Opinião
- 20 de março de 2018
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Stephen Hawking, Deus e o papel da ciência
Stephen Hawking, renomado físico inglês, era portador de esclerose lateral amiotrófica (ELA), uma rara doença degenerativa que paralisa os músculos do corpo sem, no entanto, atingir as funções cerebrais. Detectada em Hawking aos 21 anos, e sendo uma doença ainda sem cura, a expectativa era de que o cientista tivesse apenas mais alguns meses de vida. Mas Hawking faleceu em 14 de março de 2018, aos 76 anos, depois de uma vasta e relevante produção acadêmica. Por ocasião de seu falecimento, reproduzimos aqui algumas ideias de Alister McGrath a partir do livro “O Grande Projeto”, escrito por Hawking em conjunto com Leonard Mlodinow:
Por Alister McGrath
Em seu livro “O Grande Projeto” (2011), Stephen Hawking declara: “Porque existe uma lei como a gravidade, o Universo pode e irá criar a si mesmo do nada. A criação espontânea é a razão pela qual existe alguma coisa ao invés do nada, é a razão pela qual o Universo existe e porque existimos”.
Segundo ele, o “Big Bang” simplesmente aconteceu de forma espontânea, como o resultado das leis da física e não de um criador – designer – cósmico. É uma ótima maneira de promover um livro. É também uma ótima maneira de manter vivo o velho debate sobre Deus, já que levanta muitas questões interessantes. Deixe-me explorar algumas delas.
Eu fui um cientista. Meu curso de graduação em Oxford foi em química, e meu primeiro doutorado foi em biofísica molecular. É amplamente aceito que as ciências naturais não são nem ateístas, nem teístas. Elas simplesmente não operam nesse nível.
Elas certamente podem ser interpretadas de formas religiosas ou antirreligiosas. O ateu militante Richard Dawkins usa a ciência como uma arma em sua guerra contra a religião. Mas outros veem a ciência e a fé religiosa como mutuamente esclarecedoras.
Por exemplo, o livro de Francis Collins “A Linguagem de Deus” (2007) argumenta que a crença em Deus faz mais sentido da ciência do que o ateísmo. Ambos os lados podem ser discutidos, nem um foi capaz de provar a si mesmo, e ambos são inteiramente razoáveis.
Assim, o que se pode dizer sobre o livro de Hawking? Será que ele move alguma peça deste tabuleiro? Acredito que não. Os meus colegas cientistas em Oxford e Londres estão intrigados com as declarações ousadas de Hawking sobre Deus, principalmente porque elas são interpretações especulativas do que em si já é uma teoria muito especulativa.
Sua análise é decepcionantemente fraca em pontos muito críticos. O Big Bang, ele argumenta, foi a consequência inevitável das leis da física. “Porque existe uma lei como a gravidade, o universo pode e irá criar a si mesmo do nada”. No entanto, Hawking parece confundir lei com a agência (agency). Leis em si não criam nada. Elas são meramente uma descrição do que acontece sob certas condições.
Imagine que você está assistindo a um jogo de críquete. As Leis de Newton nos ajudam a entender como um jogador atinge um seis. Mas essas leis não causam isso, não fazem com que isso aconteça. Há uma ação (agência) humana envolvida. As leis nos ajudam a entender o que está acontecendo aqui – mas elas não fazem isso acontecer.
Hawking nos comunica que não precisamos invocar a ideia de um criador, porque as leis da física já estão lá? Bem, isso é dificilmente algo novo ou inovador. Ele simplesmente adia o problema em um estágio. De onde é que essas leis da física vêm? Quem as fez? Como surgiu a gravidade? Quem a colocou lá? Qual é a agência (agency) envolvida?
Hawking parece pensar que é uma questão das leis da natureza ou de Deus. No entanto, isso simplesmente é falho quanto à questão de se envolver com a questão da ação, da agência (agency). Pense em Leonardo da Vinci pintando a Mona Lisa. As leis da física nos ajudam a entender o que está acontecendo aqui, mas dificilmente nos obrigam a colocar Leonardo fora de cena, como se ele fosse um agente desnecessário no processo de composição.
No entanto, eu diria que os problemas com a abordagem de Hawking estão num ponto muito mais fundo do que isso. Muitos cientistas estão irritados com Hawking por arriscar em trazer a ciência em descrédito pelo exagero em si de suas colocações.
A ciência é a grande história de sucesso do intelecto humano. Ela é amplamente considerada como a forma mais segura e confiável do conhecimento humano, e ganhou esta reputação invejável pela modéstia da sua ambição.
Os cientistas sabem que eles não têm o que comentar sobre tudo ou como se posicionar sobre todas as coisas – apenas o que pode ser demostrado como verdade através de uma investigação rigorosa e testável. A ciência só procura descrever as formas e processos do mundo e se recusa a comentar sobre questões de significado e valor. Ela está acima de debates éticos, políticos e religiosos. E é certo que seja assim.
A autoridade cultural e intelectual da ciência depende criticamente de sua neutralidade absoluta em tais debates. Se ela é sequestrada para fins ideológicos, a sua reputação pública só pode passar por sofrimento. Este ponto já foi provado há muito tempo.
O grande defensor de Darwin, Thomas H. Huxley (1825-1895), declarou sua frase famosa de que a ciência “comete suicídio quando adota um credo”. Huxley estava certo. Se a ciência se permite ser sequestrada pelos fundamentalistas, sejam religiosos ou antirreligiosos, a sua integridade intelectual é subvertida e sua autoridade cultural está comprometida.
