Opinião
- 16 de novembro de 2010
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Passando por aquele inferno
Chico Buarque, no auge da ditadura militar no Brasil, escreveu esta linda música, “O que será”, falando sobre a paranoia daqueles tempos bicudos. Lá no final da letra, Chico escreve com maestria: “E mesmo padre eterno / Que nunca foi lá / Olhando aquele inferno / Vai abençoar! / O que não tem governo / Nem nunca terá! / O que não tem vergonha / Nem nunca terá! / O que não tem juízo...”.
Apesar de falar sobre um momento específico na história do Brasil, a letra de Chico me salta aos olhos por outro problema. Neste trecho, parece desnudar um problema que muita gente no mundo, inclusive eu, enfrenta: a depressão.
Infelizmente não se achou uma cura efetiva para este mal. Aliás, nem sei como andam as pesquisas a respeito. Sei que no meio secular esta questão está sendo tratada com muito mais atenção e carinho que no meio cristão.
Para quem nunca teve esta experiência, descrevê-la se torna um pouco inglório. Para ilustrar, a depressão é como um bicho que vai roendo o corpo por dentro, a partir das entranhas e da mente. Com sua saliva ácida, vai corroendo a mente e o corpo da pessoa, até que não reste muita coisa daquilo que Deus originalmente projetou. Ou seja, aos poucos, a pessoa vai se zumbificando. A vida se torna um fardo. O fato de saber que vai levantar no outro dia torna o sono algo ruim.
Para piorar, somos mestres em jogar mais carga nos ombros de quem sofre de depressão. Damos sempre aquelas desculpas esfarrapadas para disfarçar nossa indiferença e individualismo com um manto de falsa santidade. Aconselha-se ler mais a Bíblia, orar mais, jejuar mais, até dizimar mais! Isso quando não se parte para a possessão demoníaca pura e simples!
Mas o que muita gente não sabe é que a própria igreja evangélica é fator gerador de muitos casos de depressão. O contraste entre aquilo que a Bíblia ensina e a prática eclesiástica é abissal. Pesquisas indicam que 47,5% dos pastores, padres e ministros sofrem de alguma doença psicológica, incluindo a depressão. Isso quando não se parte logo para o suicídio, gerado pela iniquidade institucionalizada da igreja evangélica.
Enquanto produzia este texto fui acometido de uma forte crise depressiva. Nesta crise, a fé se esfarelou, a visão de futuro sumiu, a esperança deixou de existir. Não fosse a pronta atuação de minha esposa, eu teria me matado. Ainda estou lidando com os cacos, mas a nuvem negra sobre minha cabeça começou a dissipar e consigo ver já alguma coisa à frente. A fé ainda está bem machucada, porém espero que venha a se recuperar plenamente.
“Aquele inferno” do Chico Buarque era, certamente, as entranhas do governo militar dos anos 70. Mas “aquele inferno” de muita gente, em vez disso, é sua permanente angústia e desassossego. É “aquele inferno” que carrego. Não tem demônios, mas tem a psique entortada; não há fogo e enxofre literal, mas uma perene tormenta interna.
Entretanto, quando me volto à Palavra, fico mais aliviado. Ali vejo gente boa que passou a mesma coisa que eu. Elias quis morrer (1 Rs 19.4). Jeremias se achou um lixo (“Não passo de uma criança”, disse ele em resposta ao chamado de Deus – Jr 1.6). Jó amaldiçoou a notícia de seu nascimento (Jó 3.3). Timóteo, jovem pastor da igreja de Éfeso, ficou paralisado com a depressão (2 Tm 1.4-7). Jesus chegou a afirmar que estava triste como a morte (Mt 26.37, 38).
Portanto, meu sentimento de inadequação para a vida e para o ministério foi partilhado por bastante gente antes de mim, e agora mesmo continua partilhado por outro punhado de gente. Mas sempre procuro me lembrar que “aquele inferno” recebeu a visita do “padre eterno”, ao contrário da música do Chico. E ele nos lembra que está conosco, até mesmo nas profundezas mais extremas da alma (Sl 139.8). Enfim, quando passo por “aquele inferno”, procuro me lembrar que Jesus não é chamado de Emanuel à toa (Mt 1.23). Ele é Deus comigo.
