O problema do mal: explicação a gente tem, só não temos a resposta
Por Maurício Avoletta Júnior
Um dos problemas mais antigos da filosofia e da teologia é conhecido como o problema do mal, ou como o problema do sofrimento. Sua proposta é questionar e, por ventura, encontrar uma resposta para aquela clássica dúvida: se Deus realmente existe e é tão bom quanto dizem, por que o mal existe?
Bom, inicialmente eu gostaria de te dar um baita de um spoiler e dizer que não existe resposta exaustiva para esse problema, caso tivesse, ele não seria mais um problema.
Mas por que o mal é um problema? Ele só é um problema porque nos afeta pessoalmente. Se afetasse apenas coisas que não têm relação conosco, nós nem ligaríamos. É engraçado que uma das maiores aflições dos seres humanos, na realidade, não existe. Foi essa a conclusão de Santo Agostinho ao refletir a respeito da definição de mal.
O mal é como um parasita que depende de um hospedeiro para sobreviver. Da mesma forma, o mal só existe enquanto está agarrado ao bem e o corrompe. Deixe-me usar um exemplo: o dinheiro em si mesmo não é ruim, mas utilizá-lo de forma desenfreada é um mal; o sexo não é algo ruim, mas utilizá-lo como um fim é um mal. O mal é, por assim dizer, a intenção de um ato e não o ato em si. Ficou um pouco complicado, né? Vou tentar usar um exemplo melhor.
Lembra-se das relíquias da morte de Harry Potter? A varinha das varinhas, a capa da invisibilidade e a pedra da ressurreição? Essas relíquias em si não eram más, pois era perfeitamente possível que alguém as usasse de forma a beneficiar a todos em sua volta e não somente uma pessoa, contudo, o desejo corrupto do coração humano fez com que aqueles que utilizaram essas relíquias se corrompessem. A varinha das varinhas, que elevava quem a possuía ao maior bruxo de todos, não era um objeto ruim, mas a corrupção humana fez com que aqueles que usassem essa varinha fizessem isso de forma egoísta. Entende o que quero dizer? O mal nunca é uma coisa, mas o desejo de corrupção. Esse desejo, segundo Agostinho, Tomás de Aquino, Calvino, Anselmo e tantos outros santos da história da Igreja, surge do tão temido – e por vezes mal compreendido – livre arbítrio.
Embora a origem do mal e sua definição estejam minimamente explicadas, nos resta a derradeira pergunta: se a liberdade moral é a principal culpada pela existência do mal, por que então Deus permitiu que o homem e os anjos tivessem essa liberdade? E a resposta mais sincera que podemos dar é: por que ele não daria?
Segundo Santo Tomás de Aquino, Deus só permite que o mal exista porque dele é possível tirar um bem muito maior. Ou seja, o mal existe porque nos ensina que, no final das contas, tudo está sob o controle de um Deus soberano e que governa o universo com sua divina providência.
Você pode se perguntar: Deus não poderia ter feito diferente? E te respondo que acredito que ele poderia, sim, ter criado um mundo no qual o mal não existiria e tudo seria perfeito, mas por algum motivo que apenas ele sabe, ele não criou nenhum universo possível no qual não exista o mal, mas criou o nosso, onde o mal existe. Por isso, só me resta acreditar que todo esse mal existe porque um dia resultará em um bem muito maior.
Por que Deus permitiu que seus pais se separassem, que seu amigo morresse? Eu não sei… Por que Deus permitiu que você tivesse alguma doença terrível, sem cura? Eu não sei… Por que Deus permitiu o holocausto? Eu não sei… O que sei é que tudo isso não foi e nem está sendo em vão, e que o Deus revelado nas Sagradas Escrituras não falha. A forma como ele dirige a história com sua providência não cabe a mim julgar. Mas ele nunca nos proibiu de fazer perguntas e creio que se abrir de forma sincera com Deus é o remédio para todas as dores.
Não pretendo terminar esse texto com palavras bonitas e nem com uma conclusão filosófica e teológica que fará o seu nariz sangrar de tão complexa. Quero é finalizar esse texto da forma como todas as nossas dúvidas deveriam começar e terminar: diante de Deus.