Essa é uma das razões pelas quais tantos cientistas estão preocupados com a agenda de novos ateístas – New Atheists. Eles veem isso como um comprometimento da integridade da ciência, sequestrando-a para fins de uma cruzada antirreligiosa.
Susan Greenfield, uma das cientistas mais ilustres da Inglaterra, foi solicitada a comentar sobre as reflexões de Hawking sobre Deus. “Você está preocupada por conta de cientistas que fazem reivindicações sobre outras áreas da vida?”, “Sim, eu estou”, respondeu ela. “Claro que eles podem fazer quaisquer comentários que eles quiserem, mas quando eles assumem, no mesmo estilo Taliban, que têm todas as respostas, então eu me sinto desconfortável. Eu acho que isso não faz um favor à ciência”.
Ela está certa. E qualquer um que usa a ciência como uma arma antirreligiosa precisa prestar atenção aos seus comentários. Ela disse ainda: “Toda a ciência é provisória e, portanto, afirmar ter a resposta definitiva para qualquer coisa é ponto de vista muito difícil. Seria muito vergonhoso se os jovens pensarem que para ser um cientista, você deve ser um ateu. Há uma abundância de cientistas, como o pesquisador de genoma Francis Collins, que também têm uma fé cristã”.
Greenfield certamente está correta. Em certo sentido, a ciência não tem nada legítimo a dizer sobre Deus. Como o grande biólogo evolucionário de Harvard, Stephen Jay Gould (1941-2002), justamente observou, “a ciência simplesmente não pode (por seus métodos legítimos) julgar a questão da possível superintendência da natureza de Deus. Nós nem afirmamos nem negamos. Nós simplesmente não podemos comentar nesse ponto enquanto cientistas”.
O “Novo Ateísmo” define a ciência e religião em permanente oposição, com o triunfo final do primeiro como sendo apenas uma questão de tempo. A ciência tornou-se uma arma no “todos à guerra” contra a religião. Na verdade, não é razoável argumentar que o Novo Ateísmo faz mais do que apenas refletir o estereótipo cultural da “guerra” entre ciência e religião – ele realmente depende dessa guerra para sua plausibilidade. Mas a história não está apenas aí.
Os historiadores da ciência concordam em demonstrar que o modelo da “guerra” da relação entre ciência e religião era historicamente insustentável durante os anos 1970. Os mitos históricos de que este modelo depende de forma crítica – especialmente em propagandas ateístas populares – foram completamente desmantelados.
Nas últimas décadas, a cultura popular tornou-se cada vez mais disposta a abandonar formas dicotômicas absolutas de pensar, e se envolver com as complexidades da história e da cultura, ao invés de reduzi-las em slogans sem sentidos e estereótipos.
Todos sabem que “ciência” e “religião” são termos comuns para crenças enormemente complexas e diversas, para práticas e comunidades.
Felizmente, há sinais de que as coisas estão se movendo diante. O público parece cada vez mais dispostos a reconhecer que a relação entre ciência e fé é mais complicada do que slogans orientados pela mídia. Deixe-me identificar um desenvolvimento que é uma palha no vento a este respeito.
Em 2008, Richard Dawkins se aposentou como professor de “Entendimento Público da Ciência”, na Universidade de Oxford. Dawkins, militante ateísta, havia feito esta posição controversa, ligando a afirmação da ciência com o ridículo da religião.
Seu sucessor foi o distinto matemático Marcus du Sautoy. Jornalistas se reuniram para entrevistá-lo, principalmente interessados em uma pergunta: Será que ele seguiria os passos de Dawkins e faria desta cadeira de Oxford um púlpito para o ateísmo?
A resposta de Du Sautoy foi nítida e convincente. Embora fosse ele próprio um ateu, ele seria “absolutamente não indulgente” na polêmica antirreligiosa. Seu trabalho seria o de promover a ciência, e ele esperava fazer isso com entusiasmo.
Estes comentários provocaram a ira de alguns no site de Richard Dawkins. Que tipo de cientista seria esse? “Se du Sautoy fosse um verdadeiro cientista, ele estaria menosprezando a religião!” , “Que escolha ridícula para sucessor”, estes foram alguns dos comentários. Disse outro, “Se ele vai promover a compreensão pública da ciência, ele tem que enfrentar os desafios diários da religião para a racionalidade”.
No entanto, a abordagem da du Sautoy representa um passo importante de volta à normalidade. Talvez haja esperança de que conversa civilizada irá finalmente tomar o lugar do confronto e do ridículo. Ciência e fé religiosa tem muito o que falar – conversar –, incluindo a base de crenças.
Vamos esperar que essas conversas tenham lugar e não sejam proibidas pelo que Susan Greenfield chamou de “Talibã científico”. Elas são muito importantes para serem evitadas, e muito interessantes para serem ignoradas.
Alister McGrath é um dos mais influentes pensadores cristãos da atualidade. Bioquímico, com pós-doutorado em biofísica molecular e doutorado em teologia, é professor de ciência e religião na Universidade de Oxford. É autor de vários livros, entre eles: Deus e Darwin, A Ciência de Deus, Como Lidar com a Dúvida e Teologia Pura e Simples e O Ajuste Fino do Universo. É presidente do Centro Oxford para Apologética Cristã.
Tradução de Áquila Mazzinghy. Publicação original aqui
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