Opinião
- 08 de julho de 2009
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O princípio antrópico e o debate entre ciência e religião*
1. Multiverso
Sugeriu-se que talvez existam muitos universos diferentes, cada um dos quais com leis naturais de tipos muito diferentes. Nesse vasto portfólio de mundos, haveria por puro acaso um capaz de desenvolver a vida baseada em carbono -- o nosso, é claro, desde que somos vida baseada em carbono. Um cosmo antrópico seria simplesmente um raro bilhete premiado em uma loteria multiversal.
A versão mais econômica da ideia supõe que esses diferentes mundos seriam na verdade vastos domínios dentro de um único universo físico. A forma como a simetria da GUT primordial foi quebrada na medida em que a expansão esfriou o universo, produzindo com isso as forças que hoje operam efetivamente, não precisa ser literalmente universal. Ao invés disso o cosmo poderia ser um mosaico de diferentes domínios, sendo que em cada um a quebra de simetria teria assumido uma forma diferente. Nós não temos consciência disso porque a inflação removeu todos os outros domínios da nossa vista e, é claro, o nosso domínio é necessariamente aquele no qual os resultados da quebra de simetria se encontraram com a necessidade antrópica. A ideia é plausível, mas apenas modifica em certo grau o requerimento de especificidade, pois continua sendo necessário que a GTU primitiva tenha assumido uma forma tal que, quando a sua simetria fosse quebrada, as forças produzidas por ela teriam as intensidades apropriadas.
Qualquer sugestão mais radical do que esta nos levará a um mundo de especulação que está além do escopo do pensamento físico sóbrio. Apelos questionáveis precisarão ser feitos a definições correntemente mal definidas de cosmologia quântica, ao mesmo tempo recorrendo-se a suposições “ad hoc” sobre diferenças radicais entre o caráter das leis dos mundos supostamente gerados desse modo. O multiverso, nessa forma, não é mais do que um palpite metafísico de excessiva prodigalidade ontológica -- o recurso a ele parece ser motivado, em parte, no desejo e evitar o teísmo associado à segunda abordagem.
2. Criação
O teísta pode acreditar que há apenas um universo, cujo caráter antrópico simplesmente reflita a doação de potencialidade feita por seu Criador a fim de que ele tenha uma história frutífera. Tal é também um palpite metafísico mas, em contraste com o multiverso, ele acrescenta várias explicações de outras questões além de lidar com os temas antrópicos. A maravilhosa e inteligível ordem do mundo, por exemplo, tão intrigante para o cientista, pode ser compreendida como um reflexo da mente do seu Criador. O difundido testemunho humano da experiência do encontro com a realidade do sagrado pode ser compreendido com emergindo da percepção efetiva da presença velada de Deus. Não reivindicamos que a especificidade antrópica do nosso mundo, compreendida dessa forma, proveja um argumento logicamente coercivo para a crença em Deus, ao ponto de apenas um tolo querer negá-la; mas antes que ela traz uma contribuição iluminadora ao argumento cumulativo em favor do teísmo, considerado assim a melhor explicação para a natureza do mundo em que habitamos.
Notas
1. Termo grego para “seres humanos” -- sem significar literalmente, aqui, a humanidade com suas particularidades, mas com o sentido geral de complexidade própria da vida baseada em carbono.
2. Barrow, J.D. e Tipler, F.J. “The anthropic cosmological principle”. Oxford University Press, 1986; Leslie J. “Universes”. Londres: Routledge, 1989; Holder, R.D. “God, the multiverse, and everything”. Aldershot: Ashgate, 2004.
3. Ver Denton, M.J. “Nature’s Destiny”. New York: The Free Press, 1998.
4. Para uma crítica, ver Polkinghorne, J.C. “Quantum theory; a very short introduction”. Oxford University Press, 2002. p. 90-92.
5. Polkinghorne, J.C. “Reason and reality”. SPCK, 1991. p. 77-80.
6. Leslie, J. op. cit. [2], p. 13-14.
• Dr. John Polkinghorne trabalhou com física teórica de partículas elementares por 25 anos; foi professor de física matemática na Universidade de Cambridge e presidente do “Queens’ College”, em Cambridge. É membro da “Royal Society”, foi o presidente fundador da “International Society for Science and Religion” (2002-2004) e é autor de vários livros sobre ciência e religião.
* Esse artigo é parte da série “Faraday Papers”, publicada pelo Instituto Faraday para Ciência e Religião, uma organização sem fins lucrativos para educação e pesquisa localizada em Cambridge, Reino Unido. Uma lista desses artigos está disponível em www.faraday-institute.org. Traduzido por Guilherme de Carvalho.
