Quem somos nós? Os poetas respondem
Por Maurício Avoletta Júnior
Essa é uma pergunta que atormenta a toda a humanidade. Algumas pessoas, entendendo-se como seres criados à Imagem e Semelhança de Deus, se arriscaram a responder essa pergunta.
Para o teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer, nossa identidade não é moldada pela sociedade e muito menos está exposta em uma prateleira, esperando ser escolhida a bel prazer pela clientela. Nossa identidade reside no próprio Deus, segundo o teólogo. Para ele, a resposta à pergunta “quem somos nós” está no fato de pertencermos a Deus. Nossa existência está em Deus e, para nos conhecermos, devemos primeiramente conhecê-lo.
Embora eu concorde plenamente com Bonhoeffer, não é nele que gostaria de manter meu foco, mas em um trecho de O Poeta, de Vinicius de Moraes:
“somos belos como deuses mas somos trágicos.
Vemos de longe… Quem sabe no sono de Deus tenhamos aparecido como espectros.”
Como bom poeta que foi, Vinícius de Moraes conseguiu o que os poetas fazem de melhor: falar obviedades sem obviedades, exprimir verdades inexprimíveis. Ele nos trouxe a verdade bíblica de que existe em nós uma dignidade que hoje está parcialmente apagada. Isso talvez seja óbvio para muitos, mas hoje o óbvio deve ser constantemente reafirmado.
No início fomos feitos à Imagem e Semelhança de um Deus criador e todo poderoso. No início, fomos feitos belos como deuses, mas não éramos deuses, apenas belos. Tínhamos em nós a Imagem clara do nosso criador e o que nos diferenciava dele era a tragédia. Somos seres trágicos e por isso abraçamos a tragédia em detrimento de Deus. Nossa liberdade tornou-se nosso deus e Deus tornou-se nossa “eucatástrofe”.
Termo criado por Tolkien, eucatástrofe significa “boa catástrofe”. É o evento que ocorre exatamente após a catástrofe. Ela é o retorno de Aslan após a feiticeira branca tê-lo matado na mesa de pedra; é a aparição de Gandalf, o branco, para a comitiva do anel após todos o verem cair em trevas ao lutar com o Balrog; é Harry Potter levantando dos braços de Hagrid após todos verem Lord Voldemort matá-lo; é Cristo ressuscitando após ficar morto por três dias.
Nossa tragédia é nossa catástrofe. Ela fez com que o fato de sermos belos como deuses fosse suprimido pelo fato de sermos trágicos, e o fato de sermos trágicos fez com que nos tornássemos mortos. No momento em que decidimos abrir mão de sermos belos como deuses para nos autocriarmos à nossa própria Imagem e Semelhança, passamos a ser não mais o templo do Espírito Santo, mas templo de nós mesmos. Perdemos nossa identidade junto com nossa beleza.
O Salmo 115 fala um pouco sobre os ídolos e, infelizmente, funciona como um espelho que mostra o reflexo de cada um com perfeição: tem mãos mas não toca; tem pés mas não anda; tem garganta mas dela não sai som algum. Essa é a descrição que o salmista dá a um ídolo e, consequentemente, é a descrição de nós mesmos.
Ao abraçarmos a tragédia, nos colocamos no lugar de adoração que antes era de Deus. Ao nos colocarmos no lugar de Deus, nos tornamos ídolos mortos. Ao adorarmos ídolos mortos, acabamos por morrer mais ainda. Nossa tragédia nos impediu de chegarmos a Deus. Morremos duplamente. Nossa tragédia é nossa catástrofe.
“E disse Deus:’Que haja luz’ e a luz se fez.”
Em seu poema Mythopoeia, Tolkien diz que o homem, embora esteja em estado de queda, não está totalmente perdido. Em suas próprias palavras:
“Sem graça sim, porém não sem trono,
Tem restos do poder que um dia foi dono.”
Não nos contentamos com a natureza que por Deus nos foi dada e buscacamos ter mais do que nos foi concedido. Encontramos apenas tragédia. Tentamos ser deuses, viramos ídolos. Essa tentativa fracassada fez com que, no meio do caminho, perdêssemos também nossa identidade. Todavia, devemos dar graças pelos poetas. Foram eles que nos mostraram o caminho de volta. Na verdade, eles apenas apontaram para O caminho.
A catástrofe e a eucatástrofe dessas histórias e poesias apontam para uma única e verdadeira história na qual a catástrofe aconteceu com a morte de Cristo na cruz e onde a eucatástrofe veio em Sua ressurreição. Como afirmou outro poeta, esse um pouco mais antigo que Vinicius, em O Paraíso Reconquistado, John Milton aponta que no primeiro Adão, o catastrófico, nós caímos, já no segundo adão, o eucatastrófico, reconquistado foi o paraíso:
Vencido Adão, venceste a tentação;
Reconquistas perdido Paraíso, (…)
Para Adão e seus filhos escolhidos,
Que tu, ó Salvador, reinauguraste;
Onde seguros viverão, sem medo
De Tentador e tentação jamais.
