Opinião
- 15 de abril de 2010
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O sofrimento do inocente
Derval Dasilio
Dos tiroteios nas favelas, dos pontos onde se localizam guerras e conflitos armados, ao terrorismo da Al Qaeda, o peso maior do sofrimento recai sobre os inocentes. O que é mais doloroso: morrer dilacerado por bombas terroristas, ou morrer soterrado nos deslizamentos das ocupações urbanas em encostas perigosas ou por lavas de um vulcão? Em virtude do amor de Deus pelo mundo e pelo ser humano, como João explicitou, devemos confiar na solidariedade de Deus, que sofre com o mal. Ele carrega, desde sempre, a história de sofrimento do mundo. E esse sofrimento não resulta apenas dos terremotos, dos dilúvios, das catástrofes naturais. O grande sofrimento de Deus reside na injustiça dos homens. Ela está sob julgamento. Mas a resposta evangélica, sim, é paradoxal e assombrosa: “A grandeza extrema da fé cristã provém do fato de não buscar remédio sobrenatural contra o sofrimento, e sim no uso sobrenatural do sofrimento” (Simone Weil).
Todos querem buscar a felicidade sem sofrimento. Mas será possível? Por outro prisma: é possível ser feliz sem sofrimento? O evangelho contraria quem pensa assim. Paulo dirá mais: “Alegramo-nos, também, nos sofrimentos” (Rm 5.3-5). Jesus Cristo inaugura um novo pacto entre Deus e os homens. Seu evangelho é boa-nova também diante do sofrimento. É impossível imaginar Jesus sem padecimentos. De fato, "o Evangelho começa onde termina o livro de Jó" (Hans Küng).
É somente pela ótica da fé que cabe contemplar a dor, não como inimiga, mas enquanto a possibilidade terrível, porém sempre útil, de despertar nossa verdadeira condição. E diante de Deus restaurar a plenitude de nossa vocação mais verdadeira. A consequência imediata da percepção do sofrimento à luz do evangelho é seu valor pedagógico: "O sofrimento como fonte de saber", escrevia Weil, sob experiências angustiantes e perplexidades que aconteciam face à perseguição e o extermínio pretendido de uma raça inteira, antes e durante a Segunda Guerra Mundial.
Ou então, dito de forma mais abrangente, para todos os tempos: "Sem sofrimento, não há sabedoria" (Larrañaga). Como se diz em inglês, do sofrimento se pode sair “bitter” ou “better”, “amargurados” ou “melhorados”, e aperfeiçoados em nosso ser. Ninguém em sã consciência daria como bom a dor masoquista, mas em meio a uma comunidade pusilânime, que concebe a dor como mal em si mesmo, fugindo dela custe o que custar, não é exagero recordar o fato de que o sofrimento desperta o homem de seu comodismo e o força a pôr em jogo o mais próprio e oculto de si: "Sofro, logo, existo" (Unamuno).
A vitória paradoxal do Cristo de Deus se manifesta em múltiplas expressões. Num sentido profundo e difícil de ser comunicado fora da linguagem da fé, o cristão aceita seu sofrimento fazendo seu o testemunho do apóstolo Paulo: "Completo em minha carne o que falta às tribulações de Cristo, por seu corpo, que é a Igreja" (Cl 1.24). A Bíblia insiste, sobre os efeitos terapêuticos do sofrimento no cristão, por mais que em si mesmo nunca seja recebido com agrado: “refina a fé” (1Pe 1.5-7), “contribui para a maturidade” (Tt 1.2-4), “permite ¬expor as obras de Deus” (Jo 9.1-3), “(con)forma o homem à imagem de Cristo, que tudo sofreu” (Rm 8.28-29), “produz a firmeza de caráter verdadeira” (Rm 5.3-5). O Cristo de Deus sofre ainda hoje porque os homens rejeitam o reino.
Como verdadeira descarga vital, a dor sacode qualquer adormecimento, fulmina a imaturidade e leva o homem frequentemente a níveis muito mais profundos de com¬preensão de si mesmo e do mundo. De onde a força da declaração cristã: “Qualquer sofrimento integrado em Cristo perde a sua desesperança e até sua própria feiura" (E. Mounier). Somente a fé vital, pessoal e dinâmica em Deus tornará possível a fecundidade pedagógica da dor: "Alegramo-nos também nos sofrimentos, conscientes de que os sofrimentos produzem a paciência, a paciência consolida a fidelidade, a fidelidade consolidada produz a esperança, e a esperança não nos engana...” (Rm 5.3-5). Até mesmo a maior dor pode ser assumida se for “provida de sentido”; muito pior que a pior das dores é sofrê-la sem propósito que a dignifique, sem compartilhar da causa de Cristo.
