Opinião
- 13 de dezembro de 2017
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Um menino, uma manjedoura e uma missão
Por William Lane
Na narrativa do nascimento de Jesus, Lucas traz uma informação quase marginal sobre as circunstâncias daquele momento, porém, que ocupa o centro da representação moderna do nascimento. Ele diz que Maria deu à luz ao seu filho e o colocou na manjedoura, “porque não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2.7). Gramaticalmente essa oração é subordinada explicativa, não é a afirmação principal da sentença, mas justifica, explica, fornece o motivo pelo qual ela colocou a criança em uma manjedoura. A afirmação principal é que ela deu à luz, enfaixou a criança e a colocou na manjedoura. No entanto, a explicação de que não havia lugar na hospedaria assume protagonismo nas encenações e representações natalinas.
Normalmente, quando o Antigo Testamento registra que uma mulher deu à luz a uma criança, logo em seguida fala do nome que é dado à criança (Gn 4.1; 16.15). Raramente se fala sobre o que se faz com a criança após o nascimento (Rt 4.16). Isso parece tão convencional que quando Mateus relata o sonho de José sobre a concepção de Maria, a ideia de dar à luz e colocar o nome se repete três vezes. Primeiro, o anjo diz em sonho “ela dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus” (1.21). Depois, cita o profeta Isaías, “a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel” (1.23). Finalmente, explica que José não teve relação com Maria “enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus” (Mt 1.25).
Lucas também usa essa mesma convenção para anunciar a Zacarias o nascimento de João, “Isabel, tua mulher, te dará à luz um filho, a quem darás o nome de João” (Lc 1.13), e também para o anúncio feito à Maria, “Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem chamarás pelo nome de Jesus” (Lc 1.31). Depois repete a designação do nome de Jesus quando ele é levado para ser circuncidado, “Completados oito dias para ser circuncidado o menino, deram-lhe o nome de JESUS, como lhe chamara o anjo, antes de ser concebido” (Lc 2.21).
Mas, quando Lucas narra o nascimento propriamente, sua contribuição e estilo próprios são evidentes pela informação singular sobre o que Maria fez com a criança após o nascimento e por quê. Ele não só rompe com a convenção literária como também introduz uma explicação da falta de lugar na hospedaria. A explicação parece sem muita importância na história, porém, ocupa o centro de nossas narrativas atuais.
>>> A conspiração da manjedoura <<<
O entendimento comum é que Lucas está dizendo que não havia vaga disponível na hospedaria da cidade e, por isso, José e Maria tiveram de se abrigar num estábulo. Porém, o mais provável é que o cenário seja de uma moradia particular dividida entre o espaço privativo da família e um ambiente de acolhimento de visitantes e seus animais. O termo “hospedaria” (gr. kataluma) pode se referir tanto a uma estalagem ou pousada quanto a um quarto de hóspede (Lc 22.11). Nesse sentido, ao contrário do imaginário da recepção do texto, Lucas está dizendo que embora José e Maria tenham sido acolhidos por algum hospedeiro, não havia onde colocar a criança quando nasceu, por isso, o menino foi enfaixado e colocado na manjedoura. Eles foram acolhidos e a manjedoura era o lugar próprio para colocar uma criança nessas condições. Assim, a ênfase de Lucas está na condição humilde do nascimento de um menino da linhagem de Davi na cidade de Davi (2.4). Jesus não nasceu em um palácio, mas no fundo da casa de uma família hospedeira.
Essa cena, o presépio (i.e., estábulo) de Natal, está tão presente nas vitrines das lojas, nos cartões e decorações, nas encenações teatrais, nas comemorações natalinas, porém, não como símbolo de acolhida e humildade, mas, paradoxalmente, como sensibilização e incitação para um materialismo e consumismo seculares. A cena do Jesus de Belém, nascido em condição humilde, devia nos mover à hospitalidade e à acolhida dos humildes, e nos tornar mais parecidos com Jesus.
• William Lane, pastor presbiteriano, doutor em Antigo Testamento e professor da Faculdade Teológica Sul-Americana, em Londrina, PR.
Leia mais
A preparação para o Natal. O Messias veio? O Messias virá?
