Opinião
- 09 de abril de 2021
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Existe culto online?
Por Guilherme de Carvalho
Reuniões online existem ou são fenômenos ilusórios, falsos, ou virtuais?
Me parece evidente que elas existem, e não são meros simulacros. Típicas reuniões online envolvem suficiente simultaneidade temporal, inteligibilidade comunicativa e capacidade variada de engajamento pessoal efetivo, não sendo necessariamente passivas. Elas tem a ontologia de uma reunião. E se reuniões online num sentido genérico forem possíveis, penso que o culto online é defensável prima facie.
Me parece evidente que elas existem, e não são meros simulacros. Típicas reuniões online envolvem suficiente simultaneidade temporal, inteligibilidade comunicativa e capacidade variada de engajamento pessoal efetivo, não sendo necessariamente passivas. Elas tem a ontologia de uma reunião. E se reuniões online num sentido genérico forem possíveis, penso que o culto online é defensável prima facie.
Considere o seguinte: se a reunião online for possível, pode haver a oração coletiva online, de um salmo por exemplo. E se a oração coletiva online for possível, a pregação acompanhada de oração online também é possível. E se os meios básicos de graça puderem ser administrados numa reunião online na qual a comunidade foi expressa e oficialmente convocada para a adoração, temos um culto protestante evangélico online.
Alguns pensam que a bênção dos elementos para a Ceia do Senhor também seria possível, mas esse ponto é mais controverso. Ainda assim, são poucas as igrejas que consideram o culto inexistente apenas pela ausência da Ceia do Senhor – a maioria das igrejas celebra a Ceia mensalmente, ou anualmente. Desse modo, não cabe a objeção de que na falta de um dos meios de graça não temos um culto. Na prática evangélica corrente, a Palavra, o meio de graça primário, e as orações, como meios secundários, são suficientes para caracterizar o culto, caso a comunidade tenha sido expressamente convocada para a adoração coletiva.
Isso não torna essa experiência de culto completa. Ela é pobre e em diversas circunstâncias pode ser considerada indesejável. Ela elimina, por exemplo, vários níveis de comunicação não verbal entre as pessoas, os quais são experiências próprias do encontro interpessoal. Ela filtra gravemente a experiência de psicologia de grupo. Além disso, pode haver questões teológicas. Talvez o culto completo exija o ósculo santo, por exemplo; igrejas que exigem o ósculo santo para um verdadeiro culto talvez não considerem suas reuniões online como cultos. No entanto, da pobreza do culto não se segue sua inexistência ou falsidade; cultos presenciais podem ser interpessoalmente pobres, moralmente pobres, teologicamente pobres, esteticamente pobres e mesmo espiritualmente pobres, e ainda serem cultos.
Para negar às reuniões religiosas online envolvendo oração, púlpito, convocação solene e condições de responsividade e participação o status de “cultos”, seria preciso definir com clareza qual é o componente essencial de um culto que o culto online não pode realizar minimamente. Note bem: não basta dizer que o culto online faz algo com má qualidade; seria preciso demonstrar biblicamente e racionalmente que há um elemento essencial do culto que é impossível online. Não que ele faça algo de forma precária, mas que ele amputa totalmente um constituinte do verdadeiro culto. Estou aberto a sugestões.
Pessoalmente, creio que a única objeção realmente viável seria a demonstração de que reuniões online são fenômenos inexistentes, simulacros ou ilusões; ou seja, que a reunião online não tem a ontologia de uma verdadeira reunião. Assim, as pessoas “presentes” não reunião online não estariam realmente presentes. A reunião online não criaria uma presença incompleta, mas uma falsa presença. Suponhamos que tal demonstração seja feita. Quais seriam as implicações?
Ora, se não for possível o culto online, porque reuniões online não existem, provavelmente também não é possível orar com alguém por telefone ou Google Meet, ou fazer reuniões presbiterais via Zoom. E se reuniões online forem ilusões, não é possível fazer aconselhamento pastoral online, por exemplo. Assembléias ordinárias de igrejas e associações seriam simulacros e não poderiam ter validade jurídica. Nem teriam qualquer validade as reuniões de família ou conversas de missionários com suas igrejas de origem, especialmente aquelas terminando com orações. E conversas entre pais e filhos ou maridos e esposas seriam meros simulacros computacionais. Pois em todos esses casos, ninguém estaria presente, em nenhum sentido.
Trata-se de uma reductio ad absurdum, obviamente, mas que serve para mostrar a questão: se há um argumento definitivo contra o culto online, não pode ser o de que reuniões online são pseudo-reuniões. Pois o fato evidente é que pessoas podem estar presentes e ausentes de reuniões online. A presença é incompleta, sem dúvida; mas é real.
Há argumentos de outra natureza; por exemplo, o que o culto online criará um mau hábito entre os crentes e legitimará o desigrejamento. Penso que essa objeção contra o culto online, de natureza moral e pastoral, tem certa validade. No entanto, como refutação da existência do culto online, tem o peso de uma pena.
Há também a metáfora do “exílio”. Ela me parece apropriada; estamos mesmo exilados uns dos outros na pandemia. Mas não estamos exilados nem do Senhor, nem de reuniões online, nem de cultos online. Nesse caso a linguagem poética do “exílio” nada faz em favor do peso lógico do argumento. E as igrejas que optaram por não fazer o culto online, além do exílio presencial, voluntariamente escolheram um exílio digital: um duplo exílio. Essa escolha é legítima, mas não constitui argumento válido contra o culto online.
Existe uma objeção que considero procedente: dadas as suas limitações intrínsecas, o culto online é um remédio provisório e com efeitos colaterais. Uma boa alimentação pode ser melhor do que remédios, quando o paciente está saudável; mas quando está adoentado, os remédios ou a cama podem ser salutares. Ainda assim, é concebível que, para evitar o risco de dependência de remédios ou a perda de massa muscular, alguém opte por reduzir ao mínimo tais medidas. Gosto da ideia. Minha proposta para a Igreja Esperança, após a Pandemia, é de suspender as transmissões ao vivo. A fisioterapia se iniciará imediatamente.
Mas vejam bem: esse é um bom argumento contra o uso contínuo ou permanente do culto online. Mas não é um argumento contra a existência de culto online.
De modo que, por hora, sem a demonstração de que a reunião online não tem a ontologia de uma verdadeira reunião de pessoas, o culto online permanece plausível. Existe presença online e existe culto online.
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É teólogo, mestre em Ciências da Religião e diretor de L’Abri Fellowship Brasil. Pastor da Igreja Esperança em Belo Horizonte e presidente da Associação Kuyper para Estudos Transdisciplinares, é também organizador e autor de Cosmovisão Cristã e Transformação e membro fundador da Associação Brasileira Cristãos na Ciência (ABC2).
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