Opinião
- 03 de abril de 2019
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Esperança no Labirinto
Por Elsie Cunha Gilbert e James Gilbert
Um refúgio para as crianças da Vila dos Pescadores, em Cubatão
O lugar
A Vila dos Pescadores é um labirinto de casas e barracos construídos em palafitas no rio Casqueiro, em Cubatão, SP. Vários terrenos foram aterrados pelos próprios moradores. Algumas mordias já são construídas em alvenaria, mas ainda há muitos barracos de madeira. A vila fica a 9 quilômetros do Porto de Santos e a 4 da rodovia dos Imigrantes (BR160), e está às margens da rodovia Anchieta (BR050). Sendo assim, seus moradores têm acesso privilegiado aos dois corredores mais importantes da Baixada Santista que ligam o litoral paulista à capital do estado.
Apenas 22 dos 645 municípios do estado de São Paulo apresentam um índice de desigualdade pior do que o de Cubatão (Índice de Gini). Dezessete mil dos mais pobres de seus cidadãos moram na Vila dos Pescadores. Mais de um terço dos chefes de família ali (homens ou mulheres) não têm um trabalho formal. Atividades de sobrevivência incluem a pesca de caranguejos e o comércio informal local.
Na rua Amaral Neto, mais conhecida como a rua do Meio, há um refúgio para as crianças. No contraturno do período escolar elas usufruem de um programa fundamentado em jogos, artes, lazer e a formação de valores cristãos. São 150 crianças em idade escolar que encontram no projeto um espaço para sonhar. Pamella, 26 anos, que participou do projeto desde a primeira infância, é hoje pedagoga e pastora (tenente1) do Exército de Salvação e divide com seu esposo as responsabilidades pastorais e de condução de um outro projeto social, em Prudente de Morais, MG. Ela lembra: “Eles deixavam que a gente falasse, lesse, participasse de teatro. Recebi muito incentivo. Acreditaram em mim e nos meus sonhos quando nem eu mesma podia acreditar”.
A história
Em 1990, Sandra Cristina da Costa e Silva deixou seu trabalho como copeira em um hospital da região depois de ser informada que, em sua ausência, seu filho Pedro, de apenas 5 anos, estava sendo usado pelos operadores do tráfico para levar e buscar encomendas.
Eliana Costa Nogueira, hoje pastora (major) no Exército, é irmã de Cristina. Ela conta que Cristina ficou muito contente quando foi abordada pela pastora Margaret England (na época capitã) com a proposta de receber em sua casa as crianças da vila para atividades aos domingos. Sua casa era um barraco de palafita construído sobre o mangue, que após alguns meses começou a afundar. Quatro mães da comunidade, percebendo a importância da iniciativa, ofereceram suas casas para que as atividades continuassem.
O dono de um bar, a pedido da Associação de Moradores, ofereceu seu espaço, que se tornou por algum tempo a sede dos encontros, agora realizados em outros dias da semana e atendendo a um grupo maior de crianças.
A partir de 1992, o projeto ganhou sede própria, adquirida pela Assistência e Promoção Social Exército de Salvação (APROSES), que mantém os programas com uma equipe de dez funcionários.
Em jardim Casqueiros, bairro que fica do outro lado da rodovia Anchieta, um grupo de oitenta adolescentes participa de atividades do projeto NOSSA, nome escolhido por eles mesmos, que significa Novas Oportunidades Sociais e Saudáveis para Adolescentes. Os programas sociais e o trabalho pastoral são coordenados pelos oficiais Gustavo e Sílvia Santana (majores). Este casal assumiu o trabalho em fevereiro deste ano, em substituição aos pastores Salvador e Esther Ferreira (majores), seguindo a prática de revezamento do corpo pastoral do Exército de Salvação.
Os sinais de esperança
A construção intencional da paz. O projeto conquistou o respeito da comunidade. Isto significa promover o diálogo com os líderes da Vila dos Pescadores. A localização das atividades dos adolescentes é um exemplo: “As rixas entre os meninos daqui da vila e os da turma do Coqueiro acabaram”, conta Cristina. Negociar é importante, ainda que alguns desses líderes tenham envolvimento no tráfico.
O fortalecimento intencional dos laços afetivos das crianças. “Até hoje estamos em contato,” diz Pamella. “Minha turma é muito unida, somos como irmãos. Nos falamos por WhatsApp, programamos encontros, etc. Do meu tempo saiu até o casamento de Nataly e Henrique.”
