORIM, Rodolfo (Org.). Fé Cristã e Cultura Contemporânea: cosmovisão cristã, igreja local e transformação integral. Viçosa, MG : Ultimato, 2009. Capa.
[2] ROOKMAAKER, Hans. A Arte não precisa de justificativa. Viçosa: Ultimato,
[3] KUYPER, Abraham. Common Grace: God’s gifts for a Fallen World, Vol.1. Bellingham: Lexham Press, 2015, Kindle posição 594.
Divana
Concordo com tudo o que foi dito aqui, mesmo que em algumas áreas públicas, com pessoas de diversas crenças, seja um pouco difícil aplicar a palavra de Cristo.
Li um livro do Rookmaaker que diz muito sobre a arte e o cristianismo – O Dom Criativo. Eu não sabia que a separação entre o cristão e a arte era tão grande hoje, e não antes. O livro traz exemplos de obras de arte feitas por cristãos que tentam mostrar ao povo a glória de Cristo como homem e como Deus. Era muito difícil, e ainda é. Hoje mais ainda por causa dessa separação que não deveria existir – o mundo por si só é uma obra de arte e já mostra a glória de Deus a todos os que habitam aqui.
giovana vox
Excelente texto! Muito bom! parabéns!
Jane
Tudo é dEle, por Ele e para Ele!!! Deus Criou tudo perfeito, mas o homem se meteu em muitas confusões!!! Deus ao mundo(pessoas) e nos ensina a amarmos até nossos inimigos, porém nos adverte não ameis o mundo(sistemas que se opõem a Deus)
Deus Criou o homem, mas não o pecado
Deus Criou o sexo, mas não a prostituição
Deus Criou o apetite, mas não a glutonaria, etc, etc
Influenciando ou influenciados? Qual fonte do amor cantado, ensinado, etc, por aí?
Que a nossa inspiração seja a Fonte inesgotável do amor, do tom, da cor, da melodia, da poesia!!!
“Salmo 87: 7. Tanto os cantores como os que tocam instrumentos dirão: Todas as minhas fontes estão em ti…”
“João 4:14. Aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que jorre para a vida eterna…”
“Provérbios 13:14 O ensino do sábio é uma fonte de vida para desviar dos laços da morte”
“Filipenses 4: 8 Quanto ao mais irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai”.
“O Rev.Hernandes Dias Lopes escreveu:
O mundo não é tanto uma questão de atividade, mas de atitude interior. É possível ter uma vida externa bonita e um coração cheio de podridão. É possível um fariseu, um legalista, um sepulcro caiado. É possível não deitar-se com uma mulher e ainda assim, a desejar no coração. É possível não ser rico e ainda sim, cobiçar a riqueza.
3.O sistema do mundo usa três armadilhas para derrubar o cristão – v. 16
3.1. A concupiscência da carne
• A carne são as tentações que nos assaltam de dentro para fora. São desejos sórdidos. É viver para o prazer imediato. É endeusar os prazeres puramente humanos. É viver uma vida dominada pelos sentidos.
• A carne é nossa natureza caída.
3.2. A concupiscência dos olhos
• A concupiscência dos olhos são tentações que nos assaltam de fora para dentro. Ser tentado por valores falsos.
3.3. A soberba da vida
• É atitude de querer impressionar todos que encontra com a sua inexistente importância. É a vanglória com coisas externas como riqueza, posição, inteligência, poder, beleza, jóias, carros, vestuário. É qualquer ostentação pretensiosa. É tocar trombetas para si mesmo. É gostar dos holofotes. É o desejo de brilhar ou de ofuscar os outros com uma vida luxuriosa.
• Eva ficou desconte em ser criatura e ser colocada num jardim. Quis ser igual a Deus e caiu no estado de miséria e vergonha.
• O PROCESSO DA MUNDANIZAÇÃO: Primeiro, torna-se amigo do mundo (Tg 4:4) + segundo, contaminado pelo mundo (Tg 1:27) + terceiro, conformado com o mundo (Rm 12:2) + condenado com o mundo (1 Co 11:32). Exemplo: os passos de Ló em direção ao mundo: viu + armou as tendas + capturado junto com Sodoma + sofre com os pecadores de Sodoma + quando Deus destruiu Sodoma, ele perdeu tudo. Foi salvo como que através do fogo.”
“Tiago 3.6Semelhantemente, a língua é fogo; é um mundo de iniquidade; a língua está localizada entre os órgãos do nosso corpo, e pode contaminar a pessoa por inteiro, e não somente põe completamente em chamas o curso da nossa existência, como acaba, ela mesma, incendiada pelo inferno. 7Pois toda espécie de feras, aves, répteis e criaturas marinhas é possível domar e, de fato, tem sido domada pelos seres humanos; 8a língua, contudo, nenhuma pessoa consegue dominar. É um mal incontrolável, cheia de veneno mortal. 9Com a língua bendizemos o Senhor e Pai, porém com ela amaldiçoamos nossos semelhantes, criados à imagem de Deus. 10Da mesma boca procedem bênção e maldição. Meus queridos irmãos, isso não está certo! 11Acaso pode, uma mesma fonte, jorrar água potável e água salobre? 12Ora, meus irmãos, é possível que uma figueira produza azeitonas ou uma videira, figos? Assim, também, uma fonte de água salgada não pode jorrar água doce. Cultivemos a sabedoria dos céus 13Quem, dentre vós, é sábio e tem verdadeiro entendimento? Que o demonstre por seu bom proceder cotidiano, mediante obras praticadas com humildade que têm origem na sabedoria. *14No entanto, se abrigas em vosso coração inveja, amargura e ambição egoísta, não vos orgulheis disso, nem procureis negar a verdade*. 15Porquanto, *esse tipo de sabedoria não vem dos céus, mas é terrena; não é celestial, mas demoníaca*. 16Pois, onde existe inveja e rivalidade, aí há confusão e todo tipo de atitudes maléficas. 17Porém, a sabedoria que vem do alto é antes de tudo pura, repleta de misericórdia e de bons frutos, imparcial e sem hipocrisia. 18Ora, a justiça é a colheita produzida por aqueles que semeiam a paz. “