Opinião
- 24 de fevereiro de 2006
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Identidade e diferença - o indígena e o cristianismo*
7. Questionamento de alguns aspectos culturais
Na Bíblia, nem tudo em uma cultura era considerado positivo. Por exemplo, alguns povos da palestina, local onde até hoje o povo de Israel mora, tinham como costume oferecer seus próprios filhos para serem queimados como sacrifício aos seus deuses [14]. Alguns reis israelitas, juntamente com o povo de Israel, copiaram esse costume, como se pode ver no rei Acaz e no rei Manassés [15].
O sacrifício de criança foi descrito como uma coisa ruim por Ezequiel [16]. Deus disse que nunca havia ordenado esse tipo de procedimento [17]. Assim, o rei Josias destruiu os altares onde se colocava as crianças no fogo [18].
Portanto, não se precisa deixar esse tipo de traço cultural permanecer e ficar ativo em cultura alguma. Em relação aos indígenas evangélicos, eles é que devem, como uma comunidade de crentes, regidos pelos princípios bíblicos e dirigidos pelo Espírito Santo, decidir o que mudar, o que manter e o que incluir na cultura deles. Eles podem consultar seus irmãos e irmãs crentes não indígenas, mas a decisão final deve ser deles como crentes de uma igreja indígena madura e responsável. Quem melhor sabe do indígena é o indígena. E quem melhor sabe do indígena cristão é o indígena cristão.
8. Identidade do cristão
Os discípulos de Jesus Cristo foram pela primeira vez chamados de “cristãos” em Antioquia [19]. No entanto, o cristão é melhor identificado na Bíblia por outros rótulos,
como: “Novo homem", "nova criatura","Cidadão celestial" [20].
Entre esses novos seres, novas pessoas, novas criaturas não existe divisões ou hierarquias opressivas [21]. Não existe separação entre judeus e gregos, livres e presos, indígenas e não indígenas. Todos somos iguais perante Cristo.
Um exemplo de um povo indígena e de um indivíduo indígena que se tornaram um novo povo e uma nova criatura, respectivamente, é registrado pela missionária Lenita Assis. Diz ela em relação aos Dâw, do Amazonas:
“A partir de 1984, missionários da Associação Linguística Evangélica Missionária, começaram a estudar sua língua e prestar assistência ã saúde. Através de uma atividadc missionária holística (ou seja, geral e total - explicação minha) de apoio e valorização da imagem, o próprio povo, consciente da exploração a que foi submetido, passou a se mobilizar para manter uma vida de melhor qualidade” (Assis, 2004:11).
Como resultado dessa iniciativa, a auto-estima da etnia Dâw passou a ser valorizada. Até mesma a designação com a qual eram chamados mudou:
“Por isso, eles não aceitam mais que os tratem por "Kamã", insistindo que são Dâw. Muitos moradores de São Gabriel, estão entendendo essa situação e, pelo menos na frente deles não usam mais o termo Kamã, e sim Dâw como desejam ser reconhecidos" (op.cit.: 12).
O termo "Kamã" não fez parte do vocabulário Dâw, é uma expressão pejorativa, significando, de acordo com o dicionário da língua Tariana: "capotado, aquele que bebeu até cair" (Assis, op.cit.:7). Esse apelido veio de o fato do povo Dâw como um todo embriagar-se demais no passado na cidade de São Gabriel da Cachoeira. Quando não havia cachaça, eles bebiam álcool de farmácia. Quando não havia álcool, ingeriam desodorante. Eles perderam suas terras e viviam como mendigos na cidade. O evangelho trouxe dignidade a essa comunidade indígena. Os capotados, os que bebiam até cair deixaram de existir enquanto povo. Um novo grupo social surgiu. O povo Kamã não existe mais. Existe o povo Dâw. A população de São Gabriel está admirada pela transformação positiva que o evangelho causou nessa etnia indígena.
Essa dignidade e auto-estima, características de uma nova criatura, é percebida também a nível individual e não apenas a nível social. Sobre um indivíduo Dâw que se converteu, Lenita Assis relata o seguinte:
“Quando o chamam de Pirarara, ele diz que não é mais, o Pirarara já morreu, agora ele é o Jair. Os antigos amigos chegam a dizer que agora ele virou "branco", não é mais índio. E ele responde que é índio sim, quer dizer: não "Kamã", não Pirarara, mas Jair-Dâw” (op.cit: 15).
