Opinião
- 19 de agosto de 2022
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O problema da pobreza e o papel do Estado
Por Anderson Paz
No Brasil, o cristão protestante é conhecido, via de regra, como alguém que, além de frequentar uma igreja evangélica semanalmente, é contra o aborto e contra as teorias de gênero. Os protestantes, por meio de uma leitura correta das Escrituras Sagradas, compreenderam que tanto a pauta abortista quanto as discussões de teoria de gênero são fundamentalmente contrárias ao ensino bíblico. Para preservar a vida humana e a família, é preciso se opor ao aborto e às teorias de gênero.
Contudo, o testemunho cristão na esfera pública em defesa da vida humana e da família parece deficitário. Parte significativa do evangelicalismo brasileiro não tem se preocupado em discutir e oferecer propostas para um dos problemas sociais que mais tem ameaçado a vida humana e a estrutura familiar: o problema da pobreza.
O cristão protestante precisa, para defender a vida humana e a família, ampliar seu discurso e preocupação pública, a fim de oferecer uma visão cristã sobre a pobreza social. Para tanto, é preciso refletir e discutir sobre o papel do Estado no enfrentamento da pobreza e da miséria.
O Estado como parte do problema
Se, por um lado, o Estado tem um importante papel no enfrentamento à pobreza, por outro, o Estado é um dos responsáveis em manter pobres na pobreza.
No cenário brasileiro, o Estado cobra uma alta carga tributária sobre o consumo que pesa mais sobre os pobres. A lógica é simples: se um produto tem 20% de imposto, o peso da carga tributária será diferente sobre quem ganha menos quando comparado a quem tem mais. O pobre precisa fazer um esforço muito maior para obter determinados produtos que para o rico é tido como valor irrisório.
Além disso, o Estado brasileiro tem mantido uma estrutura que redistribui as riquezas do país para cima. Ao passo que a carga tributária sobre o consumo pesa mais sobre os pobres, a alta elite do funcionalismo público - como a classe política e a cúpula do Legislativo, Executivo e Judiciário dos entes federal e estadual - recebe altos salários e mantém privilégios impensáveis para a maioria da população.
O Estado brasileiro também é responsável por gerar travas burocráticas e tributárias à geração de empregos formais. De fato, o Estado tem um importante papel regulador e fiscalizador das relações trabalhistas. Contudo, o excesso de burocracia e tributação torna onerosa a abertura de mais postos de emprego.
Por fim, o Estado se torna parte do problema quando é dominado por crises políticas que trazem instabilidade econômica e social, afastando investimentos e adiando o enfrentamento de problemas urgentes. Essa instabilidade leva à excessiva “judicialização da política” em que os problemas políticos passam a ser decididos por juízes que, por sua vez, são criticados por políticos gerando ainda mais instabilidade institucional.
Uma reflexão cristã sobre o problema da pobreza
O cristianismo tem uma ampla e extensa tradição que lida com o problema da pobreza em diferentes épocas. Desde a patrística, passando por reflexões agostinianas, tomistas, dos reformadores, até encíclicas papais na modernidade, várias tradições cristãs têm refletido sobre o problema da pobreza.
Uma importante tradição que pode contribuir para a reflexão cristã sobre o papel do Estado no enfrentamento do problema da pobreza é a tradição reformacional ou neocalvinista. Abraham Kuyper escreveu um livro sobre “O problema da pobreza” em que tratou sobre a postura cristã frente à pobreza. Ele defendeu que os cristãos deveriam, apoiados na ética bíblica, lidar com o problema da pobreza e oferecer soluções.
Posteriormente, o seguidor de Kuyper, Herman Dooyeweerd, escreveu sobre a necessidade de o Estado exercer uma “justiça pública” capaz de lidar com a pobreza social. Para Dooyeweerd, o Estado pode promover potencialidades de cada esfera em prol do bem comum, sempre respeitando os limites de soberania. Para tanto, o Estado deve incentivar e auxiliar ações que beneficiem os mais pobres.
Mais recentemente, inspirados em Kuyper e Dooyeweerd, os filósofos sociais Jonathan Chaplin e Roel Kuiper defenderam que o Estado deveria ser um facilitador, protetor e promovedor das interações civis, como também um incentivador e auxiliador dos laços de solidariedade. Dessa forma, poder-se-ia ter uma sociedade mais solidária, capaz de auxiliar e integrar os mais pobres a uma vida digna.
A perspectiva reformacional ou neocalvinista, portanto, rejeita tanto uma perspectiva estatista de Estado quanto individualista de sociedade. O Estado tem um importante papel em fortalecer e auxiliar a sociedade, mas não pode dominar ou colonizar as esferas sociais. Por outro lado, as estruturas sociais devem se fortalecer interna e externamente, a fim de cooperarem em prol do bem de todos.
No próximo artigo, discutiremos como, a partir de uma visão cristã reformacional, o Estado pode se tornar parte da solução do problema da pobreza.
Este artigo continua em O problema da pobreza, o Estado e o papel dos cristãos, parte 2.
- Anderson Paz é advogado e doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco.
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