Opinião
- 27 de abril de 2007
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Não aprendeu a rir e fez o que fez
Robson Ramos
Os incidentes envolvendo estudantes africanos na Universidade de Brasília há poucas semanas e, de forma emblemática, a tragédia protagonizada pelo estudante sul-coreano Cho Seuns-Hui na Universidade Virginia Tech, nos Estados Unidos, há pouco mais de uma semana, me fizeram recordar os tempos em que eu fazia pós-graduação naquele país.
Tive muitos conhecidos e amigos por lá. Alguns deles são amigos até hoje. Vários deles tinham o perfil do Cho Seuns-Hui. Outros, nem tanto.
Um desses conhecidos era um americano de nome “Chip”. Morávamos na mesma república perto do campus da Universidade de Maryland. No quarto dele havia uma pequena coleção de armas, de pequeno e grande porte. Um fuzil fazia parte da coleção, assim como um sabre de Samurai, original. De vez em quando a gente ouvia uns “clicks” de gatilho vindos do quarto dele. Ele dizia que estava fazendo manutenção. Naqueles momentos não ficava um em casa.
Pela república passou também um indiano, Navin. Ele fazia doutorado em filosofia. Antes de ir para os Estados Unidos fazia teatro. Lembrava o Omar Sharif. Lembro-me bem dele sentado na escada do lado de fora da casa para poder fumar, mesmo no inverno. Em casa usava roupas típicas do seu país e dizia fazer parte da mais elevada casta indiana, que ele mesmo batizou de casta dos “hindus existencialistas”. Sempre tivemos conversas ótimas.
É uma pena que as igrejas não dêem atenção às necessidades dos estudantes estrangeiros no Brasil. Mas ainda há tempo. Eles estão por toda parte, especialmente nas universidades federais.
Mesmo vivendo situações relativamente mais tranqüilas, os estudantes estrangeiros em nosso país têm algumas coisas em comum e que só podem ser compreendidas por quem já foi estrangeiro em outras terras. Em primeiro lugar, eles são “estrangeiros”. Estão longe de sua terra, cultura, língua e especialmente de sua família — e família é o que mais faz falta. Ser estrangeiro em outro país é uma experiência rica sob vários aspectos, mas é também marcada pela solidão, pela sensação de não-pertencimento e muitas vezes por um sentimento de desamparo.
É preciso ressaltar que muitos desses estudantes estrangeiros representam a nata acadêmica de seu país de origem. Eventualmente irão ocupar posições de liderança em áreas ligadas à política, economia, pesquisa e economia quando voltarem à terra natal. Orgulho-me de ter alguns desses como amigos até hoje. O “David” é um deles. Conhecemo-nos numa festa de estudantes estrangeiros no bairro de Georgetown, capital americana. Ele namorava uma brasileira e fazia mestrado em urbanismo. Anos mais tarde ele entrou para o serviço diplomático do seu país. Tornou-se diplomata de carreira, e dos bons. Fala cinco idiomas, incluindo o português, que aprendeu quando veio trabalhar no consulado de seu país em São Paulo. Durante os dois anos que aqui ficou, com sua esposa, estávamos sempre juntos. Não vai demorar muito e ele será embaixador num país asiático.
Outro amigo daquela época é um sul-coreano de nome Woo. Certa vez ele me convidou para um jantar típico em sua casa, que ele mesmo preparou. Freqüentávamos a mesma igreja. Por não falar inglês com a fluência desejada e por ser baixinho, para os padrões americanos, ele tinha dificuldade para se integrar ao grupo. Procurei ajudá-lo, fazendo uso de um certo tipo de humor e “cara-de-pau” — no bom sentido. Aos poucos ele foi se soltando e aprendendo a ver graça em situações nas quais outras pessoas só vêem o lado sério. No final ríamos muito. E rir fazia, e ainda faz, bem. Woo e eu nos tornamos grandes amigos. Até hoje mantemos contato via e-mail.
É lamentável que muita gente ainda não tenha aprendido a rir. Meu amigo Woo aprendeu. Ao que tudo indica, entretanto, o seu conterrâneo que virou notícia não teve a mesma sorte.
No meu livro Evangelização no Mercado Pós-Moderno (Editora Ultimato), dedico um capítulo a essa temática. Quem se interessar pode conferir.
• Robson Ramos é acadêmico da Faculdade de Direito de Salto — CEUNSP, bacharel em teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo e mestre em Estudos do Novo Testamento pelo Pittsburgh Theological Seminary, nos Estados Unidos.
http://www.mateus21.com.br/blog/
Os incidentes envolvendo estudantes africanos na Universidade de Brasília há poucas semanas e, de forma emblemática, a tragédia protagonizada pelo estudante sul-coreano Cho Seuns-Hui na Universidade Virginia Tech, nos Estados Unidos, há pouco mais de uma semana, me fizeram recordar os tempos em que eu fazia pós-graduação naquele país.
Tive muitos conhecidos e amigos por lá. Alguns deles são amigos até hoje. Vários deles tinham o perfil do Cho Seuns-Hui. Outros, nem tanto.
Um desses conhecidos era um americano de nome “Chip”. Morávamos na mesma república perto do campus da Universidade de Maryland. No quarto dele havia uma pequena coleção de armas, de pequeno e grande porte. Um fuzil fazia parte da coleção, assim como um sabre de Samurai, original. De vez em quando a gente ouvia uns “clicks” de gatilho vindos do quarto dele. Ele dizia que estava fazendo manutenção. Naqueles momentos não ficava um em casa.
Pela república passou também um indiano, Navin. Ele fazia doutorado em filosofia. Antes de ir para os Estados Unidos fazia teatro. Lembrava o Omar Sharif. Lembro-me bem dele sentado na escada do lado de fora da casa para poder fumar, mesmo no inverno. Em casa usava roupas típicas do seu país e dizia fazer parte da mais elevada casta indiana, que ele mesmo batizou de casta dos “hindus existencialistas”. Sempre tivemos conversas ótimas.
É uma pena que as igrejas não dêem atenção às necessidades dos estudantes estrangeiros no Brasil. Mas ainda há tempo. Eles estão por toda parte, especialmente nas universidades federais.
Mesmo vivendo situações relativamente mais tranqüilas, os estudantes estrangeiros em nosso país têm algumas coisas em comum e que só podem ser compreendidas por quem já foi estrangeiro em outras terras. Em primeiro lugar, eles são “estrangeiros”. Estão longe de sua terra, cultura, língua e especialmente de sua família — e família é o que mais faz falta. Ser estrangeiro em outro país é uma experiência rica sob vários aspectos, mas é também marcada pela solidão, pela sensação de não-pertencimento e muitas vezes por um sentimento de desamparo.
É preciso ressaltar que muitos desses estudantes estrangeiros representam a nata acadêmica de seu país de origem. Eventualmente irão ocupar posições de liderança em áreas ligadas à política, economia, pesquisa e economia quando voltarem à terra natal. Orgulho-me de ter alguns desses como amigos até hoje. O “David” é um deles. Conhecemo-nos numa festa de estudantes estrangeiros no bairro de Georgetown, capital americana. Ele namorava uma brasileira e fazia mestrado em urbanismo. Anos mais tarde ele entrou para o serviço diplomático do seu país. Tornou-se diplomata de carreira, e dos bons. Fala cinco idiomas, incluindo o português, que aprendeu quando veio trabalhar no consulado de seu país em São Paulo. Durante os dois anos que aqui ficou, com sua esposa, estávamos sempre juntos. Não vai demorar muito e ele será embaixador num país asiático.
Outro amigo daquela época é um sul-coreano de nome Woo. Certa vez ele me convidou para um jantar típico em sua casa, que ele mesmo preparou. Freqüentávamos a mesma igreja. Por não falar inglês com a fluência desejada e por ser baixinho, para os padrões americanos, ele tinha dificuldade para se integrar ao grupo. Procurei ajudá-lo, fazendo uso de um certo tipo de humor e “cara-de-pau” — no bom sentido. Aos poucos ele foi se soltando e aprendendo a ver graça em situações nas quais outras pessoas só vêem o lado sério. No final ríamos muito. E rir fazia, e ainda faz, bem. Woo e eu nos tornamos grandes amigos. Até hoje mantemos contato via e-mail.
É lamentável que muita gente ainda não tenha aprendido a rir. Meu amigo Woo aprendeu. Ao que tudo indica, entretanto, o seu conterrâneo que virou notícia não teve a mesma sorte.
No meu livro Evangelização no Mercado Pós-Moderno (Editora Ultimato), dedico um capítulo a essa temática. Quem se interessar pode conferir.
• Robson Ramos é acadêmico da Faculdade de Direito de Salto — CEUNSP, bacharel em teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo e mestre em Estudos do Novo Testamento pelo Pittsburgh Theological Seminary, nos Estados Unidos.
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