Por Maurício Avoletta Junior

Certo dia me senti como um antigo pecador. Não porque nos outros dias eu me sinta um novo santo, mas porque realmente me vi no mesmo dilema de um grande santo da Igreja. Pra falar a verdade, me vi no mesmo dilema de um santo antes mesmo dele ser cristão. Me refiro a Agostinho. Não Santo Agostinho, o grande pai e doutor da Igreja, mas só Agostinho mesmo. Me vi na mesma situação dele não porque vivi o que ele viveu, mas porque senti o que ele sentiu.

Houve uma tarde em que, devido a um imprevisto nos ônibus de São Paulo, acabei chegando tarde ao serviço e, por esse motivo, não havia comido direito. Por isso, aproveitei o tempinho livre que tinha e fui comprar alguma coisa para comer. Não estava com muita fome e só queria uma fruta. Comprei uma goiaba e sabia que ela satisfaria minha vontade. Ao me encaminhar ao caixa, me deparo com algumas peras muito bonitas. Peguei duas. Fui ao caixa, paguei e sai. Chegando ao meu trabalho, comi a goiaba e guardei as peras. Eu não precisava tê-las comprado. Elas não eram necessárias para satisfazer minha fome, mas mesmo assim as comprei e com toda certeza acabaria comendo nos próximos dias, por isso, não vi muito problema na hora.

Mais tarde, quando estava voltando para casa, fui abordado por um homem por volta dos seus 30 anos. Seu nome era William, estava bem apresentado, mas visivelmente triste. Ele me contou sua história e terminou dizendo que havia perdido o horário do albergue e que queria algo para comer. Lembrei que eu tinha um pacote de bolachas ainda fechado na bolsa e imediatamente perguntei se ele o aceitaria. Ele aceitou. Contudo, ao abrir minha bolsa para pegar as bolachas, me deparo com as peras. Duas peras bonitas que comprei sem necessidade nenhuma. Percebi naquele momento que as peras não eram minhas e que eu as havia comprado para outra pessoa. Percebi que ele era o verdadeiro dono delas. Falei que havia me esquecido das peras e as dei para ele junto com o pacote de bolachas. Conversamos por mais alguns minutos, ele se despediu e saiu comendo as peras.

Sei que pode parecer uma romantização exagerada de uma situação simples, mas, alguns minutos depois, me lembrei do episódio específico em que Santo Agostinho reflete sobre sua vida em suas Confissões e relata o episódio do roubo das peras. Em sua infância, por pura e simples vontade de possuir algo, Agostinho roubou algumas peras de uma árvore que estava na propriedade de outra pessoa. Pegou mais peras do que podia comer e, na verdade, não tinha vontade de comer nenhuma das peras que roubou. Simplesmente quis fazer, foi lá e fez. Eu não precisava comprar aquelas peras, mas quis comprar, fui lá e comprei.

O erro não está no fato de eu ter comprado as frutas, mas no que motivou a compra delas. Ainda que eu fosse comê-las uma hora ou outra, eu não as comprei com o fim de saciar alguma necessidade, mas pelo simples desejo de comprá-las. Como Agostinho roubou as peras pela simples vontade de roubar, eu comprei as peras pela simples vontade de comprar.

Enquanto a redenção dessa situação veio bastante tardiamente para Santo Agostinho, para mim ela ocorreu no mesmo dia. Quando William pediu algo para comer, percebi que eu tinha como lhe fornecer comida para saciar sua necessidade fisiológica e espiritual. A redenção da minha vontade de possuir as coisas veio quando abri mão de algo. Já disse que pode parecer uma romantização exagerada de uma situação às vezes até mesmo banal, mas não é. Isso denuncia um problema interno meu, que, por sua vez, é um problema do ser humano. Minhas particularidades não fazem com que meus erros sejam particulares, apenas mostram a universalidade dos nossos erros e o estado da natureza humana.

Meu querido Chesterton disse uma vez, por meio de uma crônica do Padre Brown, que o homem não tem condições de saber o quão bom ele é até que ele saiba o quão ruim ele é e pode ser. Percebi que eu poderia fazer algo bom no momento em que me dei conta de que eu fiz algo ruim. Como sempre, a redenção veio de forma inesperada e expôs um mal para mostrar como acabar com ele. Pelo menos uma vez na vida pude me sentir como Agostinho. Espero que um dia eu possa me parecer com Santo Agostinho. Nesse dia me parecerei um pouco mais com Cristo, mas até lá, espero ao menos me diminuir um pouco mais.

  • Maurício Avoletta Junior, 23 anos. Congrega na Igreja Batista Fonte de Sicar (SP). Formado em Teologia pela Mackenzie, estudante de filosofia e literatura (por conta própria); apaixonado por livros, cinema e música; escravo de Cristo, um pessimista em potencial e um futuro “seja o que Deus quiser”.

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