Opinião
- 01 de março de 2007
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Quem é o joio?
por Ariovaldo Ramos
Estava conversando com um amigo sobre o sermão que ele havia pregado a partir da parábola do trigo e do joio. A parábola em que Jesus diz que Deus semeou as pessoas boas e o Diabo semeou as pessoas más. Significando que há seres humanos que, na vida, se aliam a Deus para fazer o bem, enquanto outros se aliam ao Diabo para fazer o mal.
Os que são tidos como joio, são os que vivem de maldade em maldade sem nenhuma reserva moral. Segundo Cristo este grupo de pessoas continuará o seu caminho e só será separado no final, no dia do grande juízo, isto porque não é tão fácil distingui-los, eles podem se parecer com o trigo por boa parte do tempo.
Começamos a nos perguntar quem seria o joio? E, enquanto analisávamos as várias possibilidades, o caso de barbárie cometida contra o menino João Hélio invadiu nossa conversa e se impôs, afinal, estamos diante do mais profundo significado do que seria a maldade, a barbárie.
Quem seria o joio nesse caso tão brutal?
Um grupo de jovens sai munido de revolveres de brinquedo para conseguir dinheiro para o consumo de drogas, e acabam por provocar uma tragédia que comove toda a nação.
Gente que sai munido de arma de brinquedo, por acaso sai premeditando um desastre, uma tragédia, uma barbárie? Parece-me difícil pensar que sim. Causa mais a impressão de que as coisas saíram de controle e, então, a barbárie.
Não há desculpas, eles precisam ser responsabilizados. Mas quem é o joio? Quem está provocando esse estado de coisas que cria a pressão necessária para um ato dessa natureza?
Por que esses moços estão nas drogas? A quem devem? Por que tanto desespero? O que parece ter-lhes tirado toda a sensibilidade? O medo do linchamento? A conclusão de que se fossem alcançados seriam mortos sem misericórdia? Teriam chegado à conclusão terrível de que eram eles ou o menino? No que esses rapazes estão inseridos?
Quem é o joio?
Como eles se tornaram viciados? Quem lhes levou à droga? A quem estariam devendo ao ponto do desespero? E quem trouxe a droga ao seu fornecedor? Como esse comércio se mantém inabalável? Como conseguem trazer os produtos que vendem? Por que não adianta prendê-los? Eles continuam a gerir os seus negócios de dentro das prisões. Aliás, as prisões se tornaram quartéis generais de grupos cada vez mais organizados? Como um estado paralelo consegue se desenvolver sem a conivência do estado oficial?
Quem é o joio?
É sempre mais fácil apelar para as soluções que parecem mais simples. Afinal, temos os responsáveis, eles confessaram. Mas, isso é assim tão simples? Executá-los seja de que forma for resolverá o problema? A violência de que são responsáveis reside neles mesmos, de modo que basta pará-los? Ou serão eles apenas a ponta de uma complexa máquina de maldades fomentada pelo lucro fácil, por um estado conivente e por toda sorte de corrupção da máquina pública?
Quem é o joio?
Mais uma vez fala-se sobre a diminuição da idade para a responsabilização criminal. Então, a idéia é encher as cadeias de meninos e meninas menores de dezoito anos? Certamente não é para diminuirmos os crimes. Nossas instituições prisionais estão abarrotadas, não há espaço. Há um considerável número de condenados que simplesmente não podem ser presos por falta de lugar. Celas para quatro pessoas abrigam mais de uma centena. Ouvi que o juiz, que está cuidando do caso, proporá que os menores devem ser reclusos por cinco anos ao invés de três anos, como reza a lei. A justificava dele é que serão melhor recuperados pelas medidas sócio-educativas de que serão alvo nesse tempo. De que medidas sócio-educativas ele está falando? Do que acontece nos institutos de reclusão de menores, como na antiga Febem, em São Paulo, agora chamada de Casa? Como se mudar o nome de uma anomalia a tornasse menos anômala.
Quem é o joio?
