Opinião
- 29 de abril de 2021
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Espiritualidade e trabalho
Por Ricardo Barbosa
O teólogo puritano William Perkins (1568-1602) afirmou que todo cristão possui pelo menos uma vocação diante de Deus. Para ele, vocação não era o mesmo que ocupação ou profissão, mas o chamado de Deus para promover o bem comum e a glória de Deus. Segundo ele, “vocação diz respeito à realidade da vida do cristão no mundo. É o espaço no qual, através do trabalho, a verdadeira espiritualidade é vivida”. Para Perkins, e os puritanos de modo geral, o trabalho e a atuação do cristão na esfera pública expressam o verdadeiro sentido da espiritualidade.
O mandato cultural de Gênesis 1.26, usando a linguagem bíblica, diz respeito ao exercício do “domínio” sobre a criação. Em outras palavras, todas as nossas ações devem demonstrar o cuidado e a responsabilidade por toda a vida no planeta, e o trabalho é a produção de valores como fruto do esforço de cada um, usando os recursos disponíveis, para a promoção do bem de todos.
No entanto, todos os seres humanos vivem num mundo organizado em diferentes esferas de poder, com interesses distintos, sendo às vezes altamente egoístas, mas também extraordinariamente altruístas. Para o exercício do mantado cultural e de uma espiritualidade vivida na esfera pública, precisamos nos perguntar: Quais os princípios que permitirão aos cristãos, em particular, desenvolver os recursos que Deus nos confiou e, ao mesmo tempo, viver em uma sociedade onde haja dignidade e justiça para todos? A resposta mais curta e simples a essa pergunta é ser profundamente espiritual num ambiente que normalmente achamos pouco ou nada espiritual – o ambiente de trabalho.
A forma como os puritanos responderam a esta questão, e ao grande desafio proposto, foi estabelecer um sentido bíblico e teológico para o chamado ou vocação. A compreensão comum que temos de chamado ou vocação diz respeito àqueles que se envolvem com alguma atividade religiosa, de forma que dificilmente encontraremos um cristão responsável pela faxina, ou trabalhando numa atividade burocrática, dizendo que está ali em resposta a um chamado de Deus. Para os puritanos, antes de mais nada, todo chamado é precedido por alguém que chama. Cristo nos chama para si e isto envolve tudo o que somos e fazemos. Respondemos a ele com fidelidade em cada esfera de atuação. Por isso, não era a ocupação que dava sentido ao chamado, mas o chamado é que dava sentido à ocupação. Ter a convicção de que Deus nos chamou e de que, onde quer que estejamos, devemos responder fielmente ao seu chamado, servindo-o no labor ao próximo, santifica não a ocupação, mas quem somos e aquilo que fazemos em nome de Cristo.
Como, então, experimentar a verdadeira espiritualidade no ambiente de trabalho? Ao reconhecer que é Cristo quem nos chama para sermos dele e que é ele quem nos envia para os lugares onde estamos, seja trabalhando em nossos ofícios, cuidando da família, ou mesmo ocupado em algum lazer, somos atraídos cada vez mais para perto dele. A dinâmica de vida e a comunhão que flui de nossa absoluta dependência de sua graça, do desejo de promover sua glória e o bem do próximo, nos ajudam a ver seu poder manifestando-se em nosso trabalho e nas pessoas que são abençoadas pela dedicação diligente e fiel que consagramos a Cristo.
Pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília (DF). É colunista da revista Ultimato e autor de A Espiritualidade, o Evangelho e a Igreja, Pensamentos Transformados, Emoções Redimidas e O Caminho do Coração.
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