Contestando esse tipo de idéia de que o Dâw deixa de ser indígena ao se converter, ao exercer melhor a sua auto-estima e a sua dignidade, Lenita Assis afirma:
“Possivelmente, alguns tendem a pensar que tais pessoas estão "perdendo sua identidade de indígena". No entanto, elas perdem de vista que está acontecendo justamente o contrário. Esses indivíduos se afirmam ainda mais como indígenas. Uma vez que passam a escolher, fazer ou não uma reapropriação de referenciais simbólicos disponíveis e fixados em contextos históricos e sócio-culturais específicos” (Assis, op.cit.: 15).
As transformações positivas ocorridas na vida de um novo convertido não constituem surpresa nenhuma, pois ele adquire uma nova identidade, ele torna-se em um novo ser, uma nova criatura, um cidadão celestial, seja ele indígena ou não indígena. Paradoxalmente, um novo convertido continua parcialmente sendo o que era. Se era não indígena, continua sendo não indígena; se era indígena, continua sendo indígena. Como disse Lenita Assis, o indígena que se converte pode se firmar como mais indígena ainda, pois o evangelho sempre traz dignidade para os que aceitam Jesus Cristo como seu salvador e senhor.
9. Acusação irresponsável
A antropóloga Domique Gallois sempre se pronuncia contra alguns missionários. Ela diz que eles estão destruindo as culturas indígenas. Isso implica dizer que os missionários estariam fazendo os indígenas deixarem de ser diferentes para serem iguais aos não-indígenas em seu modo de viver.
Ela também fala que os missionários não compreendem as idéias básicas da antropologia, porque, segundo ela, não sabem a diferença entre "dinâmica" e "mudança" cultural. A dinâmica cultural seria a alteração que não causa prejuízo para a cultura; a mudança cultural seria a alteração que causa prejuízo para a mesma. Os projetos que ela desenvolve em algumas áreas indígenas seriam exemplos de aproveitamento da dinâmica cultural desses povos. A evangelização que os missionários efetuam em áreas indígenas seriam exemplos de mudança cultural. Para ela, os esforços dos acadêmicos sempre seriam bons para os indígenas e as iniciativas missionárias seriam sempre ruins.
Apenas para mostrar que isso não reflete a realidade, vamos comentar um dos programas de Dominique. O programa “Vídeo na Aldeia” e é implementado por ela e por Vicente Carelli. Um dos alunos desse programa fez um depoimento na TV Cultura, no dia 19 de janeiro de 2000. Ele disse:
Minha mulher só fala nisso pra mim: “Tu tá filmando, tá filmando. Você tem filho, não pode viajar muito, você tem que cuidar nosso filho.” Eu já falei pra ele, pra ela também: “A profissão minha é filmá, é pra isso que eu nasci, é pra filmá. Num é pra enxada, num é pra pegar machado, num é pra fazer roça.” Eu já falei isso pra ele [ou seja, pra ela]”, (foi no "Obrigado Irmão", Programa Zoom da TV Cultura)
A antropóloga Dominique quer que entendamos isso como dinâmica cultural e não como mudança cultural. Mas onde já se viu um indígena aldeado nascer para não pegar em instrumento de trabalho manual? Só nos projetos de Dominique! Como se pode ver, a própria esposa do indígena citado entende isso como mudança no modo de vida deles como família e não como mera dinâmica de seus costumes tradicionais. Em outras palavras, o projeto de Dominique está atrapalhando a vida familiar-cultural do casal indígena. E quem faz essa acusação não são os missionários, é a esposa do indígena que sente na pele o prejuízo que o projeto causa em sua vida em casa.
Na realidade, ser profissional de filmagem não impede um indígena de ser lavrador (ou pescador, ou caçador). Da mesma forma, ser cristão não impede um indígena de ser indígena.
Notas
14. 2 Reis 3.27 e 16.3; 2 Crônicas 28.2-3.
15. 2 Reis 17.16-17; 21.5; 2 Crônicas 33.5-6.
16. Ezequiel 16.20-21; 20.16, 31; 23.37.
17. Jeremias 7.31,19.5,32.35.
18. 2 Reis 23.10.
