Por Doroth de Assis

Uma menina. Por pouco tempo. Rebeca, vestida em suas melhores roupas, desmontava o melhor camelo de seu pai, após uma longa viagem seguindo a um homem que conhecera há apenas algumas horas. Um sorriso brinca em seus lábios quando se lembra de tudo o que aconteceu nas últimas 24 horas. Era um dia comum. Ela tirava água do poço, como sempre fazia. Um homem estranho, talvez estrangeiro, pediu que lhe desse de beber.

Rebeca serviu-o prontamente. Imaginou se seus animais também não estariam sedentos, e serviu-os também. Os olhos do homem brilharam. Se ela soubesse ler pensamentos, saberia que aquele brilho traduzia a ternura de alguém que tem as suas orações respondidas. Mais tarde, esse homem desconhecido que presenteara Rebeca com jóias seria um hóspede em sua casa. Conversaria com seu pai e irmão enquanto ela não estivesse por perto. E a faria saber: ela era a escolhida para ser esposa de Isaque, aquele que foi concebido graças à bondade do Senhor.

Rebeca passa a mão pelas suas vestes. Avista um homem andando em sua direção. Fica sabendo que era a ele que o coração dela pertenceria, a partir de agora. Rebeca sorri enquanto sente o véu deslizar sobre seu rosto. Ela era apenas uma menina. Mas por pouco tempo.

Vários séculos depois, viveria uma mulher que estava longe de ser menina. Seus olhos traziam as marcas de um passado de busca desenfreada por prazer e de encontros recorrentes com dor e amargura. Sua reputação era a pior possível, mas ela sabia que tinha feito por merecer. Seu nome nunca foi citado, talvez porque não a achassem importante o suficiente para isso. Era apenas conhecida pelo lugar de onde vinha, que no caso, era bastante autoexplicativo: a mulher samaritana. Libertina. Depravada. Imoral. A mulher samaritana estava em outro dia comum, realizando suas tarefas cotidianas. Como Rebeca, pegava água do poço. Porém, o fazia ao meio dia, com o sol queimando sua pele. Não queria ser vista. Mal sabia ela que conheceria naquele dia Aquele que a observava atentamente todos os dias, da fundação do mundo até a consumação dos séculos…

Ele pediu água. Ela estranhou sua atitude: um homem judeu conversando com uma samaritana. E ainda, com ela. Ele disse que daria a ela água que nunca mais daria sede. Ela gosta da ideia: nunca mais ter que se expor aos olhares maldosos daqueles que conheciam seu passado. Ele pede para conhecer seu marido. Oh, não! Ele também sabe que ela já teve cinco maridos e está em uma relação adúltera. Seu rosto queima de vergonha, enquanto ela tenta desviar o assunto. Ferida desde a mais tenra infância, guardava suas emoções, sentimentos e dores em um lugar tão profundo que nem ela mesma conseguia chegar até eles. Mas aquele homem… Ah, ele era tão diferente! Ela confessa a ele o seu mais profundo anseio: que o Messias chegasse e explicasse tudo a todos. E ele diz que era o que ela esperava.

Ela, a imoral, depravada, encontrou-se com aquele que era o que ela precisava. Ela podia parar de procurar. Ele prometia que os que choram seriam consolados. Que enxugaria toda lágrima. Que um dia não haveria mais morte, nem dor: porque as coisas velhas já haviam sido passadas. Ele fazia novas todas as coisas. Ela não tinha mais mácula. Não era mais impura. Era bela e desejável. Era agraciada com um presente que custaria a vida de Deus. Seus olhos passaram a traduzir a alegria de viver sob a plenitude do propósito de sua criação. Seu coração transbordava essa alegria. Sentia-se tão plena que contou a todos da cidade acerca daquele homem que sabia de tudo o que ela tinha feito, mas ainda assim conversava com ela. E mais que isso: Ele a amava! Deixou de tentar adaptar-se ao que o mundo cruel e perverso queria dela e passou a ser o que Ele a criou para ser. Bela. Limpa. Amada.

E dois milênios depois, (mais precisamente em 12 de novembro de 2006), esse mesmo Messias conquista outra menina. Ela tinha apenas doze anos, mas encontrou aquele tesouro que leva você a vender tudo o que tem para tê-lo perto de si. Descobriu que Aquele que a criou a amava, e contava com ela. E ali estavam eles, à beira de outro poço, só que dessa vezem Monte Mor, uma cidadezinha no interior de São Paulo. Ela, de dentes tortos e rabo de cavalo, vestia uma camiseta preta que dizia algo sobre em nada ter a própria vida como preciosa. Lembrou-se daqueles que eram seus irmãos e eram perseguidos por sua fé e orou por eles silenciosamente. Até hoje, ela é grata a cada um deles, mesmo sem conhecê-los: foi seu testemunho que a despertou para a consciência de um Cristo que morrera por ela e pelo qual nenhum sacrifício poderia ser grande demais. Há muitas pessoas em volta, mas ela sente como se estivessem só os dois ali. Ouve ao fundo uma música muito bonita, que diz que no sangue do Cordeiro fomos lavados e quando estamos junto a Ele, tudo parece voar. Ela se dá conta de que estava mexendo com algo perigoso… E de fato, estava. O Senhor está no controle, e não ela. Naquele poço, ela mergulharia em um amor inconveniente, orgânico e muito perigoso. Coisas loucas poderiam acontecer, e aconteceram. E hoje, passados seis anos, ela sabe que entregar a sua vida nas mãos que seguram o universo é a aventura mais emocionante, bela e de tirar o fôlego que ela poderia imaginar.

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Doroth Nogueira de Assis tem 18 anos, é de Jundiaí (SP), cursa Serviço Social na UNIFESP e escreve no blog “Diário de uma Crisálida“.

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