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Opinião

A crise climática e a criação de Deus

Nos importamos com a criação não porque seja uma tendência dos nossos dias, mas por causa da nossa resposta ao apelo urgente do nosso Deus-Criador que nos ama e se importa com este mundo

Por Kuki Rokhum, Jasmine Kwong e Dave Bookless

Eventos relacionados ao clima estão nos noticiários quase diariamente. Esses acontecimentos são um desvio do ministério do evangelho ou uma oportunidade para missões?

No livro John Stott on Creation Care [John Stott e os cuidados com a criação],1 pergunta-se a Stott se é adequado associar o engajamento na ecologia à “obra missionária”. Alguns entendem o envolvimento do cristão com as questões ambientais como uma digressão da proclamação do evangelho que “salva almas”. No entanto, a crise ambiental que afeta todos os cantos do mundo não pode ser ignorada. O amor cristão requer que respondamos às pessoas afetadas por desastres, entre estes a crescente crise climática.

O Compromisso da Cidade do Cabo declara:
Se Jesus é o Senhor de toda a terra, não podemos desvincular nosso relacionamento com Cristo da forma como agimos em relação à terra. Proclamar o evangelho que diz que “Jesus é Senhor” é proclamar o evangelho que inclui a terra, uma vez que o senhorio de Cristo é sobre toda a criação. O cuidado com a criação é, portanto, uma questão do evangelho dentro do Senhorio de Cristo. (CTC I-7).2

Se o cuidado com a criação é uma questão do evangelho sob o senhorio de Cristo, então qual deve ser nossa resposta?

QUESTÕES CLIMÁTICAS GLOBAIS
Em julho de 2023, depois de os cientistas terem confirmado que julho seria o mês mais quente já registrado em todo o mundo, o secretário-geral da ONU, António Guterres, declarou: “A era do aquecimento global terminou; chegou a era da ebulição global… Líderes precisam liderar. Chega de hesitação, chega de desculpas, chega de esperar que os outros ajam primeiro”.3

As questões climáticas são uma realidade global crescente e impactam todo ser vivente. Escrevemos da região da Ásia-Pacífico, que é particularmente vulnerável às alterações climáticas em virtude de sua dependência dos recursos naturais e da agricultura, das zonas costeiras densamente povoadas, da fraqueza das instituições e da pobreza generalizada.4

As alterações climáticas afetam hoje até mesmo os países ricos do Norte Global. Para as nações mais pobres, essa sempre foi uma realidade dolorosa. Em países insulares como as Filipinas, as comunidades costeiras de pesca e os ecossistemas marinhos correm o risco de tempestades cada vez mais intensas e frequentes. As questões climáticas agravadas pelas mudanças na utilização dos solos (por exemplo, desmatamento e exploração mineira) ameaçam a segurança alimentar e a biodiversidade.

A Índia também é um dos países do mundo mais propensos a desastres naturais. Sua localização e geografia tornam o país vulnerável a riscos naturais, incluindo ciclones, secas, inundações, terremotos, incêndios e deslizamentos de terra, com uma intensidade cada vez maior. Além dos danos irreparáveis aos ecossistemas, o impacto sobre os seres humanos é devastador, sendo os pobres – que menos contribuem para o problema – os mais gravemente afetados. Pelo menos 10.281 agricultores na Índia tiraram a própria vida em 2019, representando 7,4% dos suicídios naquele país.5

Esses exemplos baseados na experiência vivida pelos autores refletem a intensidade da crise global. É imperativo que os líderes políticos respondam e ajam. Em muitas regiões, as igrejas já começaram a fazer sua parte, porém muitas estão paralisadas diante dos imensos desafios. Quais são estes desafios e como podemos enfrentá-los como uma comunidade cristã global?

CRIANDO OPORTUNIDADES A PARTIR DOS DESAFIOS CLIMÁTICOS
Em 2012, o Chamado à Ação, documento assinado na Jamaica, resultado da Consulta Global Lausanne sobre o Cuidado com a Criação e o Evangelho, dirigiu-se à igreja global, ao afirmar: “Enfrentamos uma crise que é premente, urgente, e que deve ser resolvida na nossa geração”.6 Embora uma década tenha se passado desde a assinatura deste documento, ele destaca questões importantes, algumas das quais vamos discutir.

Desafio 1: A igreja global não está suficientemente envolvida nas questões climáticas
A falta de envolvimento da igreja com o clima não apenas ignora o sofrimento crescente da criação de Deus, mas também pode afetar o nosso testemunho cristão. Pesquisas na Austrália,7 no Reino Unido8 e no Canadá9 revelam que os jovens cristãos buscam ensinamentos bíblicos sobre a criação e o clima, mas sentem que suas igrejas estão fazendo muito pouco. O que seria diferente se os líderes cristãos estivessem mais bem equipados para se envolver nas questões climáticas?

A igreja como um todo precisa avaliar as questões climáticas no contexto da narrativa bíblica da criação e da redenção. O cuidado com a criação não é uma questão complementar e específica do ministério cristão. Na verdade, quando Deus incumbiu Adão e Eva de cuidarem da Terra, ele estava lhes dando a primeira tarefa missionária. O cuidado com a criação é parte integrante da nossa caminhada com Jesus, e nossos líderes devem dar o exemplo.

Oportunidade 1: Transformar o nosso envolvimento mínimo no cuidado com a criação em uma oportunidade de aprender e envolver-se com as questões climáticas10
Ser como Cristo é estar em um relacionamento apropriado com Deus, com o próximo e com a criação. “Nós cuidamos da terra e de maneira responsável fazemos uso dos seus abundantes recursos, não de acordo com a mentalidade deste mundo secular, mas por causa do Senhor”.11

Passos práticos 1
Busque saber mais sobre esses temas. Leia livros e artigos sobre a teologia e a prática do cuidado com a criação. Saiba o que afirmam os cientistas.

Desafio 2: Muitos cristãos estão habituados a um estilo de vida confortável e relutam em simplificá-lo
Responder às questões climáticas requer uma avaliação honesta do estilo de vida que escolhemos. Estamos preparados para fazer ajustes no nosso consumo para garantir justiça e qualidade de vida para toda a criação? Viver em justiça, humildade e benignidade (Mq 6.8) talvez exija que nos arrependamos do egoísmo, adotemos novos hábitos e vivamos de forma contrária ao padrão do mundo. Estamos preparados para isso?

Obviamente, é impossível ter um estilo de vida 100% ecologicamente consciente e justo, pois somos pessoas degeneradas que vivem em um mundo degenerado; mas os valores do evangelho nos obrigam a fazer o melhor que pudermos.

Oportunidade 2: As igrejas devem adaptar-se e ser um exemplo da forma como Jesus viveu, cuidando dos outros e vivendo com simplicidade
Não existe pessoa perfeita nem planeta perfeito até que seja aperfeiçoado por Cristo – uma promessa de restauração pela qual toda a criação anseia (Rm 8). Até lá, nossos esforços deverão refletir a forma como Cristo viveu.

Passos práticos 2
Comece dentro da igreja com as necessidades práticas da sua comunidade. Avalie como nossas práticas podem prejudicar o meio ambiente. Apoie pequenos agricultores locais. Coma alimentos sazonais e menos carne. Podemos usar transporte público para viajar? Incentive os pequenos grupos a prestarem contas em relação a esses desafios. Pesquise práticas tradicionais que tenham menos impacto ambiental.

Desafio 3: Fragilidade teológica em relação à criação. Nosso ensino bíblico e nossas missões têm o foco nos seres humanos, especificamente nas almas
.
A igreja evangélica tem cometido o grande erro de não considerar a criação como um todo. Temos a tendência de priorizar as questões espirituais em detrimento das questões materiais, embora o senhorio de Jesus abranja todos os aspectos da vida. Precisamos de uma nova perspectiva em nossa leitura bíblica, refletindo e discutindo como toda a criação faz parte do plano divino de salvação e restauração. Se os líderes ensinarem o cuidado com a criação como uma questão do evangelho, então nossa resposta não estará embasada na pressão de “salvar o planeta”, mas na adoração ao nosso Senhor Jesus e na obediência em cuidar da terra que ele criou e confiou aos nossos cuidados.

Além disso, a criação precisa ser parte integrante da nossa oração e adoração, tanto particular quanto nas comunidades de fé. Com que frequência oramos pela criação de Deus? Podemos resgatar a prática do lamento. Em momentos de sofrimento, os israelitas muitas vezes clamaram a Deus. Oramos por aqueles que estão enfrentando sofrimento e opressão? Com que frequência nos arrependemos de ações da mão humana que causam danos à natureza?