O Salmo 88, a meu ver, é o melhor exemplo disso, pois é o único Salmo que começa diante de Deus, o louvando, e termina de uma forma que hoje poderíamos caracterizar como depressiva. Esse é o único salmo que não termina apresentando uma esperança, mas o salmista apresenta a esperança no começo e em nenhum momento a abandona.
O problema do mal será um problema até o dia da volta do Nosso Senhor Jesus Cristo. Até esse dia, vivamos em amor, com esperança e sustentados pela fé na graça abundante de Deus, em nome de Jesus, amém.
Salmo 88
- Ó Senhor, Deus de minha salvação, clamo a ti de dia, venho a ti de noite.
- Agora, ouve minha oração; escuta meu clamor.
- Pois minha vida está cheia de problemas, e a morte se aproxima.
- Fui considerado morto, alguém que já não tem forças.
- Deixaram-me entre os mortos, estendido como um cadáver no túmulo. Caí no esquecimento e estou separado do teu cuidado.
- Tu me lançaste na cova mais funda, nas profundezas mais escuras.
- Tua ira pesa sobre mim; uma após a outra, tuas ondas me encobrem. Interlúdio
- Afastaste de mim os meus amigos e para eles me tornaste repulsivo; estou preso numa armadilha, e não há como escapar.
- As lágrimas de aflição me cegaram os olhos; todos os dias, clamo por ti, Senhor, e a ti levanto as mãos.
- Será que tuas maravilhas têm algum uso para os mortos? Acaso os mortos se levantam e te louvam? Interlúdio
- Podem os que estão no túmulo anunciar teu amor? Podem proclamar tua fidelidade no lugar de destruição?
- Acaso as trevas falam de tuas maravilhas? Pode alguém na terra do esquecimento contar de tua justiça?
- A ti, Senhor, eu clamo; dia após dia, continuarei a suplicar.
- Ó Senhor, por que me rejeitas? Por que escondes de mim o rosto?
- Desde a juventude estive doente e à beira da morte; teus terrores me deixaram indefeso e desesperado.
- Sim, tua ira intensa me esmagou, teus terrores acabaram comigo.
- O dia todo, agitam-se ao meu redor como uma inundação e me encobrem por completo.
- Tiraste de mim meus companheiros e pessoas queridas; a escuridão é a minha amiga mais chegada.
- Maurício Avoletta Junior, 23 anos. Congrega na Igreja Batista Fonte de Sicar (SP). Formado em Teologia pela Mackenzie, estudante de filosofia e literatura (por conta própria); apaixonado por livros, cinema e música; escravo de Cristo, um pessimista em potencial e um futuro “seja o que Deus quiser”.
Cristina Casagrande
Acabei de ler: toda coincidência vem de Deus.
É incrível como esse salmo se encaixa comigo.
Agora eu até fiquei feliz de estar triste! Hahaha
Sobre a questão da liberdade, acho que sem ela não amaríamos.
Parabéns, Maumau, continue trabalhando nessas questões. E obrigada.
Roberto T. Helou
Bom dia a todos. Há um livro cujo título me chamou a atenção: “Deus não é justo”. Desafiador esta afirmação do autor. O livro trata de pessoas cristãs que viveram grandes perdas (morte, doenças, etc.). Semelhante a Jó, por que Deus fez isso, permitiu aquilo… Ao final da cada história, fica a experiência da compreensão da soberania e do amor de Deus em nossas vidas. É apenas uma resignação? Não! Cada um teve a sua experiência em compreender, reencontrar seu equilíbrio emocional e espiritual, e conduzir a sua vida debaixo das asas de Deus. Ab a todos. Pr. Roberto Helou
Graça Castelo Branco Ribeiro
A colocação do tema pelo autor é inteligente, sábia e esclarecedora, de um problema a cerca do sofrimento, o interessante é que o mesmo sendo muito jovem, pensa de forma coerente acerca de um assunto tão controverso. Deus é Soberano e reina para sempre. Parabéns!