Opinião
- 17 de março de 2009
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Deus, enterros e dores
Rodrigo de Lima Ferreira
Hoje tive um dia agitado. Na parte da manhã, realizei um ofício fúnebre. À tarde, aconselhamentos e visitas. E à noite, culto público na igreja. Chego à frente do computador emocional e fisicamente esgotado.
Ainda estou sob o efeito emocional do ofício fúnebre, pois todo o meu dia girou em torno dele. Sei que a morte é algo inegociável em nossa existência. Sei que todos, independente da raça, credo, sexo ou posição política e sociocultural, serão igualados pelo suspiro final. E sei também que o Senhor consola aqueles que nele confiam, levando para si os que morrem em Cristo.
Porém, mesmo sabendo de tudo isso, como reagir quando se faz o ofício fúnebre de uma moça de 21 anos, que estava planejando se casar com o tecladista da equipe de música da igreja que pastoreio? O que responder ao jovem namorado da falecida que, mesmo firme em sua fé em Cristo, ficou abalado (com toda razão) com o falecimento? A pergunta que me passou pela mente, e que me foi feita pelo rapaz, foi: “Por quê? Por que Deus, sendo bondoso e misericordioso, leva alguém pleno de saúde, sem nenhum sinal de enfermidade, que buscava intimidade sincera com o Senhor, ceifando sua vida? Qual o propósito de Deus nisso?”.
Nem sempre o trabalho pastoral é fácil. Aliás, quase nunca. É verdade que há momentos suaves e alegres, como a celebração de um casamento, uma festa de aniversário, o batismo de um filho da igreja. Porém, esses momentos leves são alternados por momentos mais árduos: um aconselhamento a um casal destruído pelo pecado, um falecimento, uma enfermidade terminal. Conforme David Hansen explicita, o trabalho do pastor oscila entre dois pontos: o “eros” e o “thanatos”. Trabalhamos no “eros” (ou amor) nos casamentos, nos batismos, nas festas de aniversário, quando o amor humano brota. No entanto, trabalhamos também no “thanatos” (ou morte) nos falecimentos, nas rupturas relacionais, nas rixas, quando brota o lado ruim no ser humano.
Ao trabalhar o “thanatos”, e em especial no falecimento da referida moça, sempre me vem o questionamento: “Por quê?”. Sempre queremos saber a razão, o motivo, o propósito. Muitos, ao não conseguir encarar a dimensão de mistério da fé cristã, tentam, de modo irresponsável, diminuir o tamanho de Deus, fazendo dele apenas um mero companheiro cósmico, que desconhece o futuro e não sabe e nem pode evitar o pior.
Outros jogam a culpa pelas coisas ruins em cima do próprio homem ou de sua incredulidade, transformado Deus em um espectro impassível e indiferente à nossa dor.
Creio que ambos os extremos são terrivelmente perigosos. No primeiro, a conclusão lógica frente a um Deus menos Deus é o desespero e a angústia, resultando no existencialismo; no segundo, frente a um Deus relacionalmente diáfano, o resultado é o cinismo, desembocando no niilismo.
Como responder, portanto, ao “porquê” frente ao “thanatos”? Sinceramente, gostaria de saber. Porém, tenho de me render ao fato de que sou um humano, pecador e limitado, que serve a um Deus santo e ilimitado, e que, portanto, não tenho todas as respostas que queria. Contudo, sinto que há uma boa dica em Jó. Em sua terrível situação, ele questiona a Deus sobre a razão de seu sofrimento. Deus começa a responder no capítulo 38. Porém, sua resposta não soluciona os “por quês”. Em vez disso, Deus dá um relato da sua grandiosidade na criação. Portanto, a resposta que Deus dá a Jó não são apenas esclarecimentos às perguntas. A resposta à dor de Jó é a sua própria presença. Assim, saber que a presença de Deus é sua resposta à nossa dor não é apenas a única resposta disponível, mas a melhor entre todas, caso houvesse outras.
Talvez não nos satisfaça racionalmente, mas a presença de Deus frente à dor acalma a nossa tormenta interior. E nos permite continuar servindo-o, com nossas dores e alegrias. Talvez não entendamos mesmo a razão do “thanatos”. Mas, com a consciência da presença do Senhor, isso se torna de menor importância.
• Rodrigo de Lima Ferreira, casado, duas filhas, é pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil desde 1997. Graduado em teologia e mestre em missões urbanas pela FTSA, hoje pastoreia a IPI de Rolim de Moura, RO.
