Opinião
- 31 de maio de 2021
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O racismo e a grande comissão (parte 2)
Reflexões globais sobre um pecado universal
Por Jennifer Javed Khan, Rebecca Yin Foo, Paul Lewis e Susan Ann Samuel
Na primeira parte deste artigo,[1] discutimos as várias abordagens ao racismo e fomos lembrados de que, como cristãos, “evangelismo e envolvimento sociopolítico fazem parte de nosso dever cristão”.[2]
Nesta parte, estamos trazendo mais algumas reflexões a partir de perspectivas globais, para enfatizar como o racismo sob suas muitas matizes pode dessensibilizar nossa consciência e enfraquecer nossas convicções. Somos os guardiões dos nossos irmãos, bons vizinhos, e não apenas observadores. Choramos com aqueles que choram? Como podemos ser solidários com os vulneráveis e marginalizados?
Criando um coração de solidariedade
Os protestos contra o racismo nos Estados Unidos e no mundo me fizeram refletir mais profundamente sobre os versículos de Gênesis 1.26-28. Por que tratamos uma pessoa melhor do que a outra? Por que uma pessoa é considerada superior a outra que tenha menos dinheiro em sua conta bancária? Por que o passado de alguém deveria definir seu futuro? Um bom exemplo são as gêmeas da família Singerl: gêmeas que permaneceram no mesmo ventre por nove meses, mas que nasceram com cores de pele diferentes. Se Deus não tem nenhum problema com a cor da nossa pele, seja ela escura ou clara, por que então nós temos?
Como uma menina asiática paquistanesa e com uma tez um pouco mais escura do que minhas irmãs, fui vítima de racismo e defendo todos os que sofrem ataques raciais, física ou mentalmente. Eu costumava receber comentários como: “Quem vai escolher casar-se com você? Use este creme para clarear a pele”. Em minha cultura é comum rotular as pessoas com descrições relacionadas às suas áreas sensíveis – gordo, magro, alto, baixo, claro, escuro, são alguns exemplos. Levou até minha adolescência para eu me achar bonita e achar a cor da minha pele bonita, já que fui feita à imagem de Deus.
Nosso mundo é diversificado: vemos diferentes grupos étnicos em diferentes regiões. As pessoas não podem controlar sua própria aparência; é a expressão dos genes em características físicas. Com o tempo, os genes que não conseguiram dominar acabarão desaparecendo. Isto é chamado de seleção natural. A ciência explica nossas diferentes origens ancestrais. Mas de acordo com o conceito bíblico somos todos uma raça (“um sangue” em Atos 17.26); a raça humana vem de nossos ancestrais, Adão e Eva.
Quando estamos confiantes e seguros na palavra de Deus, só então podemos apreciar a diversidade da raça humana e sermos solidários com aqueles que estão sendo discriminados.[3]
• Jennifer Javed Khan
Levando nossos clamores a Deus: lamento bíblico[4]
Sofrer ou testemunhar atos de racismo traz consigo uma série de sentimentos fortes. Alguns podem sentir ira ou raiva, outros sentem medo ou ansiedade, outros ainda desespero ou desesperança. Todas estas são reações normais e compreensíveis diante da injustiça do racismo. De fato, elas se alinham com a resposta de Deus à injustiça. Em toda a Bíblia, o coração de Deus pela justiça é evidente. Diversas vezes Ele se dirige aos injustos e exige justiça daqueles que o seguem (ex.: Pv. 31.8-9; Is. 10.1-4; Jr. 22.3; Mq 6.8; Tg 5.4-6). E não é de se admirar! Os atos de racismo muitas vezes resultam em respostas traumáticas, impactando o indivíduo, a família e a comunidade por gerações. Este trauma intergeracional é de amplo alcance e pode incluir relacionamentos quebrados, problemas de saúde mental como depressão e ansiedade, uso de substâncias como uma forma de diminuir a dor, desconexão da comunidade, degradação de valores culturais ou religiosos e muito mais. Este não é o plano que Deus tem para nós. Pelo contrário, Deus busca unidade na adoração “de todas as nações, tribos, povos e línguas” (Ap. 7:9).
