Opinião
- 01 de setembro de 2023
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Desnutrição infantil: servir aos famintos é servir a Cristo
Por Ailton Cezário Alves Júnior
Por que as crianças brasileiras nascidas em 2019 alcançarão apenas 55% do seu potencial cerebral? Porque 20% das crianças brasileiras já chegam à escola com lