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- 08 de fevereiro de 2023
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O mundo fala, Deus ouve. E nós?
Por Lissânder Dias
As notícias mais recentes não são boas: casos de grave desnutrição e outras doenças entre os yanomami em Roraima e o forte terremoto que deixou mais de 11 mil mortos na Turquia, Síria e região. Através dos rostos das pessoas e das cenas de destruição que chegam, o que o mundo está nos dizendo? Como essas “vozes” estão relacionadas com a voz de Deus? E como essas mensagens nos ensinam a agir?
Perguntas como essas foram tema da live “O que o mundo está nos dizendo sobre 2023?” realizada nessa terça-feira, dia 07, pelo projeto Diálogos de Esperança, que teve a participação de Karen Aquilo, doutoranda em ciência da religião e secretária executiva da ABU (Aliança Bíblica Universitária) e Rev. Valdinei Ferreira, doutor em Sociologia pela USP, professor, escritor e pastor da Igreja Presbiteriana Independente (IPI) do Brasil. A seguir, você lê um resumo da conversa.
Como vocês estão ouvindo o mundo?
Valdinei: “Com reverência diante da complexidade do mundo e rendição à realidade, que é mais complexa do que a sociologia ou a teologia podem explicar. Ao mesmo tempo, com a esperança em um Deus que vai diante e nós. Podemos criar o hábito de ‘orar as notícias’”.
Karen: “Chego com o desejo de ter um coração compassivo diante de Deus. Tenho refletido, a partir do livro de Êxodo, a necessidade de encurtar distâncias para que possamos ter diálogo. Estamos em comunidade na esperança de servir ao mesmo Deus”.
O que o mundo está nos dizendo por meio da dor das pessoas?
Karen: “Temos ouvido o mundo muitas vezes por meio das tantas notícias, mas o que o mundo está querendo realmente dizer que não conseguimos captar meramente pelos noticiários? O mundo pede uma presença, que é a presença de Deus. Eu tenho um filho pequeno que chora e pede minha presença, e eu a dou a ele (nunca imaginei que uma pessoa precisaria tanto de minha presença). E o mundo clama pela presença de Deus. Como nós podemos ser sinais dessa presença de Deus hoje? Ao mesmo tempo, andando por minha cidade, vejo tanta gente vivendo nas ruas e me sinto impotente. Mas o caminho da justiça é o caminho da compaixão”.
No geral, a nossa teologia evangélica tenta nos afastar do mundo e de suas vozes por causa do medo de “contaminação”. Como mudar nossa teologia a esse respeito?
Valdinei: “As ciências humanas são um preparo para nossos ouvidos e olhos enxergarem a realidade. Não as vejo como um perigo ou um desvio. Hoje minha atitude diante da realidade é muito mais como uma rendição. Eu vejo no ambiente cristão uma predominância da chamada ‘conspiritualidade’, que é quando elementos autênticos da espiritualidade cristã são colocados em uma esquematização simplista que não resiste a um olhar mais apurado. Assim substituímos a espiritualidade cristã pela ‘conspiritualidade’ baseada em teorias conspiratórias simplistas”.
Que parâmetros bíblicos você tem usado para ouvir com atenção as vozes do mundo?
Karen: “Volto-me novamente à palavra da compaixão. É algo que tenho carregado a partir do estudo do Êxodo como referência bíblica para a revelação de um Deus compassivo e justo. Ele quer estar conosco, Deus é conosco. Meu primeiro parâmetro é este: Deus resolveu caminhar conosco por meio da encarnação e do autoesvaziamento.
O segundo parâmetro é que Jesus dialogava com pessoas diferentes e ouvia as necessidades delas. Exemplos: a mulher samaritana, Nicodemos, o cego Bartimeu e o jovem rico. Ele ouviu a partir das necessidades específicas dessas pessoas, que faziam perguntas diferentes umas das outras. A escuta de Jesus se preocupava com o outro nesse nível, nessa forma. Nós também podemos olhar o outro buscando entender quais as suas necessidades e como nos conectarmos com isso. São esses dois parâmetros bíblicos que me ajudam a ouvir o mundo”.
Como Deus ouve e o que fazemos com o que ele ouve?
Valdinei: “Ele é um Deus que ouve, olha e que desce até nós. Pessoas de minha comunidade morreram na tragédia de Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019. Nós participamos de um protesto recentemente, quando se completou quatro anos do ocorrido. Foi muito triste, talvez o meu momento mais triste como pastor. Perceber o Deus que ouve é também ter os ouvidos e o coração dele. Portanto, devemos primeiramente, ter a noção da nossa precariedade e vulnerabilidade diante da realidade. Segundo, devemos responder de forma solidária”.
Como é a conversa entre a dor e a esperança?
