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Opinião

Star Trek – Sem Fronteiras. 50 anos da série

O ano 2016 é importante para os amantes de ficção científica em todo mundo, por marcar o cinquentenário da estreia da série Star Trek, conhecida no Brasil como Jornada nas Estrelas – Série Clássica. A série transformou-se em uma franquia de enorme sucesso, tendo gerado diversos spin-offs: uma versão animada (Star Trek: The Animated Series), e uma continuação, Star Trek: The Next Generation (no Brasil: A Nova Geração), com séries paralelas na cronologia “trekker” – Star Trek: Deep Space Nine (este é o meu spin-off preferido), Star Trek: Voyager e Star Trek: Enterprise (esta série apresenta eventos que na cronologia trekker aconteceram no tempo do Capitão Archer, antes do Capitão Kirk, foi muito criticado por mexer bastante no conceito de alguns personagens consagrados há décadas no universo da mitologia trekker), sem falar nos filmes de longa-metragem com o elenco da série clássica, e alguns com o elenco da nova geração.

Star Trek surgiu no auge da Guerra Fria: quando lançada, a crise dos mísseis de Cuba havia ocorrido há poucos anos. A corrida espacial entre Estados Unidos e a então União Soviética estava a todo vapor. Nos Estados Unidos, as tensões raciais entre brancos e negros também estavam no auge: Malcom X havia sido assassinado um ano antes, e o Rev. Martin Luther King Junior, que dois anos antes ganhara o Nobel da Paz, seria assassinado dois anos depois. Em meio a este turbilhão de conflitos de todo tipo, o roteirista Gene (“Eugene”) Roddenberry tem a ideia de produzir uma série diferente de tudo que havia no momento: uma dos raros trabalhos de ficção científica utópica, isto é, a crença ou esperança de um futuro melhor para a humanidade (quase todas as ficções científicas são distopias, isto é, apresentam a visão de um futuro pior para a humanidade e o planeta – vide a franquia Mad Max como exemplo). Como que nadando contra a correnteza, Star Trek é utopia em estado quimicamente puro, pois apresenta um sistema que funciona, e a divulgação da esperança de uma sociedade na qual, graças à ciência e à tecnologia, todos os problemas sociais e ambientais foram resolvidos.

Roddenberry criou personagens icônicos: na ponte da Enterprise os navegadores, lado a lado, são um japonês (o Sr. Sulu) e um russo (o Sr. Chekov). Isto em 1966 seria simplesmente impensável. Outra situação inconcebível há 50 anos: a série clássica do Jornada nas Estrelas apresentou o primeiro beijo Inter étnico da história da televisão mundial: o décimo episódio da terceira temporada, exibido pela primeira vez nos EUA em 22 de novembro de 1968 (exatos cinco anos depois do assassinato do Presidente Kennedy e da morte dos escritores Aldous Huxley e C. S. Lewis) o episódio Plato’s Stepchildren (no Brasil, “Os herdeiros de Platão”) mostrou uma civilização alienígena que teria estado na Terra na época de Platão. Encantados com as ideias do discípulo de Aristóteles, voltaram para o seu planeta, e construíram uma civilização conforme o ideal de República de Platão. Pois bem, neste episódio, o branco Capitão Kirk beija a negra Tenente Ohura. Desnecessário dizer que houve protestos da parte de sulistas, defensores do movimento secessionista confederado, opositores radicais do movimento liderado pelo Rev. Luther King Junior. Ah, eram protestantes também.

Mas ao se falar dos personagens icônicos criados por Roddenberry não se pode de modo algum deixar de fora o Sr. Spock, talvez o mais popular de toda a história da cultura nerd em todos os tempos. Não sei não, mas acho que em termos de carisma, fama, popularidade e “iconicidade” nem o Batman, nem o Superman, nem o Goku, nem o Homem Aranha, nem o James Bond, ninguém consegue superar o Sr. Spock. Leonard Nimoy cristalizou com brilhantismo no imaginário popular o Vulcano de orelhas pontudas que é pura razão e tem domínio completo sobre suas emoções e sentimentos. E, claro, o médico de bordo, do Dr. McCoy, que é visceral demais, emotivo demais, e o Capitão Kirk, que entre os dois, é uma espécie de síntese entre razão e emoção.