A perseverança institucional. Nestes 29 anos de trajetória, o Exército de Salvação manteve pastores (oficiais) morando em Cubatão e a serviço da Vila dos Pescadores. O investimento local de pessoas como Cristina (desde a sua fundação) ou da APROSES, entidade mantenedora, com a supervisão e capacitação continuada dos funcionários, demonstra um alto nível de compromisso institucional.
A celebração constante das conquistas. Vitórias são celebradas e compartilhadas. Uma cirurgia cardíaca bem-sucedida aos 5 anos de idade sem a qual Pamella possivelmente não sobreviveria. Um bom trabalho como caldeireiro numa indústria siderúrgica para Vinícius, hoje com 25 anos. O bom desempenho de Clayton na redação do ENEM, que lhe rendeu bolsa integral para a faculdade de engenharia há dois anos. O pequeno Pedro, filho de Cristina, que hoje tem 33 anos, trabalhou por quatro anos num navio de cruzeiros no mar Mediterrâneo como garçom e fala várias línguas. Hoje, colabora na administração do projeto e, com sua esposa, aspira seguir carreira ministerial no Exército de Salvação.
São grandes vitórias para um grupo que aprendeu a valorizar as pequenas e diárias manifestações do amor de Deus. Pamella chama o lugar de refúgio e resume: “Pude ser criança num espaço seguro”. Ela acredita que a fórmula é simples. É acreditar na bondade de Deus e se dispor a ser agente de influência onde ele nos plantar. Terra fértil é o coração do ser humano. O tesouro escondido é a criatura que se volta para o seu Criador; o sucesso está na reconciliação, e não no acúmulo de riquezas. Este princípio gera esperança para quem quer que o pratique.
Nota
1. O corpo eclesiástico do Exército de Salvação é organizado em patentes. Um seminarista tem a patente de cadete, um pastor nos primeiros anos de ministério é tenente, e assim por diante.
> Esta reportagem foi originalmente publicada na edição 376 da revista Ultimato.
• James e Elsie Gilbert são missionários no Brasil há vinte anos. Trabalham pela agência Equip Inc, com sede em Marion, NC, Estados Unidos. Moram em Viçosa, MG, de onde coordenam o trabalho da Rede Mãos Dadas.
Leia mais
» Chamados para cuidar das crianças
Um refúgio para as crianças da Vila dos Pescadores, em Cubatão
O lugar
A Vila dos Pescadores é um labirinto de casas e barracos construídos em palafitas no rio Casqueiro, em Cubatão, SP. Vários terrenos foram aterrados pelos próprios moradores. Algumas mordias já são construídas em alvenaria, mas ainda há muitos barracos de madeira. A vila fica a 9 quilômetros do Porto de Santos e a 4 da rodovia dos Imigrantes (BR160), e está às margens da rodovia Anchieta (BR050). Sendo assim, seus moradores têm acesso privilegiado aos dois corredores mais importantes da Baixada Santista que ligam o litoral paulista à capital do estado.
Apenas 22 dos 645 municípios do estado de São Paulo apresentam um índice de desigualdade pior do que o de Cubatão (Índice de Gini). Dezessete mil dos mais pobres de seus cidadãos moram na Vila dos Pescadores. Mais de um terço dos chefes de família ali (homens ou mulheres) não têm um trabalho formal. Atividades de sobrevivência incluem a pesca de caranguejos e o comércio informal local.
Na rua Amaral Neto, mais conhecida como a rua do Meio, há um refúgio para as crianças. No contraturno do período escolar elas usufruem de um programa fundamentado em jogos, artes, lazer e a formação de valores cristãos. São 150 crianças em idade escolar que encontram no projeto um espaço para sonhar. Pamella, 26 anos, que participou do projeto desde a primeira infância, é hoje pedagoga e pastora (tenente1) do Exército de Salvação e divide com seu esposo as responsabilidades pastorais e de condução de um outro projeto social, em Prudente de Morais, MG. Ela lembra: “Eles deixavam que a gente falasse, lesse, participasse de teatro. Recebi muito incentivo. Acreditaram em mim e nos meus sonhos quando nem eu mesma podia acreditar”.
A história
Em 1990, Sandra Cristina da Costa e Silva deixou seu trabalho como copeira em um hospital da região depois de ser informada que, em sua ausência, seu filho Pedro, de apenas 5 anos, estava sendo usado pelos operadores do tráfico para levar e buscar encomendas.