Para celebrar o Natal individualmente, em família ou em comunidade
Natal de verdade
Presépio: o que sobrou do Natal
Imagem: Photo by Walter Chávez on Unsplash
Na narrativa do nascimento de Jesus, Lucas traz uma informação quase marginal sobre as circunstâncias daquele momento, porém, que ocupa o centro da representação moderna do nascimento. Ele diz que Maria deu à luz ao seu filho e o colocou na manjedoura, “porque não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2.7). Gramaticalmente essa oração é subordinada explicativa, não é a afirmação principal da sentença, mas justifica, explica, fornece o motivo pelo qual ela colocou a criança em uma manjedoura. A afirmação principal é que ela deu à luz, enfaixou a criança e a colocou na manjedoura. No entanto, a explicação de que não havia lugar na hospedaria assume protagonismo nas encenações e representações natalinas.
Normalmente, quando o Antigo Testamento registra que uma mulher deu à luz a uma criança, logo em seguida fala do nome que é dado à criança (Gn 4.1; 16.15). Raramente se fala sobre o que se faz com a criança após o nascimento (Rt 4.16). Isso parece tão convencional que quando Mateus relata o sonho de José sobre a concepção de Maria, a ideia de dar à luz e colocar o nome se repete três vezes. Primeiro, o anjo diz em sonho “ela dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus” (1.21). Depois, cita o profeta Isaías, “a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel” (1.23). Finalmente, explica que José não teve relação com Maria “enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus” (Mt 1.25).
Lucas também usa essa mesma convenção para anunciar a Zacarias o nascimento de João, “Isabel, tua mulher, te dará à luz um filho, a quem darás o nome de João” (Lc 1.13), e também para o anúncio feito à Maria, “Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem chamarás pelo nome de Jesus” (Lc 1.31). Depois repete a designação do nome de Jesus quando ele é levado para ser circuncidado, “Completados oito dias para ser circuncidado o menino, deram-lhe o nome de JESUS, como lhe chamara o anjo, antes de ser concebido” (Lc 2.21).
Mas, quando Lucas narra o nascimento propriamente, sua contribuição e estilo próprios são evidentes pela informação singular sobre o que Maria fez com a criança após o nascimento e por quê. Ele não só rompe com a convenção literária como também introduz uma explicação da falta de lugar na hospedaria. A explicação parece sem muita importância na história, porém, ocupa o centro de nossas narrativas atuais.
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O entendimento comum é que Lucas está dizendo que não havia vaga disponível na hospedaria da cidade e, por isso, José e Maria tiveram de se abrigar num estábulo. Porém, o mais provável é que o cenário seja de uma moradia particular dividida entre o espaço privativo da família e um ambiente de acolhimento de visitantes e seus animais. O termo “hospedaria” (gr. kataluma) pode se referir tanto a uma estalagem ou pousada quanto a um quarto de hóspede (Lc 22.11). Nesse sentido, ao contrário do imaginário da recepção do texto, Lucas está dizendo que embora José e Maria tenham sido acolhidos por algum hospedeiro, não havia onde colocar a criança quando nasceu, por isso, o menino foi enfaixado e colocado na manjedoura. Eles foram acolhidos e a manjedoura era o lugar próprio para colocar uma criança nessas condições. Assim, a ênfase de Lucas está na condição humilde do nascimento de um menino da linhagem de Davi na cidade de Davi (2.4). Jesus não nasceu em um palácio, mas no fundo da casa de uma família hospedeira.
Essa cena, o presépio (i.e., estábulo) de Natal, está tão presente nas vitrines das lojas, nos cartões e decorações, nas encenações teatrais, nas comemorações natalinas, porém, não como símbolo de acolhida e humildade, mas, paradoxalmente, como sensibilização e incitação para um materialismo e consumismo seculares. A cena do Jesus de Belém, nascido em condição humilde, devia nos mover à hospitalidade e à acolhida dos humildes, e nos tornar mais parecidos com Jesus.
• William Lane, pastor presbiteriano, doutor em Antigo Testamento e professor da Faculdade Teológica Sul-Americana, em Londrina, PR.
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A preparação para o Natal. O Messias veio? O Messias virá?
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Presépio: o que sobrou do Natal
Imagem: Photo by Walter Chávez on Unsplash
Pastor presbiteriano e doutor em Antigo Testamento, é professor e capelão no Seminário Presbiteriano do Sul, e tradutor de obras teológicas. É autor do livro O propósito bíblico da missão.
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