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Por Daniel Theodoro

Foi no despretensioso jardim da casa de minha avó onde descobri o valor da ressurreição. É claro que, como criança nascida em berço cristão reformado, já tinha tido contato com a abstrata palavra na Escola Bíblica Dominical e, em especial, durante a celebração da Páscoa. Sabia que estava tudo bem documentado na Bíblia e bem representado nas cantatas. Porém, foi naquele jardim rosado, cravado de hortelãs e violetas, onde o substantivo tornou-se verbo e habitou em minha mente.

Na minha perspectiva pueril, a casa da vó Dora era a materialização da alegria. Afinal, as férias de dezembro se passavam lá. Tinha cômodos grandes, um quintal lateral espaçoso perfeito para partidas de futebol, sem contar a piscina no fundo, único ambiente capaz de trazer algum refrigério ao corpo em plena quente Bauru, no interior de São Paulo. Tinha ainda uma sauna que fora transformada em depósito, em função da baixa demanda por quererem transpirar entre quatro paredes já que, a céu aberto, o Sol provocava um suadouro danado na gente.

Tinha ainda um feliz desarranjo familiar naquele lar: minha vó se mudara para aquela casa ao se casar pela segunda vez, depois de passar anos viúva. A cerimônia de casamento foi na própria residência, uma festa com direito a comida, bebida, muita gente e até fogos de artifício. Nesse dia, meus pais me explicaram que aconteceu um milagre: após um simples sim, eu ganhei um avô, muitos primos e tios. Assim, minha conclusão era que se tratava de uma casa incrível, com capacidade de multiplicar vida e alegria.

Um dia, durante uma das minhas incursões no jardim da casa, apareceu um passarinho. Não era um bicho esperto, aproximei e ele nem para sair voando. Deixasse, ficava o dia todo lá, acabrunhado. Imaginei que pudesse estar doente. Olhei para cima – “talvez tenha caído da árvore” -, só muitas folhas verdes, nenhum ninho. Corri para dentro da casa e peguei uma caixa de sapato para abrigar o passarinho. Alimentei a rolinha por algum tempo – minhoca, quirera e alpiste. Contudo, um dia ela amanheceu morta.

Achei por bem enterrá-la ali mesmo no jardim, sem grande cerimônia. À época, encontrava-me no fim da infância e início da adolescência. Em outras palavras: já sabia um pouco a respeito de morte e despedida, mesmo que esses conceitos estivessem ligados, essencialmente, a antigos pets.

Aconteceu que, outro dia, beliscado pela curiosidade, dei para desenterrar o bicho. Peguei uma colher e a coragem, e fui para o jardim. Na primeira tentativa, errei a pequena cova. Na segunda, devo ter chegado próximo da diminuta fenda. Na terceira, lamentei o fato de não ter colocado uma cruz para identificar o local exato da vala. Segui nesse cavucar por um bom tempo. Parei antes de minha vó reclamar da buraqueira. No final, nada da matéria aparecer. Resignado, aceitei conviver com a dúvida e imaginei que, por ter passado seus últimos dias naquela casa cheia de vida, a rolinha teria ressuscitado, voltou a bater asas e voou. “Que nada! Gato é bicho esperto, desenterra tudo”, disse algum adulto, não lembro quem.

Explicação besta. Para mim, aquilo só podia ser a tal da ressurreição. Coisa que acontece quase nunca, mas a gente precisa crer sempre, sem dar ouvidos à difamação. Afinal de contas, onde transborda vida, morte é coisa rasa, só uma insípida distração para nossos olhos aqui na Terra.

• Daniel Theodoro, 32 anos. Cristão “em reforma” e membro nascido na Igreja Presbiteriana Maranata de Santo André (SP). Casado com a Fernanda. Formado em Jornalismo e estudante de Letras.

Pintura: Garden of the Empty Tomb/ Linda Curley Christensen

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