Estamos todos de luto, sem dúvida! Mas, já não deveríamos ter vestido luto quando meros trabalhadores foram incinerados dentro dos veículos que são obrigados a utilizar para se deslocarem? Como esses pobres seres humanos se chamavam? Alguém se lembra? Já não deveríamos ter feito passeatas por eles? Os responsáveis por esses crimes contra os trabalhadores pobres não saíram com armas de brinquedo, eram tão ou mais jovens dos que os responsáveis pela barbárie que nos escandalizou. Eles estavam sob comando, haviam recebido uma ordem cruel, e encheram a cabeça com toda sorte de alucinógenos para poder cumpri-la. Quem deu a ordem? Por que não foram responsabilizados? Os criminosos devem ser plenamente responsabilizados, mas não é tão simples reunir todos os criminosos. É mais fácil punir os mais próximos, e eles devem ser punidos, mas não importa quão rigorosa seja a punição que recebam, não será esta punição que interromperá a violência.
Tenho ouvido de muitos, sobre esse caso: os próprios presos darão um jeito neles, eles vão ver só. Como não há pena capital no país, aceita-se a punição paralela, impetrada pelos próprios reclusos como execução da justiça, sancionando-se, assim, a existência do estado paralelo. Estamos de luto! Mas já deveríamos estar trajando o negro há muito tempo. Principalmente, pela sociedade que temos construído nesse país; pelo sistema econômico que temos implantado; pelo nível de injustiça social com que convivemos sem crise. Pelo comportamento de nossos governantes em todas as esferas do Estado. Pelo nível de corrupção da máquina estatal.
Certamente, temos uma boa idéia sobre quem ou o que seja o joio. Caçar o joio, entretanto, não parece ser nada simples. E com que armas se caça o joio? Podemos começar por um projeto educacional sério. Um grande colégio em São Paulo colocou uma extensão de sua unidade na favela próxima às suas instalações, de modo a, de alguma maneira, beneficiar aquela comunidade carente, as crianças desta teriam os mesmos professores e matérias que os membros da elite, que freqüentam a grande escola. É prática dessa instituição promover uma maratona de matemática entres os alunos de suas várias unidades, e a extensão na comunidade carente foi incluída. E, para espanto geral, foi um de seus alunos, um jovem da raça negra, quem mais se destacou obtendo o segundo lugar no certame, que reuniu as mentes mais privilegiadas. Quantos gênios estão escondidos nas comunidades carentes? Quantos teriam suas vidas mudadas se, simplesmente, fossem apresentados à aventura do estudo, ao extraordinário mundo dos livros.
Os alemães e os italianos acabaram com os grupos terroristas niilistas (termo que vem da palavra latina Nihil, que significa Nada). Esse novo terrorismo sem propósito político, que campeia nos tempos atuais, teve como precursores dois grupos: o alemão, Baader Meinhof e o italiano Brigada Vermelha. As respectivas polícias conseguiram sem desrespeito à lei, erradicá-los. Por que a nossa polícia não conseguiria erradicar esses grupos para-estatais em nosso território? Essa máquina deve e pode ser destruída. Os italianos conseguiram, também, enfraquecer de forma impressionante o crime organizado, que entre eles já fazia parte do folclore sobre o que significava ser italiano. Por que nosso aparato policial não o conseguiria. É certo que na Itália eles contaram com um judiciário incorruptível, muitos juizes perderam a vida para curar a sociedade italiana desse câncer. Por que o nosso judiciário não o faria? É verdade que a vitória, tanto dos italianos como dos alemães, foi conquistada por uma polícia marcada pela inteligência, pela seriedade e pela incorruptibilidade. Por que nossa policia não o conseguiria? A repressão inteligente e séria ao crime organizado é forma eficaz de erradicar o joio.
A questão do combate à violência passa pela redução da maioridade legal ou pela repressão eficaz às maiorias que aliciam os menores?
