Por Gustavo Veríssimo

Todo ser humano vive uma crise de identidade. No caso dos apóstolos, ela fica bastante evidente quando, no início do trabalho deles junto a Jesus, por mais de uma vez foram pegos discutindo entre si qual deles era o maior. Não sabiam quem eram.

A mãe de Tiago e João (que naquela ocasião eram chamados de “filhos do trovão” – não deviam ser fáceis esses dois) foi pedir a Jesus um lugar de privilégio e honra, acima dos outros, para os dois filhos quando Jesus assumisse o reino de Israel. Jesus responde: “Não sabeis o que pedis. Por acaso podeis vós beber o cálice que eu estou para beber?”. Eles respondem: “Sim Senhor, podemos!”. Ao que Jesus responde: “Pois bem. Vocês vão beber”. Não sabiam quem eram, não sabiam o que estavam pedindo. E por isso erravam, eram injustos consigo mesmos e com os outros, e atraíam juízo sobre a própria cabeça por causa da petulância que geralmente está associada a uma falsa ideia de si mesmo.

No caso de Pedro, a crise de identidade se manifesta algumas vezes, mas de maneira profunda, quando ele nega a Jesus três vezes. Quando Jesus advertiu seus discípulos de que era necessário que ele morresse pelos homens, e que ele tinha vindo pra isso, Pedro se disse comprometido com ele a ponto de, se preciso, perder a própria vida por Jesus.

Em Lc 22.31-32 Jesus fala a Pedro que ele passaria por provação tamanha que foi necessário que o próprio Jesus rogasse para que Pedro não desfalecesse na fé. E Jesus também fala que ele passaria por uma transformação (“…quando tu te converteres…”). A despeito das advertências de Jesus, Pedro reafirma sua suposta coragem, dizendo-se pronto para ir com ele para a morte. Pedro estava prestes a ser confrontado com quem ele realmente era e Jesus sabia que essa seria uma experiência muito pesada e dolorosa.

Após esse incidente, Jesus se retira para orar no jardim do Getsêmani, levando consigo apenas Pedro, Tiago e João. No meio da madrugada, Judas vem com a guarda para prender Jesus. Quando os três discípulos vêem o mestre sendo preso, fogem atemorizados. Todavia, Pedro segue de longe e se infiltra entre o pessoal que estava no pátio do sumo sacerdote. Veja Lc 22.54-62.

Apenas Pedro e João estavam presentes neste incidente, o da tríplice negação. Não obstante, esse episódio está narrado nos quatro evangelhos. Muito possivelmente, o próprio Pedro fez questão de contar o que passou e sofreu aos evangelistas, inclusive a Lucas, que só veio a investigar essa história cerca de 30 anos após a morte de Jesus, por ocasião do retorno de Paulo a Jerusalém, quando este foi preso pela última vez.

Augusto Cury, em seu livro “Análise da Inteligência de Cristo – O Mestre dos mestres”, diz que “Pedro aprendeu com Cristo a difícil arte de ser fiel à sua própria consciência, a assumir seus erros e suas fragilidades”.

Jesus estava trabalhando na depuração da identidade de Pedro. No dia da ressurreição, um anjo disse às mulheres que chegaram ao túmulo logo cedo: “… ide, dizei aos seus discípulos e a Pedro que Ele vai adiante de vós para a Galileia, lá o vereis”. A preocupação do anjo em lembrá-los para avisarem a todos, mas principalmente a Pedro, parece revelar que havia uma torcida pela restauração dele. Muitos dias após a ressurreição, já nas margens do mar da Galileia, no norte da Palestina, Jesus lhes aparece novamente na beira do mar, chama Pedro à parte e lhe pergunta por três vezes: “Simão Pedro, tu me amas?”. Pedro responde: “Sim Senhor, tu sabes que eu te amo”. Então Jesus lhe dá um tremendo mandato: “Apascenta as minhas ovelhas”. Para quem tinha ouvido, cerca de um mês antes, a expressão “… quando tu te converteres…”, este era um bom sinal, aliás, um boníssimo sinal. Jesus estava autorizando Pedro. É como se ele dissesse: “Pedro, agora você está credenciado a ser um pastor”. De repente, aquele homem confuso, inseguro, medroso, inconstante, se encontra em Jesus Cristo, descobre quem realmente é, tornando-se naquilo que era o propósito de Deus para sua vida.

Há uma frase de Sócrates curiosa. Ele disse: “Torna-te naquilo que já és”.

Em Jo 14.6, Jesus diz: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim”. Em Jo 8.32 Ele diz: “… e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. E ainda, em Jo 8.36 diz: “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres”.

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Gustavo Veríssimo é engenheiro e professor universitário.

Este texto é parte de uma série sobre a ‘identidade’ composta por mais dois outros textos que ainda serão publicados neste blog.

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