Banho de caneca e o comodismo das situações
Por Déborah Vieira
Algum tempo atrás ouvi o seguinte diálogo sobre uma república onde há uma semana as meninas tomavam banho de caneca:
-Mas por que você não troca a resistência do chuveiro?
-Porque onde moramos estamos entre quatro mulheres e um homem, e ele está viajando.
Entre essas mulheres, três delas faziam cursos bem funcionais, mais conhecidos como “engenharia de alguma coisa”, o perfil dos alunos de engenharia costuma ser bem prático, é fácil encontrar por lá pessoas que já tenham feito curso técnico e montar um circuito básico, como o de um chuveiro, também costuma aparecer pelas primeiras disciplinas do curso.
Dia desses me caiu à mão um blog sobre uma moça brasileira que se casava com um norte-americano e ia morar lá com ele. Nele ela contava sobre a cultura latinoamericana e de seus colonizadores. Segundo ela, via de regra, portugueses e espanhóis vivem na casa dos pais até que se casam (mas parece que não é algo limitado aos portugueses e espanhóis) – e a idade em que os jovens se casam está subindo gradativamente. A mãe cuida da casa, da comida e da roupa lavada. O pai é o provedor. Os homens não sabem cozinhar, não sabem limpar o banheiro e muito menos separar a cor das roupas antes de lavar. Mulheres que não sabem cozinhar são taxadas como não tendo prestígio algum. Não são prendadas. Por outro lado, os norte-americanos saíam de casa por volta dos 18 anos e aprendiam a se virar sozinhos. Ela também notou que como eles se alimentam à base de fast-food também não costumavam cobrar das mulheres que elas fossem “prendadas”. Não estou dizendo que este problema não exista, mas que provavelmente ele tenha seguido outro caminho.
Nas nossas casas latino-americanas é muito mais comum que as meninas cresçam ajudando nas atividades domésticas, no almoço e ainda lavando a louça depois, enquanto os meninos acordam tarde e jogam vídeo-game. Se ele não gosta da mistura do almoço, a mãe deixa a sua comida esfriando e vai fritar um ovo pra ele.
Uma divisão de papéis foi feita antes que nós estivéssemos no dedão do pé dos nossos avós. Muito me admira essa pseudo-integralidade que permite que as tarefas sejam feitas e legitimadas de forma coletiva nos trabalhos, comunidades, grupos de pesquisa no colégio e universidade, no estado, mas no nosso lar e em outras relações interpessoais não.
Outro ponto que me estalou foi o comodismo. É muito mais cômodo esperar que o outro faça e o não-feminismo vira uma desculpa para o próprio comodismo. Para não aprender a cozinhar, para não arrumar a cama, para não trocar a resistência do chuveiro, para não limpar a caixa de gordura da pia, para não se sentir responsável pelo sustento de uma casa, mas apenas se comprometer em complementar o sustento, para não trocar as fraldas sujas de um bebê, para não pagar a conta do restaurante, e para “nosso filho é assim por sua culpa”. Sem dúvida o trabalho em equipe é mais árduo do que aquela jogada em que o artilheiro pega a bola, sai correndo, rompe a zaga, faz o gol e as contas estão pagas e as crianças dormindo antes das 22 horas. É mais fácil mandar e obedecer. É mais fácil na divisão de papéis achar o culpado de algo.
Você pode dizer agora “Ah, mas a Europa tem outra condição financeira, e vivem algo diferente de nós”. Sim, outro fator que pode perpassar pela questão cultural é exatamente esse: o momento financeiro do país e da família. Este artigo aponta o crescente número de jovens do sul europeu que continuam vivendo com os pais devido à crise. Claro que a Europa, assim como a América Latina e até mesmo o Brasil, é bem diversificado. Este outro artigo faz o mesmo comparativo, mas acrescenta um ponto interessante em relação aos Estados Unidos, onde o problema financeiro não aponta a casa dos pais como a única alternativa, mas que eles costumam optar por dividir despesa com amigos, por exemplo. No Brasil os jovens de 24 a 34 anos que não saíram da casa dos pais cresceu de 20,5% para 24,3% entre os anos de 2002 e 2012, sendo que destes, 60% são homens (mais dados aqui). Ainda assim temos que levar em conta que há um salto bem grande entre viver com os pais em épocas de crise (ou não) e ter uma postura sustentada a privilégios – as exceções que se retirem. Não devia haver um ponto de partida da maturidade no casamento ou o emprego, mas sim que fosse algo crescente na vida das crianças, adolescentes e jovens.
