Opinião
- 31 de agosto de 2015
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Por que o mundo precisa da fé cristã?
A resposta que se pode dar a essa difícil pergunta é: Porque o mundo precisa da bondade humana para manter a salubridade operacional das lógicas de interação significantes que coexistem nas intersubjetividades presentes nele. “Como se pode depreender a ausente da fé cristã no mundo?” Pela ausência da bondade humana nele. Endossa-se essa interpretação com as palavras do hagiógrafo Paulo, o apóstolo, para o qual a fé cristã deve ser, invariavelmente, depreendida do comportamento moral: “Seja conhecida de todos os homens a vossa bondade” (Filipenses 4,5). O “seja conhecido” aqui sugere “experiência participativa” (“gnosthêto”) dos implicados no processo sociointerativo. O excesso de desconfiança dos indivíduos entre si é uma variável social da qual se infere a ausência de bondade humana em uma ordem social. Essa conclusão está nas estrelinhas do discurso parenético do Novo Testamento. Quando se tem a bondade operando como lógica de interação preponderante, os encontros interindividuais se apresentam com maior “encaixe afetivo”, flexibilidade interterapêutica e menor potencial ameaçador. Já o capital libidinoso deve ser identificado como base axiológica das interações que predominam no espaço social das “relações patocompetitivas”, relações que se travam, inclusive, no âmbito da sexualidade humana.
Se houver maior expansão das disposições afetivas, baseada no pressuposto moral da entrega generosa a outrem, haverá, certamente, menor desigualdade entre os seres humanos. Esta, afinal, é um efeito colateral da “ausência de bondade” no mundo. O capital libidinoso deflagra o retrato ético de uma tendência monocultural: a vontade coletivo-individual é dominada pela compulsão automática do “eu-quero-posso”, agora e sempre mais (lógica da economia libidinal). Essa é a lei e os profetas que virgem numa sociedade adoecida pela cultura moral da racionalidade transgressora. Os “encaixes afetivos” derivados de uma ética da bondade, entretanto, são de natureza “heteropoiéticos”, o que implica a inversão de uma lógica de funcionamento autopoiético dos indivíduos. Isso produz solidariedade orgânica na ordem social, o que aumenta o índice do capital de confiança entre os interagentes. A fé cristã, quando bem entendida e praticada corretamente, produz a cura de uma consciência coletiva degenerada.
Ademais, nesse espaço social, contingenciado pela operacionalidade da “razão transgressora”, o capital libidinoso tende a provocar o isolamento do indivíduo à medida que sua referência de psicologia hedônica se torna autoerógena. A compulsividade passa a ser uma disposição moral de recompensa imediata. Para manter a legitimidade do ato compulsivo (mecânico), o indivíduo tende a se transformar em narcísico, o que implica assumir um modo de vida determinado pela crença de “autorreferencialidade ontológica”. O vício é uma lógica de interação autogratificante que produz experiências de “alienação interafetiva”. A fé cristã, contudo, preconiza um ethos baseado não na busca, mas na “entrega do eu para o tu”. Desse modo, o senso de desamparo ontológico não é sentido, pois nela não é o outro que se aproxima do ego, mas o inverso (o bom samaritano). A moral cristã desfuncionaliza a motoricidade do capital libidinoso que, nesse caso, tende a ser deslocado para a “margem”, enquanto a bondade operacional tende a se deslocar para o “centro” da vida cultural de uma sociedade unida pelo ideal de vida na “dikaiosýne” (a “justiça” entendida em sua dimensão micro compartilhada), vida com esperança de encontros desconflitivos.
Como decorrência, o medo ontológico se despotencializa e a tensão social das lógicas de interação também, lógicas que passam a se reconfigurar através de uma gramática moral com sentido interterapêutico. A esperança se revitaliza, pois a vida do outro passa a ser percebida não mais como ameaça, mas como parte constitutiva de uma mega solidariedade orgânica. A bondade, enquanto lógica de interação, se torna um referencial do ego para pensar a realidade de vida do outro, e não a sua. Esse modelo de existência na bondade foi apresentado pela fé cristã, e colocado no mítico personagem do Superman. Na fé cristã se tem exemplos históricos de “epifanias da bondade”; nas estórias do Superman, o que se tem é apenas a “projeção hipostática” de um ideal cultural que, na prática, desumanizou o indivíduo (na civilização moderna) por conta da vigência de uma “racionalização capitalística” (Max Weber) operacionalizando nela. Esta, por sinal, deu suporte a uma crença matricial coletiva no capitalismo ocidental: “tempo é dinheiro”. Nesta, infelizmente, a bondade se eclipsou. Somente na fé cristã a bondade pode ser revivenciada plenamente. Pelas “razões destranscendentes”, aqui argumentadas, se pode confirmar a sentença: “Sim, o mundo precisa da fé cristã”. Mundo sem bondade se torna um mundo adoecido e adoecedor, em dimensões micro e macrossociais.
Notas:
1. Sobre esse tema, ver PIRES, A. C. . A (in)sustentabilidade da vida humana no mundo sem fé. Ciberteologia (São Paulo. Edição em Português), v. IX, p. 47-71, 2013.
2. Esse tema foi tratado no IV Seminário Interdisciplinar, na cidade de Goiânia (Dezembro de 2013).
3. Sugiro a leitura PIRES, A. C. O fim da religião e o último homem: uma crítica à razão destranscendente. Ciberteologia (São Paulo. Edição em Português), v. 10, p. 32-59, 2014.
• Anderson Clayton Pires é doutor em sociologia (UFRGS) e doutor em teologia (IEPG-EST). Integra, como professor convidado, o corpo docente do Centro Luterano de Estudos Psicossociológicos e Poimênicos. É casado com Cristina, pai de Diogo e Renata.
Foto: Penny Mathews/www.freeimages.com
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