Leia o livro
• Para (Melhor) Enfrentar o Sofrimento, Elben M. Lenz César
Hoje tive um dia agitado. Na parte da manhã, realizei um ofício fúnebre. À tarde, aconselhamentos e visitas. E à noite, culto público na igreja. Chego à frente do computador emocional e fisicamente esgotado.
Ainda estou sob o efeito emocional do ofício fúnebre, pois todo o meu dia girou em torno dele. Sei que a morte é algo inegociável em nossa existência. Sei que todos, independente da raça, credo, sexo ou posição política e sociocultural, serão igualados pelo suspiro final. E sei também que o Senhor consola aqueles que nele confiam, levando para si os que morrem em Cristo.
Porém, mesmo sabendo de tudo isso, como reagir quando se faz o ofício fúnebre de uma moça de 21 anos, que estava planejando se casar com o tecladista da equipe de música da igreja que pastoreio? O que responder ao jovem namorado da falecida que, mesmo firme em sua fé em Cristo, ficou abalado (com toda razão) com o falecimento? A pergunta que me passou pela mente, e que me foi feita pelo rapaz, foi: “Por quê? Por que Deus, sendo bondoso e misericordioso, leva alguém pleno de saúde, sem nenhum sinal de enfermidade, que buscava intimidade sincera com o Senhor, ceifando sua vida? Qual o propósito de Deus nisso?”.
Nem sempre o trabalho pastoral é fácil. Aliás, quase nunca. É verdade que há momentos suaves e alegres, como a celebração de um casamento, uma festa de aniversário, o batismo de um filho da igreja. Porém, esses momentos leves são alternados por momentos mais árduos: um aconselhamento a um casal destruído pelo pecado, um falecimento, uma enfermidade terminal. Conforme David Hansen explicita, o trabalho do pastor oscila entre dois pontos: o “eros” e o “thanatos”. Trabalhamos no “eros” (ou amor) nos casamentos, nos batismos, nas festas de aniversário, quando o amor humano brota. No entanto, trabalhamos também no “thanatos” (ou morte) nos falecimentos, nas rupturas relacionais, nas rixas, quando brota o lado ruim no ser humano.
Ao trabalhar o “thanatos”, e em especial no falecimento da referida moça, sempre me vem o questionamento: “Por quê?”. Sempre queremos saber a razão, o motivo, o propósito. Muitos, ao não conseguir encarar a dimensão de mistério da fé cristã, tentam, de modo irresponsável, diminuir o tamanho de Deus, fazendo dele apenas um mero companheiro cósmico, que desconhece o futuro e não sabe e nem pode evitar o pior.
Outros jogam a culpa pelas coisas ruins em cima do próprio homem ou de sua incredulidade, transformado Deus em um espectro impassível e indiferente à nossa dor.
Creio que ambos os extremos são terrivelmente perigosos. No primeiro, a conclusão lógica frente a um Deus menos Deus é o desespero e a angústia, resultando no existencialismo; no segundo, frente a um Deus relacionalmente diáfano, o resultado é o cinismo, desembocando no niilismo.
Como responder, portanto, ao “porquê” frente ao “thanatos”? Sinceramente, gostaria de saber. Porém, tenho de me render ao fato de que sou um humano, pecador e limitado, que serve a um Deus santo e ilimitado, e que, portanto, não tenho todas as respostas que queria. Contudo, sinto que há uma boa dica em Jó. Em sua terrível situação, ele questiona a Deus sobre a razão de seu sofrimento. Deus começa a responder no capítulo 38. Porém, sua resposta não soluciona os “por quês”. Em vez disso, Deus dá um relato da sua grandiosidade na criação. Portanto, a resposta que Deus dá a Jó não são apenas esclarecimentos às perguntas. A resposta à dor de Jó é a sua própria presença. Assim, saber que a presença de Deus é sua resposta à nossa dor não é apenas a única resposta disponível, mas a melhor entre todas, caso houvesse outras.
Talvez não nos satisfaça racionalmente, mas a presença de Deus frente à dor acalma a nossa tormenta interior. E nos permite continuar servindo-o, com nossas dores e alegrias. Talvez não entendamos mesmo a razão do “thanatos”. Mas, com a consciência da presença do Senhor, isso se torna de menor importância.
• Rodrigo de Lima Ferreira, casado, duas filhas, é pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil desde 1997. Graduado em teologia e mestre em missões urbanas pela FTSA, hoje pastoreia a IPI de Rolim de Moura, RO.
Leia o livro
• Para (Melhor) Enfrentar o Sofrimento, Elben M. Lenz César
Casado, duas filhas, é pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil desde 1997. Graduado em teologia e mestre em missões urbanas pela FTSA, é autor de "Princípios Esquecidos" (Editora AGBooks).
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