Valdinei: “Em seu livro O curador ferido, Henri Nouwen diz que ser cristão no mundo é sofrer essas dores. Na vulnerabilidade, somos feridos e essas marcas ficam. Cristo ressuscita, mas as marcas das feridas estão lá em seu corpo. São os ‘sinais do amor’, como disse N. T. Wright. Não há uma solução, senão esse padecimento. Nesse padecimento, Deus nos consola. E aí nasce a esperança. Está no coração da mensagem do Evangelho: a morte não é definitiva, ela não dá a palavra final”.
Karen: “Por meio da compaixão de Deus e do auto esvaziamento de Cristo. Ao sentir a dor do outro, Nouwen se sentiu muito mais abençoado do que abençoou. Ter compaixão nos faz lembrar a nossa condição humana de vulnerabilidade. O caminho é aproximar-se do outro em seu sofrimento e a partir disso ser transformado e transformar”.
Como ouvir o mundo?
Claudia: “Precisamos ter a intencionalidade necessária para ouvir. Os relatos dos encontros de Jesus com as pessoas nos ensinam essa qualidade da presença de Cristo, essa escuta de enxergar o outro”.
Valdir: “Uma das palavras que cresceram nesse período para mim é discernimento. Uma das coisas que a fé cristã nos ajuda é justamente esta: ver para além das aparências, para além das palavras. Essa conjunção de acontecimentos provoca angústia e ansiedade. Os sinais ao nosso redor mostram que vivemos momentos difíceis. O que a gente faz com isso? Devemos perceber que ouvir a Deus é também ter os ouvidos dele e ser compassivo assim como ele. A gente discrimina ou vive segundo outros critérios? Os cristãos não se negam a olhar para o tempo em que vivem, mas ouvem na dimensão da compaixão, do protesto e da esperança. A última palavra vem de Deus, com seu amor e sua graça”.
**
Playlist do Diálogos de Esperança
Assista a todas as lives já realizadas aqui.
Podcast EntreLinhas, com Valdir e Silêda Steuernagel
Episódio “Ouça a Deus, Ouça o Mundo” (episódio 2).
Saiba mais:
» O Mundo, John Stott
» O Evangelho em Uma Sociedade Pluralista, Lesslie Newbigin
» Por uma espiritualidade que silencia para ouvir
» A Igreja, o País e o Mundo - desafios a uma fé engajada, Robinson Cavalcanti
As notícias mais recentes não são boas: casos de grave desnutrição e outras doenças entre os yanomami em Roraima e o forte terremoto que deixou mais de 11 mil mortos na Turquia, Síria e região. Através dos rostos das pessoas e das cenas de destruição que chegam, o que o mundo está nos dizendo? Como essas “vozes” estão relacionadas com a voz de Deus? E como essas mensagens nos ensinam a agir?
Perguntas como essas foram tema da live “O que o mundo está nos dizendo sobre 2023?” realizada nessa terça-feira, dia 07, pelo projeto Diálogos de Esperança, que teve a participação de Karen Aquilo, doutoranda em ciência da religião e secretária executiva da ABU (Aliança Bíblica Universitária) e Rev. Valdinei Ferreira, doutor em Sociologia pela USP, professor, escritor e pastor da Igreja Presbiteriana Independente (IPI) do Brasil. A seguir, você lê um resumo da conversa.
Como vocês estão ouvindo o mundo?
Valdinei: “Com reverência diante da complexidade do mundo e rendição à realidade, que é mais complexa do que a sociologia ou a teologia podem explicar. Ao mesmo tempo, com a esperança em um Deus que vai diante e nós. Podemos criar o hábito de ‘orar as notícias’”.
Karen: “Chego com o desejo de ter um coração compassivo diante de Deus. Tenho refletido, a partir do livro de Êxodo, a necessidade de encurtar distâncias para que possamos ter diálogo. Estamos em comunidade na esperança de servir ao mesmo Deus”.
O que o mundo está nos dizendo por meio da dor das pessoas?
Karen: “Temos ouvido o mundo muitas vezes por meio das tantas notícias, mas o que o mundo está querendo realmente dizer que não conseguimos captar meramente pelos noticiários? O mundo pede uma presença, que é a presença de Deus. Eu tenho um filho pequeno que chora e pede minha presença, e eu a dou a ele (nunca imaginei que uma pessoa precisaria tanto de minha presença). E o mundo clama pela presença de Deus. Como nós podemos ser sinais dessa presença de Deus hoje? Ao mesmo tempo, andando por minha cidade, vejo tanta gente vivendo nas ruas e me sinto impotente. Mas o caminho da justiça é o caminho da compaixão”.
No geral, a nossa teologia evangélica tenta nos afastar do mundo e de suas vozes por causa do medo de “contaminação”. Como mudar nossa teologia a esse respeito?
