ENTREVISTA COMPLETA* COM ALFONSO TSCHANG CHANG SOBRE O PROJETO “FESTA NA RUA” CONTRA A EXPLORAÇÃO SEXUAL

ult_361_altos_papos_2Alfonso Tschang  Chang tem 29 anos e faz parte do projeto Festa na Rua, que acontece em São Paulo, SP. O movimento surgiu no México e é uma celebração que interrompe a exploração sexual durante algumas horas nas áreas de prostituição. O objetivo é compartilhar o amor incondicional de Cristo a todos os envolvidos (garotas e garotos de programa, clientes e cafetões) e apresentá-los ao Pai que ainda não conhecem.

 

Quantas pessoas fazem parte da equipe do Festa na Rua?

Em média, temos 25 pessoas envolvidas. Sempre recebemos pessoas novas. Não temos um número fixo de pessoas, mas temos uma equipe de cinco a dez pessoas que organiza e lidera o movimento.

 

Como a equipe se prepara para esse impacto?

Temos uma reunião de oração toda primeira terça-feira do mês e no dia do Festa na Rua – todo segundo sábado do mês –, reunimo-nos para orar e passar algumas instruções.

 

Como vocês abordam as pessoas ligadas à prostituição?

Temos alguns cuidados: Não fazer certos tipos de perguntas, olhar sempre nos olhos das mulheres, estarmos num grupo de duas ou três pessoas, conversar e criar relacionamentos.

 

Que tipo de estrutura vocês usam? De onde vêm os recursos para isso?

Não temos muita estrutura. Tudo vem da boa vontade dos voluntários. Alguns trazem comida, outros entregam uma oferta para os custos das festas, além daqueles que fazem presentinhos para serem dados às mulheres. As igrejas nos cedem o lugar de reunião, devocionais para entregarmos nas ruas e, às vezes, o lanche.

 

ult_361_altos_papos_1A reação do público ao evento é sempre positiva?

A reação nem sempre é positiva. Existem bêbados, drogados, cafetões e clientes que tentam atrapalhar, mas Deus nos tem dado pessoas com sabedoria para lidar com isso.

 

Interromper a exploração por algumas horas é o suficiente?

Não é suficiente. Precisamos do apoio da igreja local e de organizações que possam dar continuidade ao trabalho prestando ajuda médica, psicológica, espiritual e ajudando a encontrar trabalho para os envolvidos.

 

Como evitar que o esforço de vocês não termine logo após a festa?

A oração é o mais importante de tudo, pois acreditamos que apenas Deus pode acabar com a exploração sexual. Além disso, existem voluntários que discipulam e acompanham algumas meninas que querem sair da prostituição. Buscamos fazer parcerias com missões e organizações que trabalham com o tema, E procuramos trazer essa realidade para as igrejas para serem resposta a esse problema.

 

Como têm sido os feedbacks de quem participa?

Após o Festa na Rua, nos reunimos e temos um tempo para compartilhar como foi a noite.

 

O que você acha que muda após o Festa na Rua?

A visão sobre a prostituição. Faz-nos perceber que as meninas não estão lá porque querem e que não é uma vida fácil. Gera em nós um grande desconforto como igreja e faz pensar: O que estamos fazendo? Estamos preparados para recebê-las em nossos templos, principalmente, as travestis? A resposta é, infelizmente, não.

 

Qual a maior dificuldade na abordagem com as pessoas que estão na prostituição?

As pessoas em prostituição possuem feridas profundas, traumas, histórico de abusos, de dependência química, uma visão deturpada de quem elas são. É essencial criar um relacionamento com essas meninas, ganhar sua confiança e conhecer sua vida. E muitas vezes, a igreja não está disposta a pagar esse preço. Queremos um evangelismo express e de número. Acompanhar essas meninas, no entanto, exige paciência, dinheiro, sacrifício e tempo, meses e anos.

 

Como vocês apoiam quem quer abandonar a prostituição?

Se a pessoa quer abandonar a prostituição, os próprios voluntários fazem o primeiro acompanhamento. Levam-na para a igreja, marcam conversas, visitam sua casa. Não há um processo delineado, pois cada vida tem sua história. É necessário ouvir primeiro para depois agir. Estamos tecendo uma rede de organizações e pessoas para que haja uma casa de acolhimento, discipulado e ajuda para encontrar emprego.

 

A partir da apresentação do projeto que você fez no Vocare, a visibilidade gerou mais engajamento de possíveis voluntários querendo conhecer e participar do projeto?

Depois do Vocare, tivemos mais de cem voluntários no Festa na Rua, mas temos que esperar para ver quantos continuarão vindo. Pois um dos problemas é a rotatividade dos voluntários, uma vez que o objetivo é construir relacionamento com as meninas. Um dia, por exemplo, uma delas reclamou que todo mês falava a sua história para uma pessoa diferente.

 

Compartilhe alguma história ou testemunho marcante que tenha acontecido durante a realização do Festa na Rua.

Conhecemos uma mulher que participou de várias edições do Festa na Rua e conseguimos desenvolver um relacionamento. No dia do seu aniversário, demos a ela uma Bíblia de presente. Quando recebeu, ela fez o compromisso de não mais se prostituir. Agora está um ano sem se prostituir. Deus foi provendo as coisas na vida dela, independentemente da gente. Estamos acompanhando a moça, que há pouco tempo começou a vender gelinho.

 

Quais são as expectativas quanto ao projeto? Como você o vê daqui a cinco, dez anos?

Daqui a cinco anos, espero que não aconteça mais o Festa na Rua, pois, se não tem o Festa na Rua, quer dizer que não há mais exploração sexual naquela região. As expectativas são: que outros pontos do Brasil possam ter o Festa na Rua – já temos no Amapá e em Campinas, SP; que as igrejas voltem os olhos para essas mulheres e homens em exploração sexual; que a igreja seja UMA, com uma rede de pessoas que possam ajudar em todo o processo de recuperação (física, espiritual, social, com trabalho); que a igreja seja resposta para essa injustiça.

* A versão resumida desta entrevista foi publicada na seção Altos Papos, da revista Ultimato 361 (julho-agosto/2016).

 

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