Ult_Jovem_22_02_16_deuséloucoPor Levi Agreste

Deus escolheu o que para o mundo é loucura para envergonhar os sábios, e escolheu o que para o mundo é fraqueza para envergonhar o que é forte. Ele escolheu o que para o mundo é insignificante, desprezado e o que nada é, para reduzir a nada o que é, a fim de que ninguém se vanglorie diante dele” (1 Coríntios 1.27-29)

Deus é louco. Dentre todas as linhas narrativas possíveis para a história que está compondo, ele se decidiu pela mais inconsistente e improvável. Logo de início, lançou-se em um projeto louco, compondo cada estrutura, fibra e coluna do mundo com a própria palavra, culminando num ser à sua imagem e semelhança – sim! O Criador inspirou-se em si mesmo para tecer a mais gloriosa de suas criaturas. Após se ver traído por tal espécime, sofrendo a mais desprezível das ofensas, trazendo o caos a toda criação meticulosamente planejada, permitiu-a ainda que vivesse – louco! Como se não bastasse, lançou-se em mais um louco empreendimento: o resgate dos vilões.

O Criador ainda se aprofundou em sua loucura ao escolher um casal idoso e estéril como pais de um povo que seria chamado de seu. Através de uma linhagem de idólatras, adúlteros, enganadores e assassinos, construiu sua multidão, seu povo, a menina de seus olhos. Não se tratava do povo mais numeroso, justo, bondoso ou organizado – era, inclusive, murmurador, arrogante, utilitarista e infiel – mas ele deu sua palavra de que zelaria por eles. Quando se recusaram a serem governados pelo próprio Deus, deu-lhes um rei. Quando este rei se tornou orgulhoso, deu-lhes um outro: um menino rejeitado pela própria família, um adúltero e assassino – este era o seu amado.

Quando veio a hora, o próprio Deus, em mais um de seus ataques de loucura, se despiu de sua glória, encolheu-se, dobrou-se, humilhou-se até a forma humana e entrou no mundo. Além do mais, pelo ventre de uma virgem! O Criador se fez criatura limitada, o autor da palavra precisou aprender a falar, o arquiteto do mundo por um breve tempo não sabia andar. Louco, louco! Imaginam alguns: pelo menos fez de sua vinda um espetáculo digno de Super Bowl, um festival de chamas e cantorias. Não! Nem isso… planejou nascer em uma manjedoura, no prato de comida de animais, no canto esquecido de uma hospedaria – pois o criador do universo não tinha lugar para nascer. Em vez de convidar as pessoas mais respeitadas da época, imperadores e reis, para testemunhar do nascimento do Rei dos reis, chamou forasteiros e marginalizados.

Antes de iniciar seu trabalho, pediu para que fosse batizado. O próprio Deus deixou-se batizar por uma de suas criaturas, deixou-se abençoar por ela. Quando selecionou seus seguidores mais próximos, fez uma verdadeira compilação cubista, com pescadores, um coletor de impostos – traidor de seu país –, um fundamentalista – oponente ferrenho dos traidores de seu país – e ainda aquele que lhe iria trair. Quando todos desejavam que assumisse seu posto como rei das nações, vestiu por opção própria uma coroa de espinhos, deixando-se morrer numa cruz – o símbolo dos envergonhados. O autor da vida morreu… a natureza tremeu e chorou… louco, se entregou no lugar de ladrões, egoístas, orgulhosos, hedonistas, toda sorte de gente. Mas seus dias de morto estavam contados – e eram três. Ressuscitou e apareceu a centenas de seus seguidores, que passaram a espalhar loucas notícias: ele está vivo!

Ainda não satisfeito em sua loucura, escolheu como principal encarregado dessa notícia seu pior inimigo, seu oponente mais feroz, o perseguidor dos que o amavam. Deste animal, fez com que a bela notícia se espalhasse por todas as terras e por terras todas. E após milênios, ela ainda é propagada por diversas vozes. Muitos tentaram calá-las, mas as vozes da loucura prevaleceram. Loucos, falam de amor enquanto são açoitados; falam de vida em face da morte; falam de esperança em meio a naufrágios. Loucos, crias de um grande louco.

Mas onde o mundo vê loucura… vemos amor e graça.

Levi Agreste, 24 anos, graduado em Letras pela Unicamp, leciona em três escolas da região metropolitana de Campinas, faz parte da coordenação da ONG Soprar e escreve no blog umanovaviagem.

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