Opinião
- 28 de janeiro de 2022
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No altar da alta performance
Por Paulo Won
Corremos o risco de ter no Brasil um desdobramento do afã pela hiperprodutividade e altíssima competitividade como acontece com os jovens coreanos? Ou já entramos nesse barco?
No momento em que escrevo estas linhas, milhões de jovens em pelo menos dois países estão aflitos com o primeiro e grande desafio da chamada vida adulta: entrar na faculdade. Aqui em terra brasilis, terceiranistas fazem o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) para ingressar nas melhores universidades do país. E, ao mesmo tempo, na Coreia do Sul, milhões de jovens prestam um exame que, para eles, é a porta de entrada para uma vida de sucesso, ou não: o exame Suneung, mutatis mutandis, o ENEM sul-coreano. E, como todos sabem, estamos falando de competitividade em um nível alto e, para muitos, insuportável.
Àqueles que apreciam e amam o K-Pop, vale dizer que a cultura coreana vive uma séria crise educacional. Isso mesmo. A Coreia tem a fama de ser um país de ponta em educação e tecnologia. De fato é. Em termos de conteúdo, a Coreia é top, mas em termos de formação do ser humano como ser integral, aí vemos muitas deficiências que são evidentes no nível de estresse e pressão a que os jovens daquele país são submetidos: jornadas de estudo que começam às seis da manhã e terminam (se terminam) às duas da manhã do dia seguinte, por exemplo. Tudo foi construído de forma a produzir uma sociedade extremamente competitiva, em que os fracos não possuem a mínima chance de terem uma carreia estável nem a garantia de uma vida normal. Aquele que não passa com boas notas no Suneung são considerados automaticamente “incompetentes” por aquela sociedade.
Que tipo de sociedade essa educação “high level” está gerando na Coreia? Pelas pesquisas que podemos acompanhar, temos adultos com cada vez mais problemas emocionais, transtornos sexuais, compulsão, depressão e, prioritariamente, superficialidade: você cobre com o seu saber e habilidade uma grande área, mas com uma profundidade inversamente proporcional à abrangência. Por lá, a boa educação é resumida a bons professores, bom material didático, excelente didática, disciplinas rigorosas. Mas tudo para quê? Para gerar pessoas mais bem-educadas? E desde quando ser “educado” é sinônimo de ser meramente bem instruído? Naquele país, a bem da verdade, crianças sacrificam no altar das demandas dos adultos as suas preciosas horas de diversão, fantasia e brincadeiras, para serem apenas e tão somente pessoas bem-sucedidas. Se você conseguir imaginar um coreano na primeira série estudando das seis da manhã às duas da manhã do dia seguinte, todos os dias, você entenderá a loucura que aquele país vive em termos educacionais.
Corremos o risco de termos aqui no Brasil um desdobramento desse afã pela hiperprodutividade e altíssima competitividade? Eu diria que já embarcamos nesse barco há algum tempo. Precisamos encarar essa realidade com lucidez e sabedoria. É necessário haver um contrabalanceamento com a própria pedagogia e o discipulado que o Senhor Jesus nos oferece. Não que a Bíblia não tenha nada a falar sobre produtividade, competição ou êxito profissional. Mas tudo é relativizado diante do verdadeiro Senhor e do propósito maior do ser humano, que não é ser ou fazer algo, mas glorificar a Deus. E aí está o grande problema: nós estamos colocando o fruto do nosso trabalho e a excelência das nossas obras no altar da adoração, cujo lugar é de Deus. Em suma, é o evangelho que ensina a esse mundo pragmático que nós não valemos o que produzimos. Mas o que produzimos revela muito do que somos. Então, qual é o lugar do jovem cristão neste mundo? Buscar a excelência em tudo, mas sem idolatrá-la, e em tudo glorificar a Deus.
• Paulo Won é mestre em divindade e em Novo Testamento. É pastor auxiliar na Igreja Presbiteriana de Cuiabá, MT, professor de teologia no Seminário Servo de Cristo e em diversas outras instituições e diretor da Didaskalia.
Artigo publicado originalmente na edição 393 (janeiro/fevereiro de 2021) de Ultimato.