E que dizer de termos um projeto sério de redistribuição de renda? Como convencer adolescentes de que eles, sem oportunidades, devem se contentar em repetir a história de seus pais, que trabalham como poucos trabalhadores das nações modernas, para ver, no final do mês, o seu parco salário ser insuficiente para pagar suas irrisórias contas? Por que não lutamos por um programa sério de recuperação salarial? Por que não enfrentamos a realidade de um país com um dos menores índices demográficos, isto é, com um número pequeno de habitantes por quilometro quadrado, mas a maior concentração urbana do planeta. Cerca de oitenta e cinco por cento dos habitantes do Brasil moram em cidades. Como se explica isso num país com tanta extensão de terra? Basta lembrar que temos cerca de cento e oitenta milhões de habitantes num território maior que o território da Índia, que tem mais de um bilhão de habitantes.
Por que não temos um programa sério de reforma agrária? E que dizer do enorme número de gente sem teto em nossas cidades, quando há prédios totalmente vazios em nossas cidades; e terrenos ociosos por conta da especulação imobiliária? Por que não temos um programa habitacional que se possa ao menos chamar de sério? Há hoje no país uma febre pelo crescimento econômico. Você sabia que o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo no século passado? De que crescimento estamos falando? Qual o crescimento de que realmente precisamos?
Será que a resposta à possibilidade da barbárie é reduzirmos a maioridade legal, ou termos o crescimento que fomente a justiça, de modo que nossas crianças possam, de fato, crescer?
Há um joio na sociedade brasileira, porém, é um joio diferente do que Cristo descreveu em sua parábola. O joio de que Jesus Cristo falou só poderá ser colhido, arrancado do campo da vida no juízo final. O joio de que estamos tratando nessa terra varonil pode ser exterminado agora. Contudo, essa erva daninha não pode ser extinta jogando sobre os seus peões o peso de sua existência. Não é caçando jovens que erradicaremos a violência. Temos uma máquina complexa para desmontar, ela se parece com um polvo, seus tentáculos visitam todas as atividades da sociedade; sua cabeça habita nos palácios, e movimenta milhões de reais. Para erradicá-la é preciso destruir suas fontes de abastecimento. Ela se abastece da pobreza, da miséria; da injustiça social; da falta de programas educacionais eficazes e abrangentes; da ineficácia do Estado, assim como de sua fragilidade frente a possibilidade da corrupção; da concentração de renda, e de terras e de tetos, e de possibilidades.
Estamos de luto! E por razão mais do que justa. Como não ficar indignado frente a tal violência? Como não ficar indignado frente a um sofrimento estúpido como o infringido a esta criança inocente? E como não se desesperar frente a capacidade humana de perpetrar o mal? Entretanto, como diz a Bíblia: “A ira do homem não produz a justiça de Deus.” Em nossa ira sofremos a tentação de desejar que os bandidos, que estão na mesma cadeia dos rapazes, os matem. Em nossa ira começamos a falar de punir os nossos jovens com mais rigor, quando deveríamos falar em salvá-los desse monstro que temos deixado crescer por cerca de quinhentos anos. Assim não se faz justiça, apenas se dá lugar à vingança. E com vingança não se constrói nação alguma. A vingança faz o trigo se igualar ao joio.
Que a morte desse inocente se torne o motor de uma tomada de consciência que nos leve a consertar a nossa nação. Que nos leve a repudiar toda a sorte de desperdício, e de corrupção. Que nos leve a não tolerar mais a pobreza; e o analfabetismo; e o crime organizado; e a ineficiência do Estado; e a irresponsabilidade de nossos políticos. Até quando seremos uma nação que quando começa a falar em crescimento, começa a dizer da necessidade de destruir parte de nossas florestas e de prejudicar indígenas e quilombolas? Que quando começa a falar de justiça começa a falar em punir jovens, reconhecendo que já que os condenamos a ser bandidos que os prendamos o mais cedo possível? Que nos levantemos contra a máquina que trucida esses peões e erradiquemos as fontes de suprimento desse monstro, antes que tenhamos de concluir que o joio somos nós.
• Ariovaldo Ramos é pastor, bacharel em filosofia pela USP e presidente da Visão Mundial.
