Mais uma vez, é evidente que o santuário referido é o céu, de onde Deus observa os homens. Levando em consideração o escopo do Salmo 150, o paralelismo hebraico e estes outros salmos que identificam o santuário de Deus com os céus, é perfeitamente possível concluir que aqui no Salmo 150 “santuário” se refere à morada celestial de Deus e não ao templo físico de Jerusalém. E logo, o apelo do verso 1 pode ser entendido como dirigido aos homens e anjos para que louvem a Deus, que habita em sua morada celestial.
Em segundo lugar, a palavra que a Almeida Atualizada traduziu como “danças” tem outros significados, alguns dos quais se encaixam muito melhor no contexto. A palavra “mahol” que aparece no verso 4 e é traduzida como “danças” pela Almeida Atualizada pode significar “flauta”. A própria Almeida Atualizada traduziu “mahol” como “flauta” no Salmo 149, “louvem-lhe o nome com flauta; cantem-lhe salmos com adufe e harpa”. Admito que os contextos são diferentes, pois no Salmo 150 “mahol” vem precedido dos adufes, tamborins, que marcam o ritmo. De qualquer forma, se vê que a palavra pode ter outro sentido que não dançar.
Várias traduções do Salmo 150.4 traduziram “mahol” como “flauta”, como a Almeida Corrigida, a Bíblia de Genebra 1599, a Reina Valera 1909, entre outras (“coral”, Douay-Rheims).
Calvino, em seu comentário dos Salmos, preferiu traduzir como “flauta”.
Temos que admitir que a maioria das traduções preferiu “danças”. Em minha opinião, é perfeitamente possível. Todavia, se o salmista estiver se referindo a um instrumento musical, como “flauta”, se encaixa perfeitamente no contexto, pois os versos 3-5 estão mencionando instrumentos musicais usados em Israel, como trombeta, saltério, harpa, adufes, instrumentos de cordas, flautas, címbalos sonoros e címbalos retumbantes. Estes versos não estão dando uma descrição do que se fazia no culto a Deus executado no templo ou no templo, mas apenas enumerando os instrumentos musicais de toda espécie, todos eles convocados para o louvor de Deus.
Se levarmos em consideração as variáveis acima, o Salmo 150 pode ser simplesmente um chamado universal a anjos, homens e animais, para que louvem a Deus. E que os homens o façam com toda sorte de instrumentos musicais. Não está falando do culto no templo terreno nem de danças.
Alguém poderia legitimamente indagar: “se Deus aceita as danças no seu alto e sublime lugar, no santuário celestial, será que ele se desagradaria das danças no local da adoração terrena?”. A única resposta que eu tenho para isto é que a maneira que temos de saber o que agrada a Deus ou não em seu culto hoje é mediante o estudo do Novo Testamento. O que Deus prescreve para o culto dos cristãos? Certamente não encontraremos uma liturgia detalhada, uma sequência dos atos de culto. Porém, encontraremos os princípios espirituais que governam este culto e os elementos que dele devem constar. E entre estes, não acharemos as danças.
Mas, não quero insistir demais neste ponto. O que eu gostaria apenas de deixar claro é que o Salmo 150 não pode ser usado como uma prova cabal e final de que as danças faziam parte do culto a Deus oferecido em seu templo ou seu templo em Jerusalém e que em consequência devemos ter danças nos cultos cristãos de hoje.
Não considero este assunto tão central à fé que eu tenha que me separar de quem pensa diferente. Se você quer dançar no culto, dance. Não vou considerá-lo um pagão por isto. Mas não me venha dizer que é bíblico e que aqueles que pensam diferente de você serão condenados como Mical, que criticou Davi quando dançava.
• Augustus Nicodemus é pastor presbiteriano, chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie, doutor em interpretação bíblica pelo Westminster Theological Seminary, Estados Unidos, e autor de, entre outros, “O que Estão Fazendo com a Igreja” (Mundo Cristão). Artigo publicado originalmente no blog do autor:
O Tempora, O Mores!