A lista de personagens icônicos criados por Roddenberry é imensa: na Nova Geração, o Comandante Data, o androide sensciente que quer ser humano e ter emoções, o Sr. Worf, o klingon criado por humanos e que serve à Federação de Planetas Unidos com lealdade e perfeição capazes de dar inveja ao próprio Argilulfo, “O cavaleiro inexistente” de Ítalo Calvino (que não tem nada a ver com o João), o amargo e resoluto Comandante Benjamin Cisko, da Estação Espacial Deep Space 9, e muitos outros. Mas só quero fazer menção especial a uma personagem icônica criada por Roddenberry: a Enterprise. Sim, no universo trekker a Enterprise ocupa um lugar de destaque. Velocidade de dobra e mecanismo de teletransporte todas as naves da Federação têm. Não é isto que diferencia a Enterprise. Ela é como uma pessoa, amada por todos os fãs da série.

Pois bem, no ano do cinquentenário da série, os fãs são brindados com o lançamento de um novo filme do reboot da série: Star Trek – Beyond, no Brasil, “Star Trek – Sem Fronteiras”. Houve quem torcesse o nariz quando soube que o filme seria dirigido por Justin Lin, que dirigiu alguns da franquia Velozes e Furiosos. Mas o filme ficou muito bom. Lin soube imprimir ação na medida certa, e, o que a meu ver foi sua melhor contribuição, foi a ênfase nos laços de amizade entre os tripulantes da Enterprise. Sem spoiler: devido a uma determinada situação, os tripulantes vão parar em um planeta desconhecido, mas em duplas, separadas umas das outras. Nesta hora, o companheirismo e a amizade mais do que nunca serão fundamentais para a sobrevivência de todos. A dupla mais inesperada de todas é exatamente a formada por McCoy e Spok, interpretados respectivamente por Karl Urban e Zachary Quinto (a propósito, ambos excelentes em seus papeis): o médico humano implica com o vulcano o tempo todo. Mas ele supera suas reservas, e salva a vida do Imediato da Enterprise.

O filme é uma boa diversão, tem alívios cômicos em momentos certos. Só não gostei da sequência da destruição da Enterprise (ops, escapou um spoiler...), muito longa e muito escura, e no final, a não explicação da metamorfose sofrida pelo vilão, interpretado por Idris Elba. Quanto ao mais, o filme é muito bom.

A franquia Star Trek é uma grande escatologia secular. É a crença no mito do progresso elevada à última potência. Curioso observar que quase não há na série referências à religião, a Deus ou deuses, ou a qualquer tipo de transcendente. De vez em quando um klingon fala do Stovokor, a crença no pós-vida para os guerreiros honrados que morreram em combate (uma cópia não disfarçada do Valhala dos antigos escandinavos). Fora isto, uma ou outra referência, esparsa, muito rara, em Deep Space 9 e em Star Trek: Enterprise. Neste sentido, a franquia apresenta uma antropologia ingênua, pois não leva em conta o que na linguagem teológica é chamado de pecado. Pois ao divulgar a esperança de um futuro maravilhoso pela via da ciência e da tecnologia, Gene Roddenberry não levou em conta que o ser humano é capaz de maldades, é egoísta, e não evolui moralmente. Parece que ao criar a série, Roddenberry olhou para o futuro, mas não para o passado. Se o tivesse feito, teria observado como a tecnologia, desde o neolítico até hoje, avançou, mas o coração humano não. Isto porque o ser humano precisa, para usar mais uma vez a linguagem teológica, de um salvador, de um messias. A tradição cristã entende que Jesus de Nazaré é este messias.

Star Trek é ótima diversão. Neste quesito, é muito boa. O cristão que gosta de sci fi não concordará com seu pressuposto básico. Mas não perderá a chance de ter um bom passatempo e se distrair com as aventuras de todas as turmas do universo trekker.

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É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
  • Textos publicados: 83 [ver]

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