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Dos tiroteios nas favelas, dos pontos onde se localizam guerras e conflitos armados, ao terrorismo da Al Qaeda, o peso maior do sofrimento recai sobre os inocentes. O que é mais doloroso: morrer dilacerado por bombas terroristas, ou morrer soterrado nos deslizamentos das ocupações urbanas em encostas perigosas ou por lavas de um vulcão? Em virtude do amor de Deus pelo mundo e pelo ser humano, como João explicitou, devemos confiar na solidariedade de Deus, que sofre com o mal. Ele carrega, desde sempre, a história de sofrimento do mundo. E esse sofrimento não resulta apenas dos terremotos, dos dilúvios, das catástrofes naturais. O grande sofrimento de Deus reside na injustiça dos homens. Ela está sob julgamento. Mas a resposta evangélica, sim, é paradoxal e assombrosa: “A grandeza extrema da fé cristã provém do fato de não buscar remédio sobrenatural contra o sofrimento, e sim no uso sobrenatural do sofrimento” (Simone Weil).
Todos querem buscar a felicidade sem sofrimento. Mas será possível? Por outro prisma: é possível ser feliz sem sofrimento? O evangelho contraria quem pensa assim. Paulo dirá mais: “Alegramo-nos, também, nos sofrimentos” (Rm 5.3-5). Jesus Cristo inaugura um novo pacto entre Deus e os homens. Seu evangelho é boa-nova também diante do sofrimento. É impossível imaginar Jesus sem padecimentos. De fato, "o Evangelho começa onde termina o livro de Jó" (Hans Küng).
É somente pela ótica da fé que cabe contemplar a dor, não como inimiga, mas enquanto a possibilidade terrível, porém sempre útil, de despertar nossa verdadeira condição. E diante de Deus restaurar a plenitude de nossa vocação mais verdadeira. A consequência imediata da percepção do sofrimento à luz do evangelho é seu valor pedagógico: "O sofrimento como fonte de saber", escrevia Weil, sob experiências angustiantes e perplexidades que aconteciam face à perseguição e o extermínio pretendido de uma raça inteira, antes e durante a Segunda Guerra Mundial.
Ou então, dito de forma mais abrangente, para todos os tempos: "Sem sofrimento, não há sabedoria" (Larrañaga). Como se diz em inglês, do sofrimento se pode sair “bitter” ou “better”, “amargurados” ou “melhorados”, e aperfeiçoados em nosso ser. Ninguém em sã consciência daria como bom a dor masoquista, mas em meio a uma comunidade pusilânime, que concebe a dor como mal em si mesmo, fugindo dela custe o que custar, não é exagero recordar o fato de que o sofrimento desperta o homem de seu comodismo e o força a pôr em jogo o mais próprio e oculto de si: "Sofro, logo, existo" (Unamuno).
A vitória paradoxal do Cristo de Deus se manifesta em múltiplas expressões. Num sentido profundo e difícil de ser comunicado fora da linguagem da fé, o cristão aceita seu sofrimento fazendo seu o testemunho do apóstolo Paulo: "Completo em minha carne o que falta às tribulações de Cristo, por seu corpo, que é a Igreja" (Cl 1.24). A Bíblia insiste, sobre os efeitos terapêuticos do sofrimento no cristão, por mais que em si mesmo nunca seja recebido com agrado: “refina a fé” (1Pe 1.5-7), “contribui para a maturidade” (Tt 1.2-4), “permite ¬expor as obras de Deus” (Jo 9.1-3), “(con)forma o homem à imagem de Cristo, que tudo sofreu” (Rm 8.28-29), “produz a firmeza de caráter verdadeira” (Rm 5.3-5). O Cristo de Deus sofre ainda hoje porque os homens rejeitam o reino.
Como verdadeira descarga vital, a dor sacode qualquer adormecimento, fulmina a imaturidade e leva o homem frequentemente a níveis muito mais profundos de com¬preensão de si mesmo e do mundo. De onde a força da declaração cristã: “Qualquer sofrimento integrado em Cristo perde a sua desesperança e até sua própria feiura" (E. Mounier). Somente a fé vital, pessoal e dinâmica em Deus tornará possível a fecundidade pedagógica da dor: "Alegramo-nos também nos sofrimentos, conscientes de que os sofrimentos produzem a paciência, a paciência consolida a fidelidade, a fidelidade consolidada produz a esperança, e a esperança não nos engana...” (Rm 5.3-5). Até mesmo a maior dor pode ser assumida se for “provida de sentido”; muito pior que a pior das dores é sofrê-la sem propósito que a dignifique, sem compartilhar da causa de Cristo.
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É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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