Estava conversando com um amigo sobre o sermão que ele havia pregado a partir da parábola do trigo e do joio. A parábola em que Jesus diz que Deus semeou as pessoas boas e o Diabo semeou as pessoas más. Significando que há seres humanos que, na vida, se aliam a Deus para fazer o bem, enquanto outros se aliam ao Diabo para fazer o mal.
Os que são tidos como joio, são os que vivem de maldade em maldade sem nenhuma reserva moral. Segundo Cristo este grupo de pessoas continuará o seu caminho e só será separado no final, no dia do grande juízo, isto porque não é tão fácil distingui-los, eles podem se parecer com o trigo por boa parte do tempo.
Começamos a nos perguntar quem seria o joio? E, enquanto analisávamos as várias possibilidades, o caso de barbárie cometida contra o menino João Hélio invadiu nossa conversa e se impôs, afinal, estamos diante do mais profundo significado do que seria a maldade, a barbárie.
Quem seria o joio nesse caso tão brutal?
Um grupo de jovens sai munido de revolveres de brinquedo para conseguir dinheiro para o consumo de drogas, e acabam por provocar uma tragédia que comove toda a nação.
Gente que sai munido de arma de brinquedo, por acaso sai premeditando um desastre, uma tragédia, uma barbárie? Parece-me difícil pensar que sim. Causa mais a impressão de que as coisas saíram de controle e, então, a barbárie.
Não há desculpas, eles precisam ser responsabilizados. Mas quem é o joio? Quem está provocando esse estado de coisas que cria a pressão necessária para um ato dessa natureza?
Por que esses moços estão nas drogas? A quem devem? Por que tanto desespero? O que parece ter-lhes tirado toda a sensibilidade? O medo do linchamento? A conclusão de que se fossem alcançados seriam mortos sem misericórdia? Teriam chegado à conclusão terrível de que eram eles ou o menino? No que esses rapazes estão inseridos?
Quem é o joio?
Como eles se tornaram viciados? Quem lhes levou à droga? A quem estariam devendo ao ponto do desespero? E quem trouxe a droga ao seu fornecedor? Como esse comércio se mantém inabalável? Como conseguem trazer os produtos que vendem? Por que não adianta prendê-los? Eles continuam a gerir os seus negócios de dentro das prisões. Aliás, as prisões se tornaram quartéis generais de grupos cada vez mais organizados? Como um estado paralelo consegue se desenvolver sem a conivência do estado oficial?
Quem é o joio?
É sempre mais fácil apelar para as soluções que parecem mais simples. Afinal, temos os responsáveis, eles confessaram. Mas, isso é assim tão simples? Executá-los seja de que forma for resolverá o problema? A violência de que são responsáveis reside neles mesmos, de modo que basta pará-los? Ou serão eles apenas a ponta de uma complexa máquina de maldades fomentada pelo lucro fácil, por um estado conivente e por toda sorte de corrupção da máquina pública?
Quem é o joio?
Mais uma vez fala-se sobre a diminuição da idade para a responsabilização criminal. Então, a idéia é encher as cadeias de meninos e meninas menores de dezoito anos? Certamente não é para diminuirmos os crimes. Nossas instituições prisionais estão abarrotadas, não há espaço. Há um considerável número de condenados que simplesmente não podem ser presos por falta de lugar. Celas para quatro pessoas abrigam mais de uma centena. Ouvi que o juiz, que está cuidando do caso, proporá que os menores devem ser reclusos por cinco anos ao invés de três anos, como reza a lei. A justificava dele é que serão melhor recuperados pelas medidas sócio-educativas de que serão alvo nesse tempo. De que medidas sócio-educativas ele está falando? Do que acontece nos institutos de reclusão de menores, como na antiga Febem, em São Paulo, agora chamada de Casa? Como se mudar o nome de uma anomalia a tornasse menos anômala.
Quem é o joio?