Quando confrontamos essa desconexão entre o propósito que Deus tem para nós e a realidade do racismo e suas consequências, uma resposta inicial apropriada é a do lamento bíblico. Ao longo dos livros dos Salmos e Lamentações, nos é fornecido um modelo de conexão com nossas respostas emocionais a injustiças como o racismo. Nossas emoções não devem ser afastadas ou ignoradas, elas devem ser apropriadas e apresentadas diante de Deus. Temos um pai celestial incrível que está pronto e disposto a ouvir nossa raiva, medo e desespero. Ao trazer nossas respostas emocionais a Deus, nos conectamos com um Deus que esteve em nosso lugar, que compreende completamente a dor daqueles que estão sob ataques racistas. Mas, mais do que isso, nós nos conectamos com algo muito maior do que nós mesmos. Este é o Deus que criou o universo! E o fato surpreendente é que ele escolhe viver dentro e entre nós. Nós somos suas mãos e seus pés neste mundo. Portanto, levemos nosso clamor contra a injustiça do racismo ao Deus criador e escutemos o que Ele quer que façamos como suas testemunhas “até os confins da terra” (Atos 1.8).
• Rebecca Yin Foo
Convocação da igreja para uma visão maior
Em 1967, Martin Luther King Jr. proferiu um sermão de Natal na Ebenezer Baptist Church, durante o qual fez a seguinte declaração: “…toda a vida está inter-relacionada”. Estamos todos presos em uma rede inescapável de mutualidade, amarrados em uma única vestimenta do destino. O que quer que afete um diretamente, afeta a todos indiretamente”.[5] Estas palavras me lembraram da necessidade de ser solidário com aqueles que enfrentam lutas em diferentes países e regiões. Escrevo como um negro, mas mais ainda, como um negro da Jamaica, onde os preconceitos que enfrentamos são mais lutas de classe do que de raça, mesmo assim denegrirem. Muitas vezes me sinto tentado a olhar apenas para questões que me afetam diretamente e não dar tanta importância a outros contextos. Contudo, a realidade é que não estou desvinculado dos assuntos dos outros; a pandemia da COVID-19 é um exemplo perfeito de como todos nós podemos ser afetados. Devemos ver o “câncer” do racismo da mesma forma.
Estou me referindo diretamente à igreja quando digo “nós”. Não sou apenas um jamaicano negro, sou também parte da igreja cristã global, chamada a ser sal e luz neste mundo, ajudando a enfrentar a decadência moral e brilhar nas áreas mais escuras do coração humano e da sociedade. Como podemos ser efetivamente uma voz redentora neste espaço? Deixe-me compartilhar um exemplo que consta no livro, While the World Watched (“Enquanto o mundo observava”, em tradução livre), de Carolyn McKinstry, uma das sobreviventes da igreja que foi bombardeada em Birmingham, Alabama, que matou quatro meninas em 1963. Ela conta sua experiência durante a prática ‘Jim Crow’, a antiga prática de segregação dos negros nos EUA, e fala sobre a decisão da Suprema Corte americana em 1954, na qual seu presidente, Earl Warren, ‘ordenou que as escolas públicas da nação dessegregassem rapidamente”. Mas o estado do Alabama decidiu não cooperar com a decisão da Suprema Corte. As escolas e instalações públicas do Alabama permaneceram estritamente segregadas”.[6]
O exemplo acima é importante para mostrar que as leis podem existir para proteger, mas evidentemente não podem nos fazer amar um ao outro ou gostar um do outro. Somente o amor de Cristo pode transformar nossos corações e atitudes. A igreja precisa desafiar os companheiros cristãos não apenas a pregar o evangelho, mas também a demonstrar o amor de Cristo pelos outros, quer eles tenham ou não a mesma cor de pele.[7]
• Paul Lewis
O reino de Deus nunca foi sobre cor, tribo, etnia, classe, língua, credo ou religião
Nós, como equipe Empower da Geração de Líderes Jovens de Lausanne, estamos muito gratos por contribuir com a Análise Global de Lausanne, nosso primeiro projeto com Richard Coleman como autor principal, para expressar um clamor global e pedir aos nossos líderes da fé cristã que façam ecoar o mesmo, na paixão do Senhor. Nascemos para uma época como esta, em que a solidariedade dos trabalhadores cristãos na vanguarda da humanidade possa trazer esperança a este mundo através de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Construiremos pontes e daremos poder aos líderes mais jovens para que continuem fortes no Senhor. Por favor, junte-se a nós!