Oportunidade 3: A terra pertence ao Senhor, portanto, respondemos porque amamos a Deus e amamos sua criação.

Se abraçarmos o cuidado com a criação como discipulado, então a nossa resposta flui da nossa identidade como seres criados à imagem de Deus, e não como “salvadores” do planeta.

Passos práticos 3
Cultivar o cuidado com a criação como parte da nossa rotina de oração, estudo da Bíblia e adoração. Passe algum tempo com Deus desfrutando da natureza e refletindo sobre sua palavra.

Desafio 4: Temos a tendência de fazer uma separação entre os seres humanos e a natureza
Algumas pessoas receiam que cuidar da criação signifique negligenciar as pessoas. No entanto, a criação inclui as pessoas. Cuidar da criação, portanto, envolve atender às necessidades espirituais, físicas e sociais das pessoas – saúde, trabalho, casa e segurança – todas as quais dependem do ambiente.

Muitas igrejas e organizações cristãs já estão empenhadas em suprir necessidades sociais e econômicas das pessoas. Devemos agora expandir a nossa missão para incluir também o mundo natural. Não se trata de uma escolha entre cuidar de pessoas ou da natureza, pois ambas são importantes para Deus e fazem parte do seu plano de restauração.

Oportunidade 4: Aprender com as tradições/denominações cristãs que já fazem esse trabalho!
É impossível cuidar bem de todos os aspectos da criação. Como líderes, no entanto, somos convidados a considerar a totalidade da criação de Deus. À medida que passamos tempo com Deus e aprendemos com os outros, podemos discernir em quais áreas de nossos respectivos contextos e comunidades somos chamados a ser fiéis.

Passos práticos 4
Peça às pessoas da sua congregação/organização que já estejam engajadas nessa questão que partilhem as suas histórias. Convide especialistas para compartilhar oportunidades específicas. Aprenda com as comunidades locais.

Desafio 5: Salvar o planeta parece uma tarefa impossível e sem sentido

O clima é uma questão global e complexa, e podemos facilmente nos sentir desanimados ou menosprezar a nossa capacidade de promover alguma mudança. No entanto, o que nos motiva não é apenas a solução da crise climática, mas também a obediência a Cristo. O cuidado com a criação faz parte da nossa jornada de discipulado. Assim como cultivamos a oração e o estudo da Bíblia como práticas cristãs regulares, precisamos integrar o cuidado da criação também à nossa vida quotidiana.

Nunca consertaremos tudo o que há de errado na criação, mas podemos trabalhar unidos e fielmente para esse fim. Também precisamos de permissão para encarar nossos erros e lutas como parte da jornada de cuidado com a criação.

Precisamos perseverar e nos manter juntos nessa estrada. “A natureza criada aguarda, com grande expectativa, que os filhos de Deus sejam revelados” (Rm 8.19). E isso começa com a resposta da igreja aos gemidos da criação.

Oportunidade 5: Levar sua comunidade a engajar-se em vários níveis – mente, coração, ação
A criação espera por nós! Nossas ações podem ser um encorajamento vital para aqueles que ainda não têm esperança em Cristo.

Passos práticos 5
Vá além dos eventos pontuais e comprometa-se com um envolvimento plurianual. Encontre um nicho específico como foco de sua comunidade – floresta, rio, oceano, cidade etc.

APROFUNDE-SE
Quando ouvimos com atenção os cientistas e os que sofrem em todo o mundo, somos beneficiados pelos recursos cristãos que podem nos ajudar a levar adiante o cuidado com a criação. (Veja nas notas finais alguns recursos recomendados para líderes de igrejas e organizações missionárias.)