Com nosso paraíso reconquistado pelo único capaz de reconquistá-lo, nossa identidade foi também recuperada, pois o Grande Iconoclasta destruiu o ídolo que antes habitava o Seu altar. Como diz aquela nem tão antiga canção, o amor de Deus nos destrói e nos constrói. Quebra tudo e refaz.
Jogamos fora o que nos foi dado, perdemos o que éramos e nos foi tirado o que nos restava, mas, no nosso final feliz, reconquistado foi o nosso lar! O Verbo que se fez trágico como a criação, mas belo como Deus, se esvaziou até a morte e ressurgiu em glória. Ainda somos belos como deuses e ainda somos trágicos, mas temos esperança de um dia deixarmos a tragédia. Sabemos que um dia não mais nos veremos por espelho, mas esse dia ainda não chegou.
No final das contas, seja lá quem nós somos, como sabiamente já disse Bonhoeffer: “tu sabes, Deus, somos teus”.
- Maurício Avoletta Junior, 23 anos. Congrega na Igreja Batista Fonte de Sicar (SP). Formado em Teologia pela Mackenzie, estudante de filosofia e literatura (por conta própria); apaixonado por livros, cinema e música; escravo de Cristo, um pessimista em potencial e um futuro “seja o que Deus quiser”.
Guttemberg Barbosa
Tudo posso naquele que me fortalece!
joel trigo
Maurício Avoletta Junior, escreveu bem sobre os poetas e citou o pessimismo …como marca da maioria dos poetas, veem muito além, mas o cristão embora veja alem, vê sempre muito aquém do nosso Deus Eterno e nesse aquém não cabe o pessimismo visto que o guia e criador do caminho é o próprio Deus e é um caminho de Glória … para o salvo em Jesus Cristo, assim “peço/sugiro” tire o pessimista de seu “perfil”, abraços e bençãos, Joel Trigo de Itapevi – SP.
Gabrielle Biscaia
Que texto lindo! <3
Divana Barbosa
“Sem graça sim, porém não sem trono,
Tem restos do poder que um dia foi dono.”
Somos criação, somos criatura. Embora manchados pelo pecado, da época de Adão, a graça de Deus continua sobre nós e, mesmo rebeldes, somos filhos.
Jorge Haile
Pessimismo e cristianismo andam em sentido opostos. Depois de um texto tão inteligente, reflexivo e profundo. O pessimismo no perfil contradiz. Que pena. Parece que nosso comentarista sonha em abraçar-se com a tragédia no final…..
Maurício Avoletta Junior
Olá, Jorge, tudo bem?
Creio que você não leu corretamente meu perfil, mas não tem problema haha Se prestar atenção, verá que lá refiro a mim mesmo como um pessimista EM POTENCIAL, ou seja, que possuí a predisposição para o pessimismo. Contudo, como você bem observou, pessimismo e cristianismo são opostos e concordo plenamente com você.
Eu digo que sou um pessimista em potencial, referindo-me ao pessimismo teológico de grandes homens e mulheres de Deus como Santo Agostinho, o Apóstolo Paulo, Santa Tereza D’avila, George Bernanos e tantos outros que perceberam, como diz o livro de Eclesiastes, que a vida, se não for vivida para Deus, é um simples acúmulo de matéria sem sentido no universo. A vida sem Deus é pessimismo puro.
Por isso, meu irmão, te digo sinceramente, não sou de modo algum o pessimista que olha o copo e diz que ele está meio vazio. Tão pouco sou o otimista que vê o copo meio cheio. Sou, na verdade, o Cristão que vê um copo lindo e que, pela graça de Deus, tem água suficiente.
Um grande abraço, Jorge!
Maurício Avoletta Junior
Olá, Jorge, tudo bem?
Creio que você não leu corretamente meu perfil, mas não tem problema haha Se prestar atenção, verá que lá refiro a mim mesmo como um pessimista EM POTENCIAL, ou seja, que possuí a predisposição para o pessimismo. Contudo, como você bem observou, pessimismo e cristianismo são opostos e concordo plenamente com você.
Eu digo que sou um pessimista em potencial, referindo-me ao pessimismo teológico de grandes homens e mulheres de Deus como Santo Agostinho, o Apóstolo Paulo, Santa Tereza D’avila, George Bernanos e tantos outros que perceberam, como diz o livro de Eclesiastes, que a vida, se não for vivida para Deus, é um simples acúmulo de matéria sem sentido no universo. A vida sem Deus é pessimismo puro.
Por isso, meu irmão, te digo sinceramente, não sou de modo algum o pessimista que olha o copo e diz que ele está meio vazio. Tão pouco sou o otimista que vê o copo meio cheio. Sou, na verdade, o Cristão que vê um copo lindo e que, pela graça de Deus, tem água suficiente.
Um grande abraço, Jorge!