Opinião
- 27 de junho de 2014
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Igreja e universidade (parte 3)
Quando nos referimos à igreja e universidade, temos em mente duas realidades que são plurais. Embora escritas no singular, estas duas palavras reúnem uma diversidade de pensamentos, tendências, práticas, propostas, políticas e crenças.
A universidade no Brasil compreende as instituições públicas, as privadas, as confessionais ou as fundações. Dentre as públicas existem as federais e as estaduais, dentre as privadas estão as confessionais, as não confessionais e as fundações, que são instituições mistas. Todas elas são regidas por uma legislação e submetidas ao MEC (Ministério da Educação). As privadas, com algumas exceções, estão voltadas para o mercado sem a preocupação estrita com a pesquisa. As públicas conjugam o tripé do ensino, da pesquisa e da extensão, sem desconsiderar as demandas do mercado de trabalho.
Uma universidade, portanto, está determinada por políticas nacionais, regionais e locais, tornando-se um universo muito complexo. Por um lado, este espaço de produção dos diferentes saberes reproduz a sociedade mais ampla com as suas contradições, conflitos e dramas; por outro, ele estuda, pesquisa, experimenta e propõe soluções de vanguarda para as mudanças sociais com qualidade e justiça. Desemboca nele o que há de mais humano em suas necessidades, carências, dúvidas, deficiências e crises, levando seus agentes a permanentemente refletir sobre a condição humana em seus limites e possibilidades.
As soluções ali buscadas não tomam como referência o sagrado ou o religioso. Dado o seu caráter científico, a observação, a análise, a pesquisa, o conhecimento dos fenômenos naturais e humanos são feitos por meio de teorias, métodos e tecnologias. Este conjunto de procedimentos desloca o religioso como um fenômeno cultural e humano e como um objeto a ser pesquisado, não mais como uma visão de mundo final e absoluta que antecede o saber humanamente concebido. Nos primórdios das universidades no ocidente este referencial religioso era determinante, mas foi sendo deslocado para uma posição de inferioridade ou de concorrência, gerando os conflitos entre a ciência e a religião, protagonizados pelo debate entre criacionismo e evolucionismo que atravessou o século 20.
Sendo assim, a universidade é um espaço secularizado na sua concepção, nas suas práticas, nos seus métodos e na sua institucionalidade. No entanto, ela está permeada pelo sagrado sob diferentes formas, seja numa capela ecumênica, em reuniões de grupos liderados por estudantes como a ABU (Aliança Bíblica Universitária) ou nos relacionamentos mediados por valores baseados em crenças religiosas. Nos ambientes administrativos encontram-se símbolos religiosos que demonstram o comprometimento de um gestor com uma dada crença que pretensamente determina as suas ações. Por sua vez, nas datas principais da instituição e no calendário cristão oficial das festas e dias de santos, são oficiadas cerimônias religiosas de proposta ecumênica.
Sendo um espaço de diálogo crítico permanente, a universidade proporciona oportunidades de testemunho religioso em meio a tensões e conflitos de ideias. Ali, Deus é apresentado de diferentes formas. São evangélicos, católicos, espíritas, budistas, umbandistas e outras variedades de crenças – ou descrenças! – que se insurgem no contexto acadêmico, anunciando suas ideias e tentando fazer seguidores. Numa sala de aula, numa mesa redonda, nos corredores, no restaurante universitário, no ponto de ônibus, nos intervalos ou nos colóquios a questão do religioso é recorrente e mesmo inevitável. E, assim como acontece na sociedade, o ambiente acadêmico também se torna um campo de disputas, preconceitos e discriminações recíprocas entre os seguidores.
Neste cenário ainda incompleto aqui colocado, vemos a universidade como lugar do reino de Deus, pois ali o Evangelho fermenta toda a massa, não necessariamente por causa da presença dos evangélicos enquanto segmento religioso. O enfrentamento sincero da condição humana em suas angústias e limites possibilita a pergunta pela verdade, pela eternidade, pela vida, pela justiça, pela paz, pela salvação. Uma presença cristã na universidade não será pela disputa, pelo acirramento de preconceitos, pela negação do outro e pela imposição da verdade particular. Não podemos fazer da universidade uma igreja particular.
