Opinião
- 24 de agosto de 2022
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Domínio que não é dominação, serviço que não é servidão
Por Jonathan Simões Freitas
O resultado do bom governo e do bom serviço da espécie criada para representar Deus sobre o restante da criação
Gênesis 1 e Gênesis 2 fornecem relatos complementares sobre o ofício do homem na Criação.
Em Gênesis 1, os seres humanos são apresentados como criaturas da “espécie” de Deus, por assim dizer. Óbvio: sendo criaturas, não são divinos. Mas, dentre os diversos seres criados, eles “lembram” Deus. São a sua prole, os seus descendentes, os seus filhos no mundo (Lc 3.38d). Assim como o sol, a lua e as estrelas foram colocados no céu para reinar sobre os tempos da criação, o homem, a mulher e as suas gerações foram estabelecidos na terra para reinar sobre os seus espaços – isto é: céu, terra e mar, e tudo o que neles há. Mais especificamente, eles devem governar sobre os diferentes tipos de animais que têm os seus domínios delimitados nesses diferentes tipos de jurisdições. A raça humana foi, assim, eleita para ser como que os reis dos reis, os senhores dos senhores da criação – em submissão ao Criador. Sua natureza, nesse caso, é conquistar a terra colocada diante de si e submetê-la à vontade do seu comandante, para que, por meio desses príncipes humanos escolhidos, o Pai – de quem em última instância é o reino, o domínio e o poder – seja sempre tudo em todos.
Já em Gênesis 2, a visão complementar fornecida é a dos seres humanos como profetas e sacerdotes de Deus; mais especificamente, como levitas, que cuidam do seu templo para a sua glória. Nesse relato, o ser humano é esculpido como uma imagem de Deus e vivificado pelo seu Espírito para atuar no mundo como um profeta, falando as palavras e fazendo as obras daquele que o convocou do pó para o jardim. Essa atuação é descrita como um serviço prestado a Deus e, por isso, o ser humano, uma vez criado, apresenta-se ao seu Criador como obreiro aprovado, nu, transparente, que não tem do que se envergonhar. Ele maneja a espada da verdade para guardar as fronteiras do Éden, como uma sentinela que vigia sobre os muros para que feras do campo e bestas selvagens não entrem e destruam a plantação. Na outra mão, ele segura ora a enxada e a podadeira, ora os tijolos, tanto para cultivar o seu jardim sagrado quanto para edificar a cidade santa (Ne 4.17). A humanidade, assim, é como a ordem dos levitas, exercendo suas funções de guardar o templo, cuidar dos seus utensílios, carregar suas estruturas e de se mover pelo deserto do mundo, armando a tenda do tabernáculo por onde passa, a fim de anunciar que todo canto da terra é um canto de Deus, o verdadeiro rei.
Esses dois quadros são de fato complementares: o domínio só não vira dominação se for exercido como um serviço; o serviço só não se torna servidão se for prestado com a consciência de que é feito como o faz um mordomo ao seu senhor. Esta é a cultura na visão cristã: o resultado do trabalho humano e, portanto, o produto do bom governo e do bom serviço da espécie criada para representar Deus sobre o restante da criação.
De fato, aquele que não é apenas o representante, mas o próprio Deus – não sendo apenas parecido, mas sim a imagem exata do seu eterno ser – descortinou de vez no evangelho essa nossa vocação. Jesus é o Cristo; o Ungido como Rei, Profeta e Sacerdote supremo para, respectivamente: colocar todas as coisas sob os seus pés, enchendo todos os espaços da criação junto com a Igreja sob o seu governo; revelar Deus no mundo com as suas palavras e ações; e apresentar a si mesmo como sacrifício vivo e agradável a Deus, santificando todo o templo e reiniciando a sua edificação até completar essa boa obra com a consagração da cidade-jardim.
O que devemos, então, fazer diante desse aperfeiçoamento da vocação adâmica em Cristo? Devemos nos revestir dessa nova humanidade encabeçada por Jesus e, seguindo o seu exemplo, oficiar aquilo para o que ele nos chamou: sermos reis, e profetas-sacerdotes para Deus no mundo (Ap 1.6, 5.10). É isso o que gente redimida de toda cultura fará por toda a eternidade (Ap 22.5).
Oremos: “Pai, ajude-nos a encher toda a terra com o seu conhecimento e com a submissão à sua vontade. E também nos capacite pelo seu Espírito para refletir a sua imagem no mundo à medida que servimos como levitas na Criação. Queremos proteger, cultivar e edificar a realidade do Éden, expandindo-a até os desertos do mundo, como sinal e anúncio da Nova Jerusalém, que descerá como o fruto maduro da obra do Filho e encherá toda a criação com a sua glória. Maranata, vem, Senhor Jesus!”.
- Jonathan Simões Freitas é casado com Thalita e pai de Manuela e Isaque. É professor na UFMG e também serve na Igreja Esperança, no L’Abri e na ABC². Ama jogar tênis.
Artigo escrito a propósito da Estação da Criação, comemorada em setembro. É uma estação opcional para o ano eclesiástico que volta nossa atenção para o nosso relacionamento com Deus e com toda a criação. @lecionário
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