UltJovem_18_01_16_Ultron

Por Ronan Pedrosa

A construção de um personagem é um processo complexo. Atribuir caráter a alguém fictício exige uma delicada observação ao contexto do roteiro e muita perspicácia. Partindo do pressuposto que todos nós somos o que lemos, vemos e ouvimos, a elaboração de uma personalidade em uma obra necessita de referências literárias. Ainda mais quando se trata de uma adaptação cinematográfica da mesma, da qual pretendo explanar neste texto.

Ultron foi criado em 1968, numa tentativa de Henry Pyn, o Homem-Formiga, desenvolver robôs que auxiliassem o combate aos vilões. O sistema de inteligência artificial independente fez com que Ultron se rebelasse e agisse por conta própria. No cinema, excepcionalmente, Ultron foi criado por Stark.

Assim como em geral, a adaptação de Ultron em “Vingadores 2” também possui referências notáveis. Enquanto o vilão canta a música de Pinóquio, percebemos a menção do boneco que quer se tornar menino, ou do robô que quer ser um humanoide aprimorado. Mas, a relação mais evidente é aquela pela qual o texto leva o nome.

É interessante notar que, um ser que adquiriu todo o conhecimento da história da humanidade, também adquiriu o conhecimento Bíblico; e que tal ciência foi tão relevante para ele a ponto de ser mencionada várias vezes em seus discursos. Ao contrário de muitos pensadores atuais, Ultron considerou as Escrituras, apesar de suas interpretações equivocadas, um conhecimento válido. Outras pessoas podem ver essas ligações como uma crítica ao radicalismo religioso, o que também é uma interpretação correta, afinal, trechos da Bíblia foram usados pela criatura que queria trazer o extermínio. E direta ou indiretamente (digo isso por desconhecimento das intenções dos roteiristas), Ultron foi uma releitura robótica do que conhecemos como o inimigo de Deus, ou enfaticamente dizendo: Lúcifer.

Acompanhe: um ser foi criado para ser instrumento de paz, auxiliando seu criador em seus propósitos. Era completo e perfeito aos olhos de seu autor e tinha um incrível potencial para o bem. Mas, em um determinado momento, se opôs à sua condição por julgar suas intenções maiores do que as de seu idealizador. Seu objetivo era que todos “olhassem para o céu e vissem uma coisa linda*”, mas seus meios eram totalmente abomináveis e devastadores. Após ter deixado seu local de origem, aqueles que consentiam com seu propósito** se uniram a ele. O que havia em sua mente não era nenhum desejo a não ser o da destruição.

A sorte é que, tanto na ficção quanto na realidade, um outro ser gerado pelo criador foi enviado para livrar a humanidade da opressão dessa figura maligna. E muito além de seguir sua “programação”, esse outro ser venceu a batalha porque era digno (Ap 5.12). Sua presença nos deu uma nova visão de vida, e nos trouxe a completa revelação do EU SOU.

Desta forma, após analisar os aspectos para compor o personagem em questão, é legal perceber que a literatura bíblica tem uma posição de destaque dentro da cultura pop, mesmo que de forma equivocada. Isso não só potencializa nossa percepção cristã, mas também nos abre portas para inícios de conversas ou debates para explicar melhor a palavra de Deus e a mensagem da cruz.

*Frase dita por Ultron, no filme.

**Lúcifer teve como aliados uma parte dos anjos do céu e Ultron teve os irmãos Mercúrio e Feiticeira Escarlate.

 

  • Ronan Pedrosa tem 22 anos, é graduando em engenharia florestal pela Universidade Federal de Viçosa e moderador do blog Gospel e Nerd.

 

Nota:
Texto publicado originalmente no blog Gospel e Nerd.

  1. Muito interessante o texto! E vale lembrar que há certa tendência bíblica desde o primeiro longa dos Vingadores. Além da cena em que o Capitão América solta uma das melhores (e mais politicamente incorretas) frases do cinema atual “Só existe um Deus, e tenho certeza que Ele não se veste assim”, há a sequência em que o vilão Loki manda um grupo de pessoas se ajoelharem perante ele, uma vez que esse era o destino da humanidade, “Vocês foram feitos pra ser governados. No fim vocês sempre se ajoelharão”, ele diz. Ao que um idoso na multidão responde “Não pra homens como você”.
    É interessante que o idoso, representando aqui a liberdade humana, não protesta quanto ao fato de que a humanidade se ajoelhará, mas sim diante de quem ela fará isso. Talvez não tenha sido intencional da parte dos roteiristas, mas de qualquer forma se encaixa muito bem com o “todo joelho se dobrará” bíblico. E após essa análise “teológica” do Ultron, não deixo de pensar que talvez não seja mera coincidência.
    Parabéns pelo texto, é sempre bom analisar mais profundamente o conteúdo dos filmes e do entretenimento em geral.

  2. Muito, muito interessante.
    Quando assisti ao filme pela primeira vez, prestei mais atenção no final, é claro, mas a frase dita Eu Sou me tirou do chão. Foi bem interessante ver esse tipo de interpretação dentro de um filme desse porte. Embora seja uma crítica, tem muito o que pensar sobre isso.

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