• Desenvolver uma teologia mais robusta do cuidado com a criação.12, 13, 14, 15
• Estudar a Bíblia por uma perspectiva ambiental.16
• Adorar a Deus lembrando que ele é o Criador e que Jesus é o Senhor de toda a criação.17, 18
• Orar com a igreja global por toda a criação.19
• Juntar-se a uma rede de igrejas e envolver-se em ações ambientais no seu contexto local.20
• Receber atualizações sobre eventos mundiais atualizados de cuidado com a criação.21
• Viajar com outros indivíduos e organizações que se preocupem com a criação.22, 23
• Envolver-se a nível internacional na discussão sobre políticas climáticas.24

CONCLUSÃO
Em suma, nos importamos com a criação não porque seja uma tendência dos nossos dias, mas principalmente por causa da nossa resposta ao apelo urgente do nosso Deus-Criador que nos ama e se importa com este mundo.25

Notas
1. RJ (Sam) Berry with Laura Yoder, John Stott on Creation Care (Illinois: IVP, 2021).
2.
O Compromisso da Cidade do Cabo, Movimento de Lausanne, parte 1, seção 7, acesso em 1º de agosto de 2023.
3. Ajit Niranjan,
‘‘Era of global boiling has arrived,’ o secretário-geral das Nações Unidas afirma que julho será o mês mais quente já registrado”, The Guardian, 27 de julho de 2023.
4. Venkatachalam Anbumozhi, Meinhard Breiling, Selvarajah Pathmarajah, and Vangimalla R. Reddy, eds.
‘Climate Change in Asia and the Pacific: How can countries adapt?’ ADBInstitute (India: SAGE, 2012).
5.
‘Accidental Deaths and Suicides in India’ National Crime Records Bureau, accessed 1 August 2023.
6.
Consulta Global Lausanne sobre o Cuidado com a Criação e o Evangelho, Movimento de Lausanne, acesso em 1º de agosto de 2023.
7.
Leader’s Summary: They Shall Inherit The Earth – Tearfund Climate Report. Tearfund, accessed 1 August 2023.
8.
We are Burning Down the House. We Are Tearfund, accessed 1 August 2023.
9.
For All the Earth. Tearfund Canada, accessed 1 August 2023.
10. Nota da Editora: Leia o artigo intitulado
Queimadas devastadoras e a missão da igreja, de Tim Carriker, na edição de março/2020 da Análise Global de Lausanne.
11.
O Compromisso da Cidade do Cabo, Movimento de Lausanne, Parte 1, Seção. 7, acesso em 1º de agosto de 2023.
12. Colin Bell and Robert White, Creation Care and the Gospel: Reconsidering the Mission of the Church. Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 2016.
13. R.J.(Sam) Berry with Laura Yoder, John Stott on Creation Care. Illinois: IVP, 2021.
14. Douglas Moo and Jonathan Moo, Creation Care: A Biblical Theology of the Natural World. Grand Rapids, Michigan: Zondervan, 2018.
15. Dave Bookless, Planetwise: Dare to Care for God’s World. Nottingham: InterVarsity Press, 2008.
16.
Why care for creation?. OMF International, accessed 1August 2023.
17.
Climate Vigil, accessed 1 August 2023.
18.
Doxecology. Resound Worship, accessed 1 August 2023.
19.
Season of Creation 2023. Season of Creation, accessed 1 August 2023.
20.
Become an A Rocha Church Partner. A Rocha International, accessed 1 August 2023.
21.
The Pollinator: Creation Care Network News, accessed 1 August 2023.
22.
The Oikos Network, Oikos, accessed 1 August 2023.
23.
Join the Rubbish Campiagn!. Renew Our World Campaign, accessed 1 August 2023.
24.
Christian Climate Observers Program (CCOP) 2023, accessed 1 August 2023.
25. Berry,
John Stott on Creation Care, (Illinois: IVP, 2021), p. 193.

Publicado no site Lausanne Global. Reproduzido com permissão.

Lalbiakhlui Rokhum, mais conhecida como Kuki, serviu por mais de 20 anos na Comissão para Resposta a Desastres da Comunidade Evangélica da Índia. Atualmente faz parte do ministério A Rocha International como diretora de Engajamento da Igreja. Kuki tem paixão por questões de justiça e está envolvida no ensino da Missão Integral e de questões como mudanças climáticas e o cuidado com a criação.

Jasmine Kwong é catalisadora da Rede Lausanne de Cuidados com a Criação e atua nessa área também na OMF International. Dá palestras e escreve sobre o tema, e tem paixão por questões alimentares comunitárias e conservação marinha. Ela mora nas Filipinas.

Dave Bookless é catalisador da Rede Lausanne de Cuidados com a Criação e supervisor de Teologia do ministério A Rocha International. Mora em Southall, Londres, e fala e escreve globalmente sobre a Bíblia e os cuidados com a criação.

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