Foto: Natália Martinez

Eu não tava muito na pilha de ir pro Vocare, essa é que é a real. Ainda mais depois que dei uma olhada no site e vi que o início da programação era seis da manhã. Seis da manhã, cara! Acordar cinco e tal em pleno feriadão? Aí é tenso, né. E outra: a última atividade do dia rolava até duas da madruga. Como assim, mano? Quatro horas pra dormir, é isso mesmo? Na boa, zero disposição pra isso. Se ainda fosse uma parada mais agitada, sei lá, a gente acaba empolgando e beleza, mas eu já fui num monte desses lances que a igreja faz pra jovem, e tipo… é legal e tudo, mas é quase sempre a mesma coisa, saca?

Mas, assim, o grande lance é que eu sinto sim essa coisa do tal “chamado missionário”. Já fiz de tudo pra tentar descobrir qual é a dessa parada. Fui a um milhão de convenções, de “semanas missionárias” e blá blá blá, por isso eu já tinha praticamente decorado tudo o que rola nesses eventos: bota lá uns missionários pra falar dos perrengues que passam no campo, de alguma coisa que construíram, todo mundo se emociona, canta, ora… tudo muito lindo e tal, só que depois ia geral embora e lá ficava eu na mesma de antes: perdidaço, nem ideia pra onde ir. Sinceridade? Não tava a fim de passar por isso de novo não, velho. Muito frustrante. Tava numa de esperar Deus me dar um sinal ou sei lá.

Só que assim, meu brother lá da igreja ficou botando mó pilha, falando que ele já tinha ido no Vocare ano passado, que foi massa, que isso, que aquilo… vinha toda hora comentar alguma coisa (tava até meio chato já). Eu falei mil vezes pra ele que eu tava de boa, que eu já tinha ido em outros encontros, acampamentos e coisas do tipo e que já sabia qual era. Mas ele parecia um papagaio repetindo que o Vocare era diferente e que eu tinha que ir, já que eu vivia falando pra ele desse meu tal chamado, falando que queria um sinal de Deus, que meu coração tava em missões e que eu precisava de uma direção. E agora que apareceu uma oportunidade eu tava de má vontade e que isso, que aquilo, que aquilo outro… até que eu falei pra ele quase gritando: Jesus do céu, mano! Eu vou, beleza?

Daí que chegou o dia e a gente partiu. Eu, esse meu brother e mais umas dez cabeças lá da igreja. Eles numa expectativa só e eu ainda chatão, fazendo o ranzinza, naquela de “pra que que eu vim?”. Mas, de qualquer forma, é sempre legal estar com os amigos e pelo menos a gente ia passar o final de semana junto, né? Então foi meter o pé na estrada pra uma viagem compridinha, ‘se pá’ umas oito horas.

Quando a gente chegou, tava todo mundo morto, mas amarradão. Até meu humor tinha melhorado, por incrível que pareça. E de cara, assim logo na entrada mesmo, tinha uma espécie de púlpito com uma menina lendo a Bíblia e alguém me falou que a ideia era ter sempre alguém ali lendo, acompanhando a sequência. “Bem legal”, pensei na hora. Senti um clima diferente ali, uma coisa mais acolhedora mesmo, um “bem-vindo” fora daquele padrão quadradinho de sempre.

Aí foi aquilo de se acomodar, dar nome lá pra pegar o kit de participante e tal. Foi tranquilo porque a galera da organização deu um suporte dez pra desenrolar tudo. Depois foi só dar um tempo por ali vendo o movimento e esperando a programação começar oficialmente.

“Percebi que eu não estava sozinho nessa de sentir que tenho um chamado e ao mesmo tempo sem saber por onde começar”.

Quando o povo todo começou a ir pro ginásio pra abertura é que me liguei em quanta gente tinha, cara. Mais de mil, fácil. Na mesma hora me veio uma coisa estranha, mas boa… uma sensação de que eu não tava sozinho nessa de sentir que tenho um chamado e ao mesmo tempo sem saber por onde começar, entende? Senti que a vibe da galera era essa, que tava geral aqui com essa mesma boa-vontade pra zarpar que eu sempre tive, mas também com aquela interrogação gigante na cabeça que ficava martelando “beleza, mas como?”

Na hora que abriram o portão pra gente entrar, cara… quase chorei, sério. Se ainda tinha qualquer sobra de mau-humor em mim (e não tinha mais), aquela sonzeira eletrônica que tava rolando rolou por cima dessa sobra também e esmagou tudo. Uma energia muito forte, muito boa, mano… telão, galera gritando, rindo, dançando… mas um clima completamente diferente dessas baladas perdidonas aí noite afora, cheias de gente doida. Eu nem tinha escolhido um lugar direito ainda e quando olho pro palco tem um maluco lá e uma garota dançando tipo muito, destruindo mesmo, e aí entra outra, e mais outra dando um show. Fiquei de cara, me senti flutuando, serinho.

Durante a tarde, ali dentro, rolou louvor e oração e os primeiros que foram convidados pra falar para os participantes. Vou confessar que muitas vezes me dá preguiça quando é a hora de ouvir alguém falando, mas o formato que deram pra apresentação aqui foi muito tranquilo, cada um falou uns vinte minutos, se tanto. Acabou que no final eu queria era ter ouvido mais, porque os oradores lá falaram coisas muito práticas, saca? Muito pé no chão mesmo. A menina lá do Bliive (dá uma olhada no site), Lorrana Scarpioni, falou uma coisa que bateu forte em mim: “Deus me ama como eu sou e não como eu deveria ser.” O cara que veio em seguida, Rafael Diedrich, falou outra parada que casou com essa aí: “que ideia louca você deixou de colocar em prática porque achou que era só uma ideia louca?” Fiquei até meio tonto, na boa. Totalmente eu isso aí. Eu que já tava completamente rendido, disse pra Deus: “tá bom, Deus. Fala comigo que eu tô pronto pra ouvir.” Parece piada, mas o momento seguinte da programação era exatamente isso: ouvir de Deus. Em silêncio.

Veio a noite, aquele jantar pra dar uma reforçada e depois o auditório de novo. Agora eu já tava até ansioso pra ouvir outras pessoas falando, curti muito o esquema de palestras curtas porque além de irem direto ao ponto, os palestrantes ficam super disponíveis depois pra falar com todo mundo, tirar dúvida e tal. É essa proximidade com quem sabe do que tá falando que faz toda a diferença.

Mano, e hoje foi só primeiro dia, cara. E eu já tou achando que a tal estrada de oito horas que a gente venceu tá muito longe das estradas que eu ainda vou percorrer graças à isto aqui.

Ainda bem.

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Crônica de Renato Alt, ator e publicitário.

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