Leia mais:
» Depois da faculdade: o que ninguém te conta
Corremos o risco de ter no Brasil um desdobramento do afã pela hiperprodutividade e altíssima competitividade como acontece com os jovens coreanos? Ou já entramos nesse barco?
No momento em que escrevo estas linhas, milhões de jovens em pelo menos dois países estão aflitos com o primeiro e grande desafio da chamada vida adulta: entrar na faculdade. Aqui em terra brasilis, terceiranistas fazem o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) para ingressar nas melhores universidades do país. E, ao mesmo tempo, na Coreia do Sul, milhões de jovens prestam um exame que, para eles, é a porta de entrada para uma vida de sucesso, ou não: o exame Suneung, mutatis mutandis, o ENEM sul-coreano. E, como todos sabem, estamos falando de competitividade em um nível alto e, para muitos, insuportável.
Àqueles que apreciam e amam o K-Pop, vale dizer que a cultura coreana vive uma séria crise educacional. Isso mesmo. A Coreia tem a fama de ser um país de ponta em educação e tecnologia. De fato é. Em termos de conteúdo, a Coreia é top, mas em termos de formação do ser humano como ser integral, aí vemos muitas deficiências que são evidentes no nível de estresse e pressão a que os jovens daquele país são submetidos: jornadas de estudo que começam às seis da manhã e terminam (se terminam) às duas da manhã do dia seguinte, por exemplo. Tudo foi construído de forma a produzir uma sociedade extremamente competitiva, em que os fracos não possuem a mínima chance de terem uma carreia estável nem a garantia de uma vida normal. Aquele que não passa com boas notas no Suneung são considerados automaticamente “incompetentes” por aquela sociedade.
Que tipo de sociedade essa educação “high level” está gerando na Coreia? Pelas pesquisas que podemos acompanhar, temos adultos com cada vez mais problemas emocionais, transtornos sexuais, compulsão, depressão e, prioritariamente, superficialidade: você cobre com o seu saber e habilidade uma grande área, mas com uma profundidade inversamente proporcional à abrangência. Por lá, a boa educação é resumida a bons professores, bom material didático, excelente didática, disciplinas rigorosas. Mas tudo para quê? Para gerar pessoas mais bem-educadas? E desde quando ser “educado” é sinônimo de ser meramente bem instruído? Naquele país, a bem da verdade, crianças sacrificam no altar das demandas dos adultos as suas preciosas horas de diversão, fantasia e brincadeiras, para serem apenas e tão somente pessoas bem-sucedidas. Se você conseguir imaginar um coreano na primeira série estudando das seis da manhã às duas da manhã do dia seguinte, todos os dias, você entenderá a loucura que aquele país vive em termos educacionais.
Corremos o risco de termos aqui no Brasil um desdobramento desse afã pela hiperprodutividade e altíssima competitividade? Eu diria que já embarcamos nesse barco há algum tempo. Precisamos encarar essa realidade com lucidez e sabedoria. É necessário haver um contrabalanceamento com a própria pedagogia e o discipulado que o Senhor Jesus nos oferece. Não que a Bíblia não tenha nada a falar sobre produtividade, competição ou êxito profissional. Mas tudo é relativizado diante do verdadeiro Senhor e do propósito maior do ser humano, que não é ser ou fazer algo, mas glorificar a Deus. E aí está o grande problema: nós estamos colocando o fruto do nosso trabalho e a excelência das nossas obras no altar da adoração, cujo lugar é de Deus. Em suma, é o evangelho que ensina a esse mundo pragmático que nós não valemos o que produzimos. Mas o que produzimos revela muito do que somos. Então, qual é o lugar do jovem cristão neste mundo? Buscar a excelência em tudo, mas sem idolatrá-la, e em tudo glorificar a Deus.
• Paulo Won é mestre em divindade e em Novo Testamento. É pastor auxiliar na Igreja Presbiteriana de Cuiabá, MT, professor de teologia no Seminário Servo de Cristo e em diversas outras instituições e diretor da Didaskalia.
Artigo publicado originalmente na edição 393 (janeiro/fevereiro de 2021) de Ultimato.
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