19. Atos 11.26.
20. Efésios 2.15b; 4.22-24; Gálatas 6.15; Hebreus 11.16; Gálatas 2.19.
21. Gálatas 3.28; 6.15.
* Brasília, Setembro de 2004. Apresentado no Conselho Nacional de Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas (CONPLEI) - Dourados, 2 de setembro de 2004
Na Bíblia, nem tudo em uma cultura era considerado positivo. Por exemplo, alguns povos da palestina, local onde até hoje o povo de Israel mora, tinham como costume oferecer seus próprios filhos para serem queimados como sacrifício aos seus deuses [14]. Alguns reis israelitas, juntamente com o povo de Israel, copiaram esse costume, como se pode ver no rei Acaz e no rei Manassés [15].
O sacrifício de criança foi descrito como uma coisa ruim por Ezequiel [16]. Deus disse que nunca havia ordenado esse tipo de procedimento [17]. Assim, o rei Josias destruiu os altares onde se colocava as crianças no fogo [18].
Portanto, não se precisa deixar esse tipo de traço cultural permanecer e ficar ativo em cultura alguma. Em relação aos indígenas evangélicos, eles é que devem, como uma comunidade de crentes, regidos pelos princípios bíblicos e dirigidos pelo Espírito Santo, decidir o que mudar, o que manter e o que incluir na cultura deles. Eles podem consultar seus irmãos e irmãs crentes não indígenas, mas a decisão final deve ser deles como crentes de uma igreja indígena madura e responsável. Quem melhor sabe do indígena é o indígena. E quem melhor sabe do indígena cristão é o indígena cristão.
8. Identidade do cristão
Os discípulos de Jesus Cristo foram pela primeira vez chamados de “cristãos” em Antioquia [19]. No entanto, o cristão é melhor identificado na Bíblia por outros rótulos,
como: “Novo homem", "nova criatura","Cidadão celestial" [20].
Entre esses novos seres, novas pessoas, novas criaturas não existe divisões ou hierarquias opressivas [21]. Não existe separação entre judeus e gregos, livres e presos, indígenas e não indígenas. Todos somos iguais perante Cristo.
Um exemplo de um povo indígena e de um indivíduo indígena que se tornaram um novo povo e uma nova criatura, respectivamente, é registrado pela missionária Lenita Assis. Diz ela em relação aos Dâw, do Amazonas:
“A partir de 1984, missionários da Associação Linguística Evangélica Missionária, começaram a estudar sua língua e prestar assistência ã saúde. Através de uma atividadc missionária holística (ou seja, geral e total - explicação minha) de apoio e valorização da imagem, o próprio povo, consciente da exploração a que foi submetido, passou a se mobilizar para manter uma vida de melhor qualidade” (Assis, 2004:11).
Como resultado dessa iniciativa, a auto-estima da etnia Dâw passou a ser valorizada. Até mesma a designação com a qual eram chamados mudou:
“Por isso, eles não aceitam mais que os tratem por "Kamã", insistindo que são Dâw. Muitos moradores de São Gabriel, estão entendendo essa situação e, pelo menos na frente deles não usam mais o termo Kamã, e sim Dâw como desejam ser reconhecidos" (op.cit.: 12).
O termo "Kamã" não fez parte do vocabulário Dâw, é uma expressão pejorativa, significando, de acordo com o dicionário da língua Tariana: "capotado, aquele que bebeu até cair" (Assis, op.cit.:7). Esse apelido veio de o fato do povo Dâw como um todo embriagar-se demais no passado na cidade de São Gabriel da Cachoeira. Quando não havia cachaça, eles bebiam álcool de farmácia. Quando não havia álcool, ingeriam desodorante. Eles perderam suas terras e viviam como mendigos na cidade. O evangelho trouxe dignidade a essa comunidade indígena. Os capotados, os que bebiam até cair deixaram de existir enquanto povo. Um novo grupo social surgiu. O povo Kamã não existe mais. Existe o povo Dâw. A população de São Gabriel está admirada pela transformação positiva que o evangelho causou nessa etnia indígena.
Essa dignidade e auto-estima, características de uma nova criatura, é percebida também a nível individual e não apenas a nível social. Sobre um indivíduo Dâw que se converteu, Lenita Assis relata o seguinte:
“Quando o chamam de Pirarara, ele diz que não é mais, o Pirarara já morreu, agora ele é o Jair. Os antigos amigos chegam a dizer que agora ele virou "branco", não é mais índio. E ele responde que é índio sim, quer dizer: não "Kamã", não Pirarara, mas Jair-Dâw” (op.cit: 15).