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Apesar de falar sobre um momento específico na história do Brasil, a letra de Chico me salta aos olhos por outro problema. Neste trecho, parece desnudar um problema que muita gente no mundo, inclusive eu, enfrenta: a depressão.
Infelizmente não se achou uma cura efetiva para este mal. Aliás, nem sei como andam as pesquisas a respeito. Sei que no meio secular esta questão está sendo tratada com muito mais atenção e carinho que no meio cristão.
Para quem nunca teve esta experiência, descrevê-la se torna um pouco inglório. Para ilustrar, a depressão é como um bicho que vai roendo o corpo por dentro, a partir das entranhas e da mente. Com sua saliva ácida, vai corroendo a mente e o corpo da pessoa, até que não reste muita coisa daquilo que Deus originalmente projetou. Ou seja, aos poucos, a pessoa vai se zumbificando. A vida se torna um fardo. O fato de saber que vai levantar no outro dia torna o sono algo ruim.
Para piorar, somos mestres em jogar mais carga nos ombros de quem sofre de depressão. Damos sempre aquelas desculpas esfarrapadas para disfarçar nossa indiferença e individualismo com um manto de falsa santidade. Aconselha-se ler mais a Bíblia, orar mais, jejuar mais, até dizimar mais! Isso quando não se parte para a possessão demoníaca pura e simples!
Mas o que muita gente não sabe é que a própria igreja evangélica é fator gerador de muitos casos de depressão. O contraste entre aquilo que a Bíblia ensina e a prática eclesiástica é abissal. Pesquisas indicam que 47,5% dos pastores, padres e ministros sofrem de alguma doença psicológica, incluindo a depressão. Isso quando não se parte logo para o suicídio, gerado pela iniquidade institucionalizada da igreja evangélica.
Enquanto produzia este texto fui acometido de uma forte crise depressiva. Nesta crise, a fé se esfarelou, a visão de futuro sumiu, a esperança deixou de existir. Não fosse a pronta atuação de minha esposa, eu teria me matado. Ainda estou lidando com os cacos, mas a nuvem negra sobre minha cabeça começou a dissipar e consigo ver já alguma coisa à frente. A fé ainda está bem machucada, porém espero que venha a se recuperar plenamente.
“Aquele inferno” do Chico Buarque era, certamente, as entranhas do governo militar dos anos 70. Mas “aquele inferno” de muita gente, em vez disso, é sua permanente angústia e desassossego. É “aquele inferno” que carrego. Não tem demônios, mas tem a psique entortada; não há fogo e enxofre literal, mas uma perene tormenta interna.
Entretanto, quando me volto à Palavra, fico mais aliviado. Ali vejo gente boa que passou a mesma coisa que eu. Elias quis morrer (1 Rs 19.4). Jeremias se achou um lixo (“Não passo de uma criança”, disse ele em resposta ao chamado de Deus – Jr 1.6). Jó amaldiçoou a notícia de seu nascimento (Jó 3.3). Timóteo, jovem pastor da igreja de Éfeso, ficou paralisado com a depressão (2 Tm 1.4-7). Jesus chegou a afirmar que estava triste como a morte (Mt 26.37, 38).
Portanto, meu sentimento de inadequação para a vida e para o ministério foi partilhado por bastante gente antes de mim, e agora mesmo continua partilhado por outro punhado de gente. Mas sempre procuro me lembrar que “aquele inferno” recebeu a visita do “padre eterno”, ao contrário da música do Chico. E ele nos lembra que está conosco, até mesmo nas profundezas mais extremas da alma (Sl 139.8). Enfim, quando passo por “aquele inferno”, procuro me lembrar que Jesus não é chamado de Emanuel à toa (Mt 1.23). Ele é Deus comigo.
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Casado, duas filhas, é pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil desde 1997. Graduado em teologia e mestre em missões urbanas pela FTSA, é autor de "Princípios Esquecidos" (Editora AGBooks).
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