No fim das contas, quem arrumou o chuveiro foi a “menina das humanas”. Muito maior do que um temor de desestabilização dos lares cristãos – visto que países como os Estados Unidos, países do norte-europeu são ou possuem países considerados cristãos – está o comodismo das situações, está o “deixa como está que é mais fácil” e até mesmo que o que se busca é um prolongamento como filhos na vida adulta de casal. Deixando como está é muito mais fácil achar um culpado pelas mazelas que acontecem do que culpar toda a equipe. Foi Eva que comeu a maçã.
• Déborah Vieira faz o curso de Letras na Universidade Federal de Pelotas (RS) e é secretária de literatura da região sul da Aliança Bíblica Universitária (ABU). Escreve no blog Eu Matuto.
Rod
Conselho que sempre dou para amigos que começam a pensar em casamento e que ainda moram com os pais. Seja totalmente responsável por si mesmo por pelo menos 6 meses, morando só ou até com amigos.
Terezinha vieira Pinto
Parabéns minha filha,que Deus te abençoe !Posso dizer que muitas famílias serão abençoadas e despertados pra uma nova postura ,quanto a quem serão atribuídas as responsabilidades. (foi Eva quem comeu a maçã).
LAIS GERVASIO BATISTA
Débora, acho que você tocou num ponto bem importante, o comodismo! Essa divisão de tarefas que nem sempre é justa, mas é algo estabelecido desde o berço: meninas trabalham todos os dias lavando a louça, cozinhando. Meninos lavam os carros aos fins de semana.
Mulheres não podem trabalhar até tarde, pq precisam cuidar dos filhos. Homens podem se dedicar mais ao emprego e chegar depois das crianças dormirem.
E nenhum dos dois quer aprender a outra tarefa. Quer se responsabilizar. O que é uma pena. Eu já tive que arrumar alguns chuveiros na vida! Se não fosse isso, ia pagar os olhos da cara por um eletricista trocar uma resistência =p
Ana Carla
Quem tiver maior interesse pelo assunto deixo alguns links:
http://revistacrescer.globo.com/Criancas/Comportamento/noticia/2014/06/como-divisao-de-tarefas-em-casa-influencia-o-futuro-do-seu-filho.html – interessante também conferir o vídeo ao final, o que me leva a trazer outros links aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=XjJQBjWYDTs – o que é ser/fazer “como uma garota”?
o que me leva a este vídeo da TED em que uma engenheira explica como foi o processo de se tornar uma mulher sendo engenheira e criar toda uma linha de brinquedos de cunho de engenharia, mas voltado para as meninas:
http://tedxtalks.ted.com/video/Inspiring-the-next-generation-2
E aqui um dos vídeos da linha de brinquedos criada por ela, uma espécie de comercial:
https://www.youtube.com/watch?v=ArNAB9GFDog
ps: não. Demora-se e muito par aprender um circuito básico de um chuveiro. E isso na teoria. A prática é ainda mais demorada na faculdade de engenharia.
Fora que as mulheres- mesmo estando na engenharia- sofrem de certa insegurança de fazerem algo sem a supervisão de um “homem que entende” (por mais que outras sejam “destemidas” e seguras. E isso é ótimo). Não justificando, mas explicando um pouco mais da realidade interna. O vídeo ao final do primeiro link explica como se dá essa insegurança. Não é porque elas estão na engenharia que elas foram encorajadas para escolher aquilo, normalmente, muito pelo contrário.
Aline
Você nos propôs uma bela e necessária reflexão.
Leandra
Preguiça do estilo que dá um que de sofrimento pra quem mora fora, longe dos pais etc zzzzzzzzz