Contestando esse tipo de idéia de que o Dâw deixa de ser indígena ao se converter, ao exercer melhor a sua auto-estima e a sua dignidade, Lenita Assis afirma:
“Possivelmente, alguns tendem a pensar que tais pessoas estão "perdendo sua identidade de indígena". No entanto, elas perdem de vista que está acontecendo justamente o contrário. Esses indivíduos se afirmam ainda mais como indígenas. Uma vez que passam a escolher, fazer ou não uma reapropriação de referenciais simbólicos disponíveis e fixados em contextos históricos e sócio-culturais específicos” (Assis, op.cit.: 15).
As transformações positivas ocorridas na vida de um novo convertido não constituem surpresa nenhuma, pois ele adquire uma nova identidade, ele torna-se em um novo ser, uma nova criatura, um cidadão celestial, seja ele indígena ou não indígena. Paradoxalmente, um novo convertido continua parcialmente sendo o que era. Se era não indígena, continua sendo não indígena; se era indígena, continua sendo indígena. Como disse Lenita Assis, o indígena que se converte pode se firmar como mais indígena ainda, pois o evangelho sempre traz dignidade para os que aceitam Jesus Cristo como seu salvador e senhor.
9. Acusação irresponsável
A antropóloga Domique Gallois sempre se pronuncia contra alguns missionários. Ela diz que eles estão destruindo as culturas indígenas. Isso implica dizer que os missionários estariam fazendo os indígenas deixarem de ser diferentes para serem iguais aos não-indígenas em seu modo de viver.
Ela também fala que os missionários não compreendem as idéias básicas da antropologia, porque, segundo ela, não sabem a diferença entre "dinâmica" e "mudança" cultural. A dinâmica cultural seria a alteração que não causa prejuízo para a cultura; a mudança cultural seria a alteração que causa prejuízo para a mesma. Os projetos que ela desenvolve em algumas áreas indígenas seriam exemplos de aproveitamento da dinâmica cultural desses povos. A evangelização que os missionários efetuam em áreas indígenas seriam exemplos de mudança cultural. Para ela, os esforços dos acadêmicos sempre seriam bons para os indígenas e as iniciativas missionárias seriam sempre ruins.
Apenas para mostrar que isso não reflete a realidade, vamos comentar um dos programas de Dominique. O programa “Vídeo na Aldeia” e é implementado por ela e por Vicente Carelli. Um dos alunos desse programa fez um depoimento na TV Cultura, no dia 19 de janeiro de 2000. Ele disse:
Minha mulher só fala nisso pra mim: “Tu tá filmando, tá filmando. Você tem filho, não pode viajar muito, você tem que cuidar nosso filho.” Eu já falei pra ele, pra ela também: “A profissão minha é filmá, é pra isso que eu nasci, é pra filmá. Num é pra enxada, num é pra pegar machado, num é pra fazer roça.” Eu já falei isso pra ele [ou seja, pra ela]”, (foi no "Obrigado Irmão", Programa Zoom da TV Cultura)
A antropóloga Dominique quer que entendamos isso como dinâmica cultural e não como mudança cultural. Mas onde já se viu um indígena aldeado nascer para não pegar em instrumento de trabalho manual? Só nos projetos de Dominique! Como se pode ver, a própria esposa do indígena citado entende isso como mudança no modo de vida deles como família e não como mera dinâmica de seus costumes tradicionais. Em outras palavras, o projeto de Dominique está atrapalhando a vida familiar-cultural do casal indígena. E quem faz essa acusação não são os missionários, é a esposa do indígena que sente na pele o prejuízo que o projeto causa em sua vida em casa.
Na realidade, ser profissional de filmagem não impede um indígena de ser lavrador (ou pescador, ou caçador). Da mesma forma, ser cristão não impede um indígena de ser indígena.
Notas
14. 2 Reis 3.27 e 16.3; 2 Crônicas 28.2-3.
15. 2 Reis 17.16-17; 21.5; 2 Crônicas 33.5-6.
16. Ezequiel 16.20-21; 20.16, 31; 23.37.
17. Jeremias 7.31,19.5,32.35.
18. 2 Reis 23.10.
19. Atos 11.26.
20. Efésios 2.15b; 4.22-24; Gálatas 6.15; Hebreus 11.16; Gálatas 2.19.
21. Gálatas 3.28; 6.15.
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