Experiências de um jovem no Lausanne 3
As pessoas ao meu lado não estavam lendo o último romance ou revistas de fofoca. Olhei ao redor no avião, e vi só livros de John Stott, C. S. Lewis, o Pacto de Lausanne e várias Bíblias. Um vôo rumo ao céu? Quase isso: partindo de Doha, Qatar esse avião voava rumo às planícies da África, trazendo dezenas de participantes para a Cidade do Cabo, onde estava para acontecer o terceiro congresso do Movimento Lausanne.
O Cape Town 2010 veio a comemorar e dar continuidade à visão dos congressos de Edimburgo, em 1910, e do congresso de Lausanne em 1974, que foram pontos focais do movimento evangélico mundial.Mas o cenário agora era diverso: esse não era outro congresso em uma cidade histórica da Europa, com participantes predominantemente de países ocidentais, mas sim um congresso em solo africano, reunindo participantes de quase 200 países. Uma parte do resultado do congresso de Edimburgo e do esforço de milhares de missionários podia ser vista agora, conforma chegavam os participantes da América Latina, África e Ásia, representando as multidões alcançadas para Cristo nesses continentes no último século. Só a África passou de 8 milhões de cristãos para mais de 300 milhões em 100 anos.
Eu cheguei no Cape Town 2010 lembrando de um africano, jovem na época como eu, que participou de um concílio de magnitude semelhante. Atanásio, o bispo de Alexandria que defendeu a divindade de Cristo no maior debate teológico da igreja antiga, contra Arius, chegou ao Concílio de Nicéia ainda jovem, tentando entender todo o debate acontecendo no congresso, em 325. O Concílio de Nicéia certamente teve uma influência enorme sobre Atanásio, que foi depois o principal defensor da visão cristológica do concílio no século 4 contra a heresia ariana.
Mas os desafios desse novo congresso em 2010 eram únicos para a sua época: agora que temos o Evangelho de Jesus Cristo de maneira clara, como é que podemos compartilhá-lo em palavras e obras para o mundo todo? Como comunicar o Evangelho aos povos não alcançados, e aos contextos pós-cristãos? Como lutar contra injustiças, escravidão, pobreza? Como, em suma, reconciliar o mundo em todos os seus aspectos a Cristo?
Para mim cada momento do Cape Town 2010 foi precioso. Celebrei a alegria de encontrar amigos vindo de tantos lugares diferentes e de conhecer pessoas novas. Fui surpreendido ao ver a reação de uma jovem do Laos em uma conversa, quando ela compartilhou as vezes que ela passou na prisão por sua fé. Quando minha esposa Sarah disse a ela que ela era a primeira pessoa que conhecíamos que sofria perseguição física, ela fez uma face de incredulidade, surpresa que não tínhamos nunca conhecido alguém que passava pelo que ela passava.
Outra história que me marcou foi a do arcebispo nigeriano em uma das sessões interativas. O tema era evangelismo, e alguém perguntou o que ele achava dos pastores e líderes que não se envolvem diretamente na missão de Deus. A resposta dele foi: “O líder cristão que não lidera seu povo em missão perde a sua apostolocidade.” Essas palavras penetram meu coração ainda mais quando descobri que a mulher desse arcebispo já tinha sido agredida e feita cega por uma multidão que invadiu a sua casa, e que outra vez a multidão voltou para matá-lo em casa. O único pedido dele foi orar antes que o matassem, e quando ele abriu os olhos, a multidão tinha se dispersado enquanto ele derramava seu coração diante de Deus uma última vez antes de morrer.
Como brasileiro, o momento mais significativo decorreu da carta que assinamos, pedindo perdão pelos anos de seqüestro e escravidão do povo africano. Veio uma comitiva nos responder, e não sobrou um rosto sem lágrimas quando uma mulher orou: “Senhor, eles tiraram os nossos filhos, roubaram os nossos maridos, abusaram as nossas filhas, mas hoje afirmamos que, pelo sangue de Jesus Cristo, vocês estão perdoados! Vocês estão perdoados!”
Mas missão segue momentos de consagração. O verdadeiro congresso acontece agora quando não só os participantes, mas toda a Igreja de Jesus Cristo segue proclamando o Evangelho no dia-a-dia. Momentos de encontro são especiais, mas o seu verdadeiro sentido acontece quando cada um de nós continua a compartilhar Cristo com nossos amigos e nas nossas igrejas. Que Lausanne possa continuar por todo o mundo, e que o próximo congresso, daqui a alguns anos, possa reunir novas pessoas, comunidades e povos reconciliados em Cristo!
René Breul é casado com Sarah e pai do Pietro. Eles são missionários da SEPAL na Itália.
Fernando Costa
Que bom ler sobre suas impressões de Lausanne III, René. Ainda mais por saber que você e a Sarah se doaram a Jesus Cristo e fazem com tanto amor a obra de evangelização. tenha certeza que isto inspira pessoas que vocês nem conhecem. Abraços para o Pietro e para os estudantes em Roma