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Opinião

Luzes, câmera... e Jesus

Dezembro, tempo de Advento seguido do tempo de Natal. Mas nossa proposta neste espaço do Portal Ultimato é tratar de cinema. Então, nada mais natural que pensar em filmes que falam sobre Jesus. O espaço exíguo disponível dado a esta coluna não permitirá esgotar o assunto. Por isso, serão lembrados alguns destes filmes.

Antes de prosseguir, uma dica bibliográfica: um estudo muito bem documentado e muito bem produzido, metodologicamente falando, é “Filmes de Cristo. 8 Aproximações”, de Luiz Vadico1. Trata-se da versão em livro do doutorado em Comunicação do autor, defendida na UNICAMP. Na obra, Vadico defende o que chama de “cristologia fílmica”, estabelecendo uma ponte entre a cristologia (recorrendo a Oscar Cullmann, um dos gigantes da teologia bíblica de meados do século passado) e as apresentações de Jesus no cinema, começando com “Reis dos reis”, de Cecil B. DeMille (o mesmo que mais tarde ficaria famoso com “Os Dez Mandamentos”), de 1927.

Observa-se que muito cedo os cineastas interessaram-se por Jesus enquanto tema de cinema. Conforme Vadico (p. 14-15) já no tempo do cinema mudo havia interesse pelo tema, como demonstra o filme “Da manjedoura à cruz”, 1912, rodado em locações na então Palestina e no Egito. Outros filmes famosos sobre Jesus são “O Evangelho segundo São Mateus”, de Pier Paolo Pasolini, de 1964 (muito curioso, por tratar-se de produção de um cineasta marxista, e portanto, ateu), grande sucesso, de crítica e de público; “A maior história de todos os tempos”, de 1965, com um ator sueco (Max Von Sidow) no papel principal, e “Jesus Cristo Superstar”, de 1973. Este filme merece consideração especial, por ter sido uma “transgressão”, em termos de linguagem, e da perspectiva cristã, da visão teológica propriamente: uma adaptação de uma ópera-rock de Tim Rice e Andrew Lloyd-Webber (autores de sucessos como “Tommy, Evita”, e mais recentemente, “O mágico de Oz”), apresenta, na ótica da chamada contracultura dos anos de 1970, um Jesus com crise de identidade (o título do filme já diz tudo: Jesus é um “superstar”, não o Messias).

Não podem ficar de fora desta lista, que, não custa repetir, não pretende esgotar o assunto, “Jesus de Nazaré” (1977), de Franco Zefirelli. Esta é uma produção clássica, ortodoxa, por assim dizer (Zefirelli não se permite nenhuma aventura heterodoxa, como em “Jesus Cristo Superstar”). O ator inglês Robert Powell faz um Jesus muito ocidental, com seu cabelo castanho e seus brilhantes olhos azuis (há quem diga que ele é o ator mais belo de todos os tempos a viver o papel de Jesus). Mencione-se ainda “A vida de Brian” (1979), de Terry Jones, integrante da antiga turma do Monty Python. O Monty Python, de saudosa memória, era uma espécie de “Casseta e Planeta” inglês, com uma sofisticação filosófica que faltou à trupe brasileira (também de saudosa memória). O filme, como tudo que os comediantes ingleses fizeram, é iconoclasta ao extremo. Brian é um menino que nasce em Belém na mesma hora em que Jesus está nascendo, em uma casinha ao lado de onde Maria está dando à luz. A cena em que os magos entram nesta casa da mãe do menino Brian, dão os presentes, mas depois descobrem o equívoco, voltam e tomam os presentes de volta é simplesmente hilária... Desnecessário dizer que o filme provocou muitas críticas, mas os humoristas britânicos sempre se defenderam que não “esculhambaram” com Jesus, mas com Brian. Também é desnecessário dizer que não poucos religiosos não aceitaram esta desculpa.

