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Opinião

"O Deus que intervém não existe"

Mauro Meister

Recentemente foi divulgado no Brasil um texto trazendo a expressão que "o Deus que intervém não existe", defendendo um Deus que lamenta, se solidariza, mas não intervém no curso da história. Essa é mais uma investida do teísmo aberto com ares tupiniquins, trazida por pensadores brasileiros que têm recebido fama e acolhida em muitas revistas evangélicas e circuitos de palestras.

O "Deus que intervém" (tradução do título de um livro de Francis Schaeffer para o português, "The God Who Is There") é o Deus da Bíblia e só posso supor que o deus do teísmo aberto não é o Deus da Bíblia. Fico pensando que esse deus é um outro deus e não o Deus que ao longo da história mostrou-se, ao intervir, o Senhor dela, apesar da visível dor humana que tanto nos marca. O problema do deus do teísmo aberto é a sua incapacidade de intervir.

Mas, segundo a Escritura, a intervenção de Deus, no que podemos conhecer dela, começa na criação, ainda que tenha nos amado antes da própria fundação do mundo. A partir de então, não parou de intervir, seja falando, agindo, alterando, mudando, fazendo tudo o que condiz com os seus propósitos eternos. Se a Escritura é de fato a Palavra de Deus, sua revelação, então o Deus que intervém existe e foi o Deus de Jó (homem que sofreu profundamente para aprender quem Deus é e que, finalmente, pode ver a Deus. Mesmo tendo sofrido, viu a graça do Deus que intervém restaurando-lhe).

O Deus da Bíblia é o Deus que é todo amor e justiça, verdade e misericórdia. É o Deus que ama e que é ofendido pelo pecado humano, ao contrário da caricatura criada pelo teísmo aberto, e que pode estar impregnada na mente de muitas pessoas. Aliás, o pecado é a grande ofensa contra Deus e não há como ler a Escritura sem perceber isto. É interessante notar que os teólogos do teísmo aberto tentam usar a Bíblia para provar o improvável por meio dela: o deus que intervém não existe.

Aliás, há uma ironia aqui. O livro de Schaeffer que teve o título traduzido como "O Deus que intervém" literalmente chama-se "O Deus que está lá", o que não faria tanto sentido na língua portuguesa. Schaeffer escreveu o livro com este nome exatamente para mostrar que na cultura do final do século 20, influenciada pelos muitos anos do desenvolvimento científico e cultural do ocidente, Deus tornou-se uma construção ideológica e não o Deus da Bíblia. O Deus que intervém e revelou-se em Jesus Cristo foi transformado pelo racionalismo humanista em um deus impotente, facilmente substituído pela capacidade humana.

Na sequência de sua famosa trilogia, Schaeffer escreveu "He Is There And He Is Not Silent" ("Ele Está Lá e Não Está Calado"), traduzido no Brasil como "O Deus que se revela", exatamente para mostrar que este Deus todo poderoso, o El-Shaddai, sempre controlou a história e se revela, trazendo esperança ao homem. O livro de Schaeffer trata a respeito deste Deus, fazendo uma defesa da epistemologia do cristianismo histórico e bíblico, de "como podemos vir a saber e como podemos saber que sabemos". O deus do teísmo aberto aparentemente se revela só no sofrimento; é fraco, incapaz de alterar qualquer coisa na história. Quando esse deus vê o sofrimento e a tragédia humana, como os acontecimentos recentes das mortes em Ilha Grande, Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, só pode chorar, sem fazer nada. A meu ver, é a “Morte da Razão” tentar defender um deus como esse (o terceiro livro na trilogia de Schaeffer).

O Deus da Bíblia é o Deus de Abraão, Isaque e Jacó; o Deus de Moisés, Davi, Isaías e Jeremias; o Deus de milhares que foram levados para o cativeiro, anonimamente, sofrendo e, ao mesmo tempo, consolados pela sua presença e certeza de que os traria de volta (senão eles mesmos, os seus filhos, porque ele disse que os traria); o Deus de Daniel, um cativo “de elite” que, ao perceber que havia chegado a hora que Deus disse que iria intervir, orou reconhecendo os seus pecados e os de seu povo e rogando que Deus agisse de acordo com sua eterna aliança (Dn 9). Se o sofrimento do povo de Israel na ida para o cativeiro não foi para cumprir os propósitos de Deus, vamos ter que arrancar a metade dos escritos dos profetas da Bíblia (Isaías, Jeremias, Habacuque etc.). Mas o Deus que intervém ordena a sua bênção para sempre (Sl 133). Bênção esta iniciada na ordem Edênica (Gn 1.28) e alcançada em Cristo, sempre para cumprir o seu eterno propósito.

O deus do teísmo aberto não passa de uma imagem construída por homens e, como caricatura, é uma péssima obra de arte. Mas, o Deus da Bíblia já enviou a sua imagem perfeita (Hb 1.3) para que conhecêssemos o perdão dos pecados, a sua intervenção na história e, finalmente, a redenção de todos os seus eleitos. Assim como fez no passado, continua a intervir hoje, pois ele sempre foi, é, e será o mesmo Deus, queiram os homens ou não.

O deus do teísmo aberto não é o Deus da Bíblia e não é o Deus daqueles que de fato creem nela. O eterno propósito desse deus é chorar com os homens. Pobre deus, pobres homens que acreditam nele.

Para saber mais sobre o teísmo aberto, recomendo o livro de John Frame "Não há outro Deus" (Cultura Cristã) e também o artigo na “Fides Reformata”, “A teologia relacional: suas conexões com o teísmo aberto e implicações para a igreja contemporânea” (Valdeci Santos).


Este artigo foi publicado originalmente no blog O Tempora, O Mores

Mauro Meister é professor de Antigo Testamento e Coordenador do programa de Mestrado em Divindade do Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper.

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