Sugeriu-se que talvez existam muitos universos diferentes, cada um dos quais com leis naturais de tipos muito diferentes. Nesse vasto portfólio de mundos, haveria por puro acaso um capaz de desenvolver a vida baseada em carbono -- o nosso, é claro, desde que somos vida baseada em carbono. Um cosmo antrópico seria simplesmente um raro bilhete premiado em uma loteria multiversal.
A versão mais econômica da ideia supõe que esses diferentes mundos seriam na verdade vastos domínios dentro de um único universo físico. A forma como a simetria da GUT primordial foi quebrada na medida em que a expansão esfriou o universo, produzindo com isso as forças que hoje operam efetivamente, não precisa ser literalmente universal. Ao invés disso o cosmo poderia ser um mosaico de diferentes domínios, sendo que em cada um a quebra de simetria teria assumido uma forma diferente. Nós não temos consciência disso porque a inflação removeu todos os outros domínios da nossa vista e, é claro, o nosso domínio é necessariamente aquele no qual os resultados da quebra de simetria se encontraram com a necessidade antrópica. A ideia é plausível, mas apenas modifica em certo grau o requerimento de especificidade, pois continua sendo necessário que a GTU primitiva tenha assumido uma forma tal que, quando a sua simetria fosse quebrada, as forças produzidas por ela teriam as intensidades apropriadas.
Qualquer sugestão mais radical do que esta nos levará a um mundo de especulação que está além do escopo do pensamento físico sóbrio. Apelos questionáveis precisarão ser feitos a definições correntemente mal definidas de cosmologia quântica, ao mesmo tempo recorrendo-se a suposições “ad hoc” sobre diferenças radicais entre o caráter das leis dos mundos supostamente gerados desse modo. O multiverso, nessa forma, não é mais do que um palpite metafísico de excessiva prodigalidade ontológica -- o recurso a ele parece ser motivado, em parte, no desejo e evitar o teísmo associado à segunda abordagem.
2. Criação
O teísta pode acreditar que há apenas um universo, cujo caráter antrópico simplesmente reflita a doação de potencialidade feita por seu Criador a fim de que ele tenha uma história frutífera. Tal é também um palpite metafísico mas, em contraste com o multiverso, ele acrescenta várias explicações de outras questões além de lidar com os temas antrópicos. A maravilhosa e inteligível ordem do mundo, por exemplo, tão intrigante para o cientista, pode ser compreendida como um reflexo da mente do seu Criador. O difundido testemunho humano da experiência do encontro com a realidade do sagrado pode ser compreendido com emergindo da percepção efetiva da presença velada de Deus. Não reivindicamos que a especificidade antrópica do nosso mundo, compreendida dessa forma, proveja um argumento logicamente coercivo para a crença em Deus, ao ponto de apenas um tolo querer negá-la; mas antes que ela traz uma contribuição iluminadora ao argumento cumulativo em favor do teísmo, considerado assim a melhor explicação para a natureza do mundo em que habitamos.
Notas
1. Termo grego para “seres humanos” -- sem significar literalmente, aqui, a humanidade com suas particularidades, mas com o sentido geral de complexidade própria da vida baseada em carbono.
2. Barrow, J.D. e Tipler, F.J. “The anthropic cosmological principle”. Oxford University Press, 1986; Leslie J. “Universes”. Londres: Routledge, 1989; Holder, R.D. “God, the multiverse, and everything”. Aldershot: Ashgate, 2004.
3. Ver Denton, M.J. “Nature’s Destiny”. New York: The Free Press, 1998.
4. Para uma crítica, ver Polkinghorne, J.C. “Quantum theory; a very short introduction”. Oxford University Press, 2002. p. 90-92.
5. Polkinghorne, J.C. “Reason and reality”. SPCK, 1991. p. 77-80.
6. Leslie, J. op. cit. [2], p. 13-14.
• Dr. John Polkinghorne trabalhou com física teórica de partículas elementares por 25 anos; foi professor de física matemática na Universidade de Cambridge e presidente do “Queens’ College”, em Cambridge. É membro da “Royal Society”, foi o presidente fundador da “International Society for Science and Religion” (2002-2004) e é autor de vários livros sobre ciência e religião.
* Esse artigo é parte da série “Faraday Papers”, publicada pelo Instituto Faraday para Ciência e Religião, uma organização sem fins lucrativos para educação e pesquisa localizada em Cambridge, Reino Unido. Uma lista desses artigos está disponível em www.faraday-institute.org. Traduzido por Guilherme de Carvalho.
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