Opinião
- 25 de março de 2009
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O "Besteirol na Ciência", o cientificismo e o senso comum
E então a gente se pergunta: não fosse o cientificismo, com sua suspeita exagerada do senso comum, será que a tal pesquisa seria realizada só para dar "base empírica" ao óbvio? Talvez, se a filosofia, a teologia e a vovó fossem tratadas com menos ceticismo, sobrassem mais verbas de pesquisa para outros assuntos.
Ora, não é isso um maravilhoso exemplo do que nos disse o bom e velho Chesterton? "O louco não é um homem que perdeu a razão. O louco é um homem que perdeu tudo exceto a razão". Loucura é isso, ser profundamente rigoroso, preciso, movendo-se sempre em um círculo lógico perfeito, mas perfeitamente minúsculo de demonstrações meticulosas. Pessoas normais não aguentam viver assim de modo consistente. É cognitivamente caro demais.
A modernidade criou uma sociedade neurótica, em que fatos morais conhecidos e até bem justificados pela filosofia, pela religião ou até pelos conselhos da vovó não podem ser assumidos e aplicados na esfera pública simplesmente porque se tratam de "valores" e não de "fatos científicos", ou porque isso despertaria a atenção das patrulhas céticas ou agnósticas do mundo acadêmico. Os modernos suspendem o juízo moral, mesmo quando já estão à beira da morte, só porque um paper decisivo sobre o assunto ainda não foi publicado. Prendem a respiração para evitar intoxicações não-científicas, como se cessar a respiração fosse uma coisa inócua.
Mas enfim, se pudermos convencer algumas pessoas a voltarem a respirar, está bem. Pesquisas sobre as bases neurológicas da moral, ou sobre os benefícios de certos valores na vida humana (para dar alguns exemplos) podem ser usadas por pessoas normais como evidências de que precisamos dar mais ouvidos ao senso comum, à sensibilidade moral, à filosofia e à religião.
Nesse caso, Ruth de Aquino está errada. Pesquisar o aparentemente trivial pode ser útil quando não temos mais olhos para ver nem ouvidos para ouvir.
E ela não está errada somente por isso. Um grave perigo potencial no artigo da Época foi apontado por alguns cientistas: que estamos num país que investe pouco em ciência e não valoriza adequadamente os seus pesquisadores. Por esse ângulo, o artigo é um desserviço.
Quanto aos cientistas, eles estão certos quando defendem o dever da ciência de investigar o aparentemente óbvio e descortinar as sutilezas inesperadas da realidade; mas estão desorientados quando pretendem demolir e refazer o universo humano na base da prova empírica. Os erros da jornalista não chamarão mais a atenção do grande público do que a misantropia de pessoas, cientistas ou não, que se sentem atacadas por dar pouco valor ao senso comum e ainda conseguem se enxergar dentro das críticas ralas de Ruth de Aquino.
Em suma, a jornalista da Época e os seus críticos estão certos e errados ao mesmo tempo, por razões diferentes. Talvez o imaginário de alguns cientistas precise mesmo de uma boa dose de senso comum, e eu diria mais -- de filosofia e de conhecimentos não-científicos. Não para interromper a ciência, mas para levantar questões mais interessantes.
E talvez precisemos sim realizar essas pesquisas "triviais"; não para substituir, mas para chamar a sociedade de volta à razão não-meramente-científica e ao senso comum. Afinal, é deste solo que nascem as boas questões.
Ora, não é isso um maravilhoso exemplo do que nos disse o bom e velho Chesterton? "O louco não é um homem que perdeu a razão. O louco é um homem que perdeu tudo exceto a razão". Loucura é isso, ser profundamente rigoroso, preciso, movendo-se sempre em um círculo lógico perfeito, mas perfeitamente minúsculo de demonstrações meticulosas. Pessoas normais não aguentam viver assim de modo consistente. É cognitivamente caro demais.
A modernidade criou uma sociedade neurótica, em que fatos morais conhecidos e até bem justificados pela filosofia, pela religião ou até pelos conselhos da vovó não podem ser assumidos e aplicados na esfera pública simplesmente porque se tratam de "valores" e não de "fatos científicos", ou porque isso despertaria a atenção das patrulhas céticas ou agnósticas do mundo acadêmico. Os modernos suspendem o juízo moral, mesmo quando já estão à beira da morte, só porque um paper decisivo sobre o assunto ainda não foi publicado. Prendem a respiração para evitar intoxicações não-científicas, como se cessar a respiração fosse uma coisa inócua.
Mas enfim, se pudermos convencer algumas pessoas a voltarem a respirar, está bem. Pesquisas sobre as bases neurológicas da moral, ou sobre os benefícios de certos valores na vida humana (para dar alguns exemplos) podem ser usadas por pessoas normais como evidências de que precisamos dar mais ouvidos ao senso comum, à sensibilidade moral, à filosofia e à religião.
Nesse caso, Ruth de Aquino está errada. Pesquisar o aparentemente trivial pode ser útil quando não temos mais olhos para ver nem ouvidos para ouvir.
E ela não está errada somente por isso. Um grave perigo potencial no artigo da Época foi apontado por alguns cientistas: que estamos num país que investe pouco em ciência e não valoriza adequadamente os seus pesquisadores. Por esse ângulo, o artigo é um desserviço.
Quanto aos cientistas, eles estão certos quando defendem o dever da ciência de investigar o aparentemente óbvio e descortinar as sutilezas inesperadas da realidade; mas estão desorientados quando pretendem demolir e refazer o universo humano na base da prova empírica. Os erros da jornalista não chamarão mais a atenção do grande público do que a misantropia de pessoas, cientistas ou não, que se sentem atacadas por dar pouco valor ao senso comum e ainda conseguem se enxergar dentro das críticas ralas de Ruth de Aquino.
Em suma, a jornalista da Época e os seus críticos estão certos e errados ao mesmo tempo, por razões diferentes. Talvez o imaginário de alguns cientistas precise mesmo de uma boa dose de senso comum, e eu diria mais -- de filosofia e de conhecimentos não-científicos. Não para interromper a ciência, mas para levantar questões mais interessantes.
E talvez precisemos sim realizar essas pesquisas "triviais"; não para substituir, mas para chamar a sociedade de volta à razão não-meramente-científica e ao senso comum. Afinal, é deste solo que nascem as boas questões.
É teólogo, mestre em Ciências da Religião e diretor de L’Abri Fellowship Brasil. Pastor da Igreja Esperança em Belo Horizonte e presidente da Associação Kuyper para Estudos Transdisciplinares, é também organizador e autor de Cosmovisão Cristã e Transformação e membro fundador da Associação Brasileira Cristãos na Ciência (ABC2).
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