Estamos todos de luto, sem dúvida! Mas, já não deveríamos ter vestido luto quando meros trabalhadores foram incinerados dentro dos veículos que são obrigados a utilizar para se deslocarem? Como esses pobres seres humanos se chamavam? Alguém se lembra? Já não deveríamos ter feito passeatas por eles? Os responsáveis por esses crimes contra os trabalhadores pobres não saíram com armas de brinquedo, eram tão ou mais jovens dos que os responsáveis pela barbárie que nos escandalizou. Eles estavam sob comando, haviam recebido uma ordem cruel, e encheram a cabeça com toda sorte de alucinógenos para poder cumpri-la. Quem deu a ordem? Por que não foram responsabilizados? Os criminosos devem ser plenamente responsabilizados, mas não é tão simples reunir todos os criminosos. É mais fácil punir os mais próximos, e eles devem ser punidos, mas não importa quão rigorosa seja a punição que recebam, não será esta punição que interromperá a violência.
Tenho ouvido de muitos, sobre esse caso: os próprios presos darão um jeito neles, eles vão ver só. Como não há pena capital no país, aceita-se a punição paralela, impetrada pelos próprios reclusos como execução da justiça, sancionando-se, assim, a existência do estado paralelo. Estamos de luto! Mas já deveríamos estar trajando o negro há muito tempo. Principalmente, pela sociedade que temos construído nesse país; pelo sistema econômico que temos implantado; pelo nível de injustiça social com que convivemos sem crise. Pelo comportamento de nossos governantes em todas as esferas do Estado. Pelo nível de corrupção da máquina estatal.
Certamente, temos uma boa idéia sobre quem ou o que seja o joio. Caçar o joio, entretanto, não parece ser nada simples. E com que armas se caça o joio? Podemos começar por um projeto educacional sério. Um grande colégio em São Paulo colocou uma extensão de sua unidade na favela próxima às suas instalações, de modo a, de alguma maneira, beneficiar aquela comunidade carente, as crianças desta teriam os mesmos professores e matérias que os membros da elite, que freqüentam a grande escola. É prática dessa instituição promover uma maratona de matemática entres os alunos de suas várias unidades, e a extensão na comunidade carente foi incluída. E, para espanto geral, foi um de seus alunos, um jovem da raça negra, quem mais se destacou obtendo o segundo lugar no certame, que reuniu as mentes mais privilegiadas. Quantos gênios estão escondidos nas comunidades carentes? Quantos teriam suas vidas mudadas se, simplesmente, fossem apresentados à aventura do estudo, ao extraordinário mundo dos livros.
Os alemães e os italianos acabaram com os grupos terroristas niilistas (termo que vem da palavra latina Nihil, que significa Nada). Esse novo terrorismo sem propósito político, que campeia nos tempos atuais, teve como precursores dois grupos: o alemão, Baader Meinhof e o italiano Brigada Vermelha. As respectivas polícias conseguiram sem desrespeito à lei, erradicá-los. Por que a nossa polícia não conseguiria erradicar esses grupos para-estatais em nosso território? Essa máquina deve e pode ser destruída. Os italianos conseguiram, também, enfraquecer de forma impressionante o crime organizado, que entre eles já fazia parte do folclore sobre o que significava ser italiano. Por que nosso aparato policial não o conseguiria. É certo que na Itália eles contaram com um judiciário incorruptível, muitos juizes perderam a vida para curar a sociedade italiana desse câncer. Por que o nosso judiciário não o faria? É verdade que a vitória, tanto dos italianos como dos alemães, foi conquistada por uma polícia marcada pela inteligência, pela seriedade e pela incorruptibilidade. Por que nossa policia não o conseguiria? A repressão inteligente e séria ao crime organizado é forma eficaz de erradicar o joio.
A questão do combate à violência passa pela redução da maioridade legal ou pela repressão eficaz às maiorias que aliciam os menores?