Eliana Costa Nogueira, hoje pastora (major) no Exército, é irmã de Cristina. Ela conta que Cristina ficou muito contente quando foi abordada pela pastora Margaret England (na época capitã) com a proposta de receber em sua casa as crianças da vila para atividades aos domingos. Sua casa era um barraco de palafita construído sobre o mangue, que após alguns meses começou a afundar. Quatro mães da comunidade, percebendo a importância da iniciativa, ofereceram suas casas para que as atividades continuassem.
O dono de um bar, a pedido da Associação de Moradores, ofereceu seu espaço, que se tornou por algum tempo a sede dos encontros, agora realizados em outros dias da semana e atendendo a um grupo maior de crianças.
A partir de 1992, o projeto ganhou sede própria, adquirida pela Assistência e Promoção Social Exército de Salvação (APROSES), que mantém os programas com uma equipe de dez funcionários.
Em jardim Casqueiros, bairro que fica do outro lado da rodovia Anchieta, um grupo de oitenta adolescentes participa de atividades do projeto NOSSA, nome escolhido por eles mesmos, que significa Novas Oportunidades Sociais e Saudáveis para Adolescentes. Os programas sociais e o trabalho pastoral são coordenados pelos oficiais Gustavo e Sílvia Santana (majores). Este casal assumiu o trabalho em fevereiro deste ano, em substituição aos pastores Salvador e Esther Ferreira (majores), seguindo a prática de revezamento do corpo pastoral do Exército de Salvação.
Os sinais de esperança
A construção intencional da paz. O projeto conquistou o respeito da comunidade. Isto significa promover o diálogo com os líderes da Vila dos Pescadores. A localização das atividades dos adolescentes é um exemplo: “As rixas entre os meninos daqui da vila e os da turma do Coqueiro acabaram”, conta Cristina. Negociar é importante, ainda que alguns desses líderes tenham envolvimento no tráfico.
O fortalecimento intencional dos laços afetivos das crianças. “Até hoje estamos em contato,” diz Pamella. “Minha turma é muito unida, somos como irmãos. Nos falamos por WhatsApp, programamos encontros, etc. Do meu tempo saiu até o casamento de Nataly e Henrique.”
A perseverança institucional. Nestes 29 anos de trajetória, o Exército de Salvação manteve pastores (oficiais) morando em Cubatão e a serviço da Vila dos Pescadores. O investimento local de pessoas como Cristina (desde a sua fundação) ou da APROSES, entidade mantenedora, com a supervisão e capacitação continuada dos funcionários, demonstra um alto nível de compromisso institucional.
A celebração constante das conquistas. Vitórias são celebradas e compartilhadas. Uma cirurgia cardíaca bem-sucedida aos 5 anos de idade sem a qual Pamella possivelmente não sobreviveria. Um bom trabalho como caldeireiro numa indústria siderúrgica para Vinícius, hoje com 25 anos. O bom desempenho de Clayton na redação do ENEM, que lhe rendeu bolsa integral para a faculdade de engenharia há dois anos. O pequeno Pedro, filho de Cristina, que hoje tem 33 anos, trabalhou por quatro anos num navio de cruzeiros no mar Mediterrâneo como garçom e fala várias línguas. Hoje, colabora na administração do projeto e, com sua esposa, aspira seguir carreira ministerial no Exército de Salvação.
São grandes vitórias para um grupo que aprendeu a valorizar as pequenas e diárias manifestações do amor de Deus. Pamella chama o lugar de refúgio e resume: “Pude ser criança num espaço seguro”. Ela acredita que a fórmula é simples. É acreditar na bondade de Deus e se dispor a ser agente de influência onde ele nos plantar. Terra fértil é o coração do ser humano. O tesouro escondido é a criatura que se volta para o seu Criador; o sucesso está na reconciliação, e não no acúmulo de riquezas. Este princípio gera esperança para quem quer que o pratique.
Nota
1. O corpo eclesiástico do Exército de Salvação é organizado em patentes. Um seminarista tem a patente de cadete, um pastor nos primeiros anos de ministério é tenente, e assim por diante.
> Esta reportagem foi originalmente publicada na edição 376 da revista Ultimato.
• James e Elsie Gilbert são missionários no Brasil há vinte anos. Trabalham pela agência Equip Inc, com sede em Marion, NC, Estados Unidos. Moram em Viçosa, MG, de onde coordenam o trabalho da Rede Mãos Dadas.
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