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Opinião

Famílias multienlutadas

Por Roseli M. Kühnrich de Oliveira

Versão ampliada de artigo publicado na edição 389 da revista Ultimato.
 
Faço parte do rol de famílias enlutadas. Nos últimos 3 meses perdemos nosso patriarca, após longa enfermidade, tio e primos, alguns pela Covid-19. Vivemos, como família, nos quase 200 dias de internação de nosso idoso pai, o desgaste do ambiente hospitalar e isso em meio a uma pandemia. Foi um tempo de aprendizagem, apreensões, choros, conversas profundas e crescimento. Algumas cenas me acompanharão sempre, e saio desta experiência com meu ser modificado pela dor e luto.
 
O ambiente hospitalar pode gerar tensão, mas há muita solidariedade, partilha e ajuda mútua. Vi gente desesperada, com medo, e profissionais exaustos mantendo sua competência de forma sacrificial. Havia pessoas com familiares, pessoas com acompanhantes e os que estavam sós, sem nenhuma visita. Foi possível perceber o quanto famílias estruturadas e com alguma fé ampliam o leque de possibilidades de apoio em situações adversas. Mas e quem não tem ajuda?
 
Como psicóloga, ouvi relatos e desabafos. Vivemos várias pandemias concomitantes, em meio a pandemia da Covid-19. Muitas famílias estão vivendo múltiplos lutos, seja por vários falecimentos, por perdas financeiras, por sofrimento psíquico, por divórcios, por perda da casa etc. Muitas pessoas enfrentando crises circunstanciais, viuvez, orfandade, pobreza, sequelas da Covid-19, entre outras mazelas. Um casal, ambos em home office, com três crianças pequenas que têm aulas on-line, morando num apartamento pequeno, cujo condomínio fechou as áreas de lazer por razoes sanitárias e de proteção, pergunta angustiado: "como fazemos?" "Precisamos manter nossos empregos, dar conta da casa, roupas, compras e acompanhar as aulas on-line… E nossos pais, idosos, têm medo. Estão se virando sozinhos!" Quanta angustia e preocupação real!
 
Em pouco tempo, fomos obrigados a fazer ajustes, que por sua vez, não são definitivos, exigem readaptações conforme as cores das restrições na pandemia mudam.
 
O desalento por vezes toma conta e se caracteriza por uma vontade de desistir, de entregar os pontos. Como disse alguém: “dá vontade de sentar aqui e ficar esperando isso passar”. Somos atingidos de forma indistinta: ricos, pobres, crianças e adultos. O número de suicídios, pela desesperança, aumentou em vários países, bem como o uso de medicação para ansiedade e depressão.
 
Pesquisa recente avaliou as grandes pandemias enfrentadas pela humanidade e o que se seguiu a elas.1 Em todas houve aumento da discriminação, corrida às compras, pessoas ansiosas lotando hospitais e gente angustiada pelo autoisolamento e distanciamento social. Aumentaram as fake news, teorias da conspiração, compra de bebidas alcoólicas, acesso a pornografia e violência doméstica. Em todas também houve muita solidariedade, apoio mútuo em meio ao sofrimento, engajamento social e aumento da espiritualidade. Ou seja, a humanidade sempre superou e vai superar, resilientemente, as pandemias.
 
Podemos relembrar a história bíblica de Rute e Noemi, estas também em múltiplos lutos.2 Noemi perdeu o marido e os dois filhos. Restou-lhe a solidão e o desalento. Contudo, a consolação é o contraponto à desolação. Quando Rute, também viúva, decidiu acompanhar a sogra e fez aquela comovente declaração de fé e amizade, a consolação produziu seu efeito na alma e no coração de Noemi. A amizade é saradora, restaura. Por isso as redes de apoio são tão importantes na saúde emocional. E as igrejas podem desenvolver ações concretas de apoio a idosos, enfermos, profissionais, famílias e tantos mais, com cestas básicas, visitas e aconselhamento virtuais, além dos oficios religiosos transmitidos pela mídia.
 
Em meio a tanta dor e demandas, vemos atuações solidárias, de grupos profissionais, ONGs, redes de amigos, etc, servindo refeições. Provendo consultas on-line gratuitas, assessoria jurídica, aulas de apoio, grupos de trabalho manual on-line, e por aí vai.3
 
O que se recomenda para a saude emocional? Que se mantenha uma rotina saudável em alimentação, horários de trabalho ou estudo, qualidade do sono, exercícios físicos (se possível, caminhe!), lazer e evitar acesso constante a notícias. Interagir com parentes e amigos on-line, desenvolver uma espiritualidade centrada no trino Deus. A espiritualidade saudável contempla súplicas e ações de graça. Para equilibrar a lista de pedidos, pratique a gratidão e o louvor. Chore quando preciso e dê risada quando possível. Pratique o relaxamento corporal, com exercícios de respiração. E lembre-se: “faça o possível, não o ideal”!

• Roseli M. Kühnrich de Oliveira é mestre em teologia e psicóloga com especialização em terapia familiar. Leciona em cursos de pós-graduação e coorienta retiros de silêncio, e é autora de Cuidando de Quem Cuida – Um olhar aos que ministram a Palavra de Deus e Pra não Perder a Alma – O cuidado aos cuidadores.

Notas
1. Taylor, Steven, The Psycology of Pandemics, 2019. 
2. Rute, capítulo 1.
3. Koenig, Harold, tem descrito o papel da espiritualidade no enfrentamento de adversidades. (2020). Ways of protecting religious older adults from the consequences of COVID -19. American Journal of Geriatric Psychiatry 28:7 (2020) 776−779 Koenig, H. G. (2020). Maintaining health and well -being by putting faith into action during the COVID -19 pandemic. Journal of Religion and Health, online, https://doi.org/10.1007/s10943-020-01035-2

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