Nota: este é o terceiro e último artigo da série “Igreja e Universidade”. Um resgate histórico da relação entre ambos pode ajudar a melhorar a relação hoje. Leia o primeiro e o segundo artigos.
Foto: Entrada do Laboratório de Microscopia da Estação Ciência, projeto do Centro de Difusão Científica, Tecnológica e Cultural da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP, no bairro da Lapa, em São Paulo. Foto: Marcos Santos.
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Uma universidade, portanto, está determinada por políticas nacionais, regionais e locais, tornando-se um universo muito complexo. Por um lado, este espaço de produção dos diferentes saberes reproduz a sociedade mais ampla com as suas contradições, conflitos e dramas; por outro, ele estuda, pesquisa, experimenta e propõe soluções de vanguarda para as mudanças sociais com qualidade e justiça. Desemboca nele o que há de mais humano em suas necessidades, carências, dúvidas, deficiências e crises, levando seus agentes a permanentemente refletir sobre a condição humana em seus limites e possibilidades.
As soluções ali buscadas não tomam como referência o sagrado ou o religioso. Dado o seu caráter científico, a observação, a análise, a pesquisa, o conhecimento dos fenômenos naturais e humanos são feitos por meio de teorias, métodos e tecnologias. Este conjunto de procedimentos desloca o religioso como um fenômeno cultural e humano e como um objeto a ser pesquisado, não mais como uma visão de mundo final e absoluta que antecede o saber humanamente concebido. Nos primórdios das universidades no ocidente este referencial religioso era determinante, mas foi sendo deslocado para uma posição de inferioridade ou de concorrência, gerando os conflitos entre a ciência e a religião, protagonizados pelo debate entre criacionismo e evolucionismo que atravessou o século 20.
Sendo assim, a universidade é um espaço secularizado na sua concepção, nas suas práticas, nos seus métodos e na sua institucionalidade. No entanto, ela está permeada pelo sagrado sob diferentes formas, seja numa capela ecumênica, em reuniões de grupos liderados por estudantes como a ABU (Aliança Bíblica Universitária) ou nos relacionamentos mediados por valores baseados em crenças religiosas. Nos ambientes administrativos encontram-se símbolos religiosos que demonstram o comprometimento de um gestor com uma dada crença que pretensamente determina as suas ações. Por sua vez, nas datas principais da instituição e no calendário cristão oficial das festas e dias de santos, são oficiadas cerimônias religiosas de proposta ecumênica.
Sendo um espaço de diálogo crítico permanente, a universidade proporciona oportunidades de testemunho religioso em meio a tensões e conflitos de ideias. Ali, Deus é apresentado de diferentes formas. São evangélicos, católicos, espíritas, budistas, umbandistas e outras variedades de crenças – ou descrenças! – que se insurgem no contexto acadêmico, anunciando suas ideias e tentando fazer seguidores. Numa sala de aula, numa mesa redonda, nos corredores, no restaurante universitário, no ponto de ônibus, nos intervalos ou nos colóquios a questão do religioso é recorrente e mesmo inevitável. E, assim como acontece na sociedade, o ambiente acadêmico também se torna um campo de disputas, preconceitos e discriminações recíprocas entre os seguidores.
Neste cenário ainda incompleto aqui colocado, vemos a universidade como lugar do reino de Deus, pois ali o Evangelho fermenta toda a massa, não necessariamente por causa da presença dos evangélicos enquanto segmento religioso. O enfrentamento sincero da condição humana em suas angústias e limites possibilita a pergunta pela verdade, pela eternidade, pela vida, pela justiça, pela paz, pela salvação. Uma presença cristã na universidade não será pela disputa, pelo acirramento de preconceitos, pela negação do outro e pela imposição da verdade particular. Não podemos fazer da universidade uma igreja particular.
Nota: este é o terceiro e último artigo da série “Igreja e Universidade”. Um resgate histórico da relação entre ambos pode ajudar a melhorar a relação hoje. Leia o primeiro e o segundo artigos.
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Lyndon de Araújo Santos é historiador, professor universitário e pastor da Igreja Evangélica Congregacional em São Luís, MA. Faz parte da Fraternidade Teológica Latino-americana - Setor Brasil (FTL-Br).
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