Valdinei: “As ciências humanas são um preparo para nossos ouvidos e olhos enxergarem a realidade. Não as vejo como um perigo ou um desvio. Hoje minha atitude diante da realidade é muito mais como uma rendição. Eu vejo no ambiente cristão uma predominância da chamada ‘conspiritualidade’, que é quando elementos autênticos da espiritualidade cristã são colocados em uma esquematização simplista que não resiste a um olhar mais apurado. Assim substituímos a espiritualidade cristã pela ‘conspiritualidade’ baseada em teorias conspiratórias simplistas”.
Que parâmetros bíblicos você tem usado para ouvir com atenção as vozes do mundo?
Karen: “Volto-me novamente à palavra da compaixão. É algo que tenho carregado a partir do estudo do Êxodo como referência bíblica para a revelação de um Deus compassivo e justo. Ele quer estar conosco, Deus é conosco. Meu primeiro parâmetro é este: Deus resolveu caminhar conosco por meio da encarnação e do autoesvaziamento.
O segundo parâmetro é que Jesus dialogava com pessoas diferentes e ouvia as necessidades delas. Exemplos: a mulher samaritana, Nicodemos, o cego Bartimeu e o jovem rico. Ele ouviu a partir das necessidades específicas dessas pessoas, que faziam perguntas diferentes umas das outras. A escuta de Jesus se preocupava com o outro nesse nível, nessa forma. Nós também podemos olhar o outro buscando entender quais as suas necessidades e como nos conectarmos com isso. São esses dois parâmetros bíblicos que me ajudam a ouvir o mundo”.
Como Deus ouve e o que fazemos com o que ele ouve?
Valdinei: “Ele é um Deus que ouve, olha e que desce até nós. Pessoas de minha comunidade morreram na tragédia de Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019. Nós participamos de um protesto recentemente, quando se completou quatro anos do ocorrido. Foi muito triste, talvez o meu momento mais triste como pastor. Perceber o Deus que ouve é também ter os ouvidos e o coração dele. Portanto, devemos primeiramente, ter a noção da nossa precariedade e vulnerabilidade diante da realidade. Segundo, devemos responder de forma solidária”.
Como é a conversa entre a dor e a esperança?
Valdinei: “Em seu livro O curador ferido, Henri Nouwen diz que ser cristão no mundo é sofrer essas dores. Na vulnerabilidade, somos feridos e essas marcas ficam. Cristo ressuscita, mas as marcas das feridas estão lá em seu corpo. São os ‘sinais do amor’, como disse N. T. Wright. Não há uma solução, senão esse padecimento. Nesse padecimento, Deus nos consola. E aí nasce a esperança. Está no coração da mensagem do Evangelho: a morte não é definitiva, ela não dá a palavra final”.
Karen: “Por meio da compaixão de Deus e do auto esvaziamento de Cristo. Ao sentir a dor do outro, Nouwen se sentiu muito mais abençoado do que abençoou. Ter compaixão nos faz lembrar a nossa condição humana de vulnerabilidade. O caminho é aproximar-se do outro em seu sofrimento e a partir disso ser transformado e transformar”.
Como ouvir o mundo?
Claudia: “Precisamos ter a intencionalidade necessária para ouvir. Os relatos dos encontros de Jesus com as pessoas nos ensinam essa qualidade da presença de Cristo, essa escuta de enxergar o outro”.
Valdir: “Uma das palavras que cresceram nesse período para mim é discernimento. Uma das coisas que a fé cristã nos ajuda é justamente esta: ver para além das aparências, para além das palavras. Essa conjunção de acontecimentos provoca angústia e ansiedade. Os sinais ao nosso redor mostram que vivemos momentos difíceis. O que a gente faz com isso? Devemos perceber que ouvir a Deus é também ter os ouvidos dele e ser compassivo assim como ele. A gente discrimina ou vive segundo outros critérios? Os cristãos não se negam a olhar para o tempo em que vivem, mas ouvem na dimensão da compaixão, do protesto e da esperança. A última palavra vem de Deus, com seu amor e sua graça”.
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Episódio “Ouça a Deus, Ouça o Mundo” (episódio 2).
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» Por uma espiritualidade que silencia para ouvir
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Lissânder Dias do Amaral é jornalista, blogueiro, poeta e editor de livros. Integra o Conselho Nacional da Interserve Brasil e o Conselho da Unimissional. É autor de “O Cotidiano Extraordinário – a vida em pequenas crônicas” e responsável pelo blog Fatos e Correlatos do Portal Ultimato. É um dos fundadores do Movimento Vocare e ajudou a criar as organizações cristãs de cooperação Rede Mãos Dadas e Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS).
- Textos publicados: 124 [ver]
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Site: http://www.fatosecorrelatos.com.br
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