E que dizer de termos um projeto sério de redistribuição de renda? Como convencer adolescentes de que eles, sem oportunidades, devem se contentar em repetir a história de seus pais, que trabalham como poucos trabalhadores das nações modernas, para ver, no final do mês, o seu parco salário ser insuficiente para pagar suas irrisórias contas? Por que não lutamos por um programa sério de recuperação salarial? Por que não enfrentamos a realidade de um país com um dos menores índices demográficos, isto é, com um número pequeno de habitantes por quilometro quadrado, mas a maior concentração urbana do planeta. Cerca de oitenta e cinco por cento dos habitantes do Brasil moram em cidades. Como se explica isso num país com tanta extensão de terra? Basta lembrar que temos cerca de cento e oitenta milhões de habitantes num território maior que o território da Índia, que tem mais de um bilhão de habitantes.
Por que não temos um programa sério de reforma agrária? E que dizer do enorme número de gente sem teto em nossas cidades, quando há prédios totalmente vazios em nossas cidades; e terrenos ociosos por conta da especulação imobiliária? Por que não temos um programa habitacional que se possa ao menos chamar de sério? Há hoje no país uma febre pelo crescimento econômico. Você sabia que o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo no século passado? De que crescimento estamos falando? Qual o crescimento de que realmente precisamos?
Será que a resposta à possibilidade da barbárie é reduzirmos a maioridade legal, ou termos o crescimento que fomente a justiça, de modo que nossas crianças possam, de fato, crescer?
Há um joio na sociedade brasileira, porém, é um joio diferente do que Cristo descreveu em sua parábola. O joio de que Jesus Cristo falou só poderá ser colhido, arrancado do campo da vida no juízo final. O joio de que estamos tratando nessa terra varonil pode ser exterminado agora. Contudo, essa erva daninha não pode ser extinta jogando sobre os seus peões o peso de sua existência. Não é caçando jovens que erradicaremos a violência. Temos uma máquina complexa para desmontar, ela se parece com um polvo, seus tentáculos visitam todas as atividades da sociedade; sua cabeça habita nos palácios, e movimenta milhões de reais. Para erradicá-la é preciso destruir suas fontes de abastecimento. Ela se abastece da pobreza, da miséria; da injustiça social; da falta de programas educacionais eficazes e abrangentes; da ineficácia do Estado, assim como de sua fragilidade frente a possibilidade da corrupção; da concentração de renda, e de terras e de tetos, e de possibilidades.
Estamos de luto! E por razão mais do que justa. Como não ficar indignado frente a tal violência? Como não ficar indignado frente a um sofrimento estúpido como o infringido a esta criança inocente? E como não se desesperar frente a capacidade humana de perpetrar o mal? Entretanto, como diz a Bíblia: “A ira do homem não produz a justiça de Deus.” Em nossa ira sofremos a tentação de desejar que os bandidos, que estão na mesma cadeia dos rapazes, os matem. Em nossa ira começamos a falar de punir os nossos jovens com mais rigor, quando deveríamos falar em salvá-los desse monstro que temos deixado crescer por cerca de quinhentos anos. Assim não se faz justiça, apenas se dá lugar à vingança. E com vingança não se constrói nação alguma. A vingança faz o trigo se igualar ao joio.
Que a morte desse inocente se torne o motor de uma tomada de consciência que nos leve a consertar a nossa nação. Que nos leve a repudiar toda a sorte de desperdício, e de corrupção. Que nos leve a não tolerar mais a pobreza; e o analfabetismo; e o crime organizado; e a ineficiência do Estado; e a irresponsabilidade de nossos políticos. Até quando seremos uma nação que quando começa a falar em crescimento, começa a dizer da necessidade de destruir parte de nossas florestas e de prejudicar indígenas e quilombolas? Que quando começa a falar de justiça começa a falar em punir jovens, reconhecendo que já que os condenamos a ser bandidos que os prendamos o mais cedo possível? Que nos levantemos contra a máquina que trucida esses peões e erradiquemos as fontes de suprimento desse monstro, antes que tenhamos de concluir que o joio somos nós.
• Ariovaldo Ramos é pastor, bacharel em filosofia pela USP e presidente da Visão Mundial.
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