• Susan Ann Samuel
> Confira a parte 1 deste artigo aqui.
> Publicado originalmente no site do Movimento de Lausanne. Reproduzido com permissão.
> Publicado originalmente no site do Movimento de Lausanne. Reproduzido com permissão.
Sobre os autores:
• Jennifer Javed Khan trabalha com a University of Management Technology como Treinadora/Chefe da Escola Superior no Paquistão. Ela é voluntária na Naulahka Presbyterian Church, em Lahore com a Faith Seekers (faixa etária 12-16 anos), e com o grupo Educate da GLJ de Lausanne. Ela é membro da Liderança Nacional de Lausanne no Paquistão.
• Rebecca Yin Foo é Psicóloga Educacional e de Desenvolvimento, trabalhando em consultório particular em Brisbane, Austrália, apoiando crianças, jovens e suas famílias. Ela participou do Encontro de Líderes Jovens de Lausanne em 2016 e do Fórum Mundial do Trabalho em 2019. Ela é coautora de três livros de aconselhamento e está iniciando seu mestrado em Ministérios no Malyon College.
• Paul Lewis é um funcionário jamaicano da Students Christian Fellowship and Scripture Union (um membro da rede global da IFES), onde trabalha principalmente com estudantes universitários. Ele também é um apologista e escritor cristão (contribuindo mensalmente com artigos para Christian Today Australia nos últimos 6 anos). Ele lançou recentemente um podcast, "Musings: thoughts from a biblical worldview” (“Reflexões: pensamentos de um ponto de vista bíblico, em tradução livre”).
• Susan Ann Samuel é uma advogada da Índia e autora de Unseen Yet Seen. Ela agora está cursando o Mestrado em Direito Internacional na Universidade de Edimburgo. Com uma paixão por engenharia social através da lei e da capacitação, ela se sente chamada a cultivar vidas em todo o mundo através de sua carreira jurídica, escritos e discurso público.
Notas
1. Nota da editora: Veja a primeira parte deste artigo na edição de março de 2021 da Análise Global de Lausanne “O racismo e a Grande Comissão” https://lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/agl-pt-br/2021-03-pt-br/o-racismo-e-a-grande-comissao
2. Nota da editora: Veja a parte cinco de O Pacto de Lausanne https://lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/pacto-de-lausanne-pt-br/pacto-de-lausanne
3. Nota da editora: Veja o artigo de Melody J. Wachsmuth, intitulado “Uma mesa redonda para ciganos e não-ciganos”, na edição de maio de 2020 da Análise Global de Lausanne: https://lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/agl-pt-br/2020-05-pt-br/uma-mesa-redonda-com-ciganos-e-nao-ciganos
4. Editor’s note: Esau McCaulley argues that reading Scripture from the perspective of Black church tradition is invaluable for addressing the urgent issues of our times. See his book, Reading While Black: African American Biblical Interpretation as an Exercise in Hope (Downers Grove, IL: IVP Press, 2020).
5. Martin Luther King Jr., The Trumpet of Conscience (Boston: Beacon Press, 2011).
6. Carolyn Maull McKinstry, While the World Watched (Illinois: Tyndale House Publishers, 2011).
7. Nota da editora: Veja o artigo de Kirst Rievan, intitulado ‘Descobrindo a descriminação nas missões”, na edição de janeiro de 2021 da Análise Global de Lausanne: https://lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/agl-pt-br/2021-pt-br/descobrindo-a-discriminacao-nas-missoes
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