Opinião
- 19 de abril de 2021
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Um convite à morte, um das oito marcas do discipulado cristão
Por Tais Machado
“Chamou a multidão e os discípulos e disse: ʽSe alguém quer ser meu seguidor, negue a si mesmo, tome sua cruz e siga-me. Se tentar se apegar à sua vida, a perderá. Mas, se abrir mão de sua vida por minha causa e por causa das boas-novas, a salvará. Que vantagem há em ganhar o mundo inteiro, mas perder a vida? E o que daria o homem em troca de sua vida?ʼ” (Mc 8.34-37 - NVT).
Tornar-se discípulo de Jesus Cristo tem a ver com liberdade e radicalidade. A liberdade é salientada quando Jesus coloca: “quem quiser”. Tem a ver com escolha consciente. Você precisa querer, e se for o caso de assim desejar, compreenda que há condições, e, elas não são negociáveis. Trata-se de uma proposta radical.
Isso nos obriga a pensar como vivemos e o que escolhemos. Nos faz refletir sobre o que é a vida, o que nos atrai, o que geralmente repelimos. Somos desafiados a olhar com atenção para nosso funcionamento, nosso estilo, e o que carregamos neste existir. Quem ou o que reina em seu coração? O desejo de aprovação e validação da maioria? Seus impulsos e crenças distorcidas ou o pensamento de Deus que vai moldando os seus e, assim, trazendo luz à existência? Você possui ou é possuído? Como você gasta sua própria vida? Qual o preço dela?
O discípulo vive uma tensão e uma tentação quase permanente. Uma tensão sobre o que eu quero e o que vejo que Deus quer. A tentação contínua de atender minhas fantasias de poder, sucesso, suposta segurança, ou seja, proteger-me à minha moda, dar o meu jeito, ou, confiar e deixar com Deus.
Progredir nesse caminho como discípulo de Jesus tem a ver com abrir mão, com saber que é possível, mas, não é conveniente muitas coisas, pois, outros valores agora falam mais alto em seu coração. As tentações não desaparecem, em geral, aumentam consideravelmente, no entanto, não é mais seus desejos contaminados que o dirigem, mas, como o Senhor é Cristo Jesus, a prioridade passa a ser o que ele quer, o que ele ensinou, o que sua vida mostrou.
Jesus, mesmo sob resistência de seus discípulos, estava seguindo numa direção muito clara: à morte, e morte de cruz (Fl 2.8). Seus discípulos não queriam saber disso, não queriam perdê-lo, as expectativas, mal discernidas, eram outras. Jesus precisa deixar claro que o caminho não é agradável e atraente o tempo todo, é difícil, forças opostas lutam dentro de nós, de fato, a porta para a vida é estreita. Quem quiser algo mais tranquilo, uma estrada ampla e uma porta larga, a direção é outra, mas, Jesus logo explica que essa conduz à destruição (Mt 7.13-14). Ser discípulo de Cristo implica em ter isso em mente e a disposição de caminhar com a cruz em direção à morte. Nada de fugas. E nas palavras de John Stott: “Se estamos seguindo a Jesus, existe apenas um lugar para o qual podemos estar indo: o lugar da morte”. E esse não é um comentário atraente. Uma possível equipe de marketing de Jesus o orientaria a cortar essa parte do discurso e não ensinar este tipo de coisa, pois, perderia muitos seguidores.
Morrer não é um assunto que gostamos de tratar. Culturalmente é evitado, apesar de nos dias atuais isso ser inevitável. Para um seguidor de Jesus esse passa a ser um tema presente em toda a caminhada. Quanto mais se vive, melhor se morre, ou, com Jesus, mais aprendemos sobre a morte que traz mais vida, inclusive, para o agora. Nas palavras claras e poéticas do Stott: “existe um tipo de vida que, na verdade, conduz à morte, e que existe tipo de morte que, na verdade, leva à vida”. Resumidamente é isto. Um seguidor de Jesus bem sabe que “a estrada para a vida é a morte”, como descobriu Jonh Stott durante sua preciosa vida que nos dá testemunho ainda hoje. Que experimentemos mais de tal paradoxo em nossa vida também. Onde a coragem e a fé nos leve a morrer para aquilo que Cristo nos ensinou que precisa morrer dentro de nós, e assim, possamos descobrir um bonito segredo ou mistério desta trilha cristã: “a morte é o caminho para a frutificação”. Foi isso que Stott descobriu nesta decisão de seguir a Jesus. Como discípulo frutificou e somos alimentados com suas reflexões.
Um convite à morte é um convite que tendemos a rejeitar. A provocação de Jesus encontra resistência em nosso interior. Mas, para quem ousa, surpresas e descobertas de vida surgem abundantemente, então, se sabe por experiência própria, que o bem viver com Cristo tem tudo a ver com bem morrer com ele, pois a morte dele nos libertou da escravidão do pecado, deste jeito destruidor de viver (Rm 6.6-11).
A nova vida que Cristo oferece tem a ver com crer e confiar que morrer um pouco a cada dia, por causa do evangelho de Jesus, nos leva a descobrir mais da vida agora.
• Tais Machado é psicoterapeuta e pastora em São Paulo.
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