Mas ainda mais polêmico foi “A última tentação de Cristo” (1988), de Martin Scorcese. Uma adaptação do livro do romancista grego Nikos Kazantzakis, o filme relata o embate de Jesus consigo mesmo, ou melhor, com a tentação de não ser crucificado, e viver uma vida como todos os judeus da Galileia do seu tempo, constituindo família e morrendo “de velho”. Jesus imagina como poderia ter sido sua vida se optasse por este caminho, como teria sido se ele tivesse se casado com Madalena e tivesse tido filhos com ela, mas resolve cumprir sua missão, e escolhe a cruz. Willem Dafoe, louro de olhos azuis, mesmo sendo muito anglo-saxão para representar um judeu galileu do primeiro século, fez o papel de Jesus. Muito bom ator que é, deu conta do recado, e muito bem.

Outro exemplo da “cristologia fílmica” que fez muito sucesso foi “A paixão de Cristo” (2004), dirigido e produzido por Mel Gibson. Filme famoso por ter sido todo falado em aramaico, com exceção do diálogo entre Jesus e Pilatos, que conforme Gibson, aconteceu em latim da Vulgata de São Jerônimo (algo que historicamente não tem a menor base). O filme causou espécie, por sua violência e brutalidade excessivas (a cena do espancamento de Jesus antes da cruz é surreal de violenta, pois Jesus sofre um açoitamento que seria capaz de matar um cavalo) e por ter sido baseado mais nas visões de uma freira alemã chamada Anna Emerich, que viveu na virada do século XVIII para o XIX que no texto dos evangelhos canônicos.

O mais recente sobre Jesus é “O Filho de Deus”, de 2014, que segue uma linha bem tradicional, sem ousadias da parte do seu diretor, Christopher Spencer.

Não pode, de modo algum, ficar fora desta lista o filme intitulado apenas “Jesus” (1979), distribuído pela Cruzada Estudantil e Profissional para Cristo. O filme segue o roteiro do terceiro evangelho: Lucas. Ele nunca entrou no circuitão comercial de Hollywood, o que é uma injustiça, por ser o filme mais dublado de toda a história do cinema.

Também vale lembrar os filmes que tratam indiretamente de Jesus. À exceção do mencionado “A vida de Brian”, todos são ortodoxos e solenes na sua apresentação de Cristo. É o caso de “O quarto sábio”, de 1985, estrelado por Martin Sheen (pai do encrenqueiro Charlie Sheen, que, curiosamente, faz uma ponta no filme). Sheen é Artaban, que seria o quarto sábio do Oriente a visitar Jesus, mas por várias circunstâncias ele se atrasa, e ao longo do caminho, vai gastando os presentes (pérolas) que levara para dar ao menino Jesus. Ele se depara com situações de pessoas com necessidades e usa as pérolas para ajudá-las. Com um atraso de 33 anos, ele se encontra com Jesus apenas na hora da cruz, e lamenta por não ter mais nada para dar de presente. Jesus diz que já tinha recebido os presentes. Artaban, confuso, pergunta o que Jesus quis dizer com aquilo, e ouve como resposta: “sempre que você deu a um daqueles em necessidade, era a mim que você estava dando seus presentes”. Emocionante, tocante e comovente. Outros filmes nesta linha são os famosos “Quo vadis” (1951) e “Ben Hur” (1959).

A época dos grandes e majestosos épicos bíblicos hollywoodianos já passou. Ok, você poderá dizer: “mas e ‘Noé’ e ‘Deuses e Reis?’, por exemplo?”. E eu lhe responderei: certo, são produções grandiosas, mas não se enquadram no modelo de filme dos anos de 1950, que eram fieis à tradição cristã e/ou ao relato bíblico. “Noé” e “Deuses e Reis” são releituras de relatos bíblicos, sem compromisso de fidelidade à tradição cristã e às narrativas escriturísticas, assim como, de certa forma, o já mencionado “A paixão de Cristo”, de Mel Gibson.

Mas, com certeza, outros filmes ainda serão produzidos a respeito de Jesus. Estes filmes podem ser inspiradores, podem ser usados como material evangelístico ou como fonte de ilustrações para pregações. Além de um excelente, mesmo que óbvio, ponto de contato entre a teologia e o cinema.

Nota:
1. Vadico, Luis. “Filmes de Cristo. 8 aproximações”. São Paulo: Editora a Lápis, 2009.

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A pessoa mais importante do mundo
O incomparável Cristo

Foto: Cena do filme (mais recente) “O Filho de Deus”.

É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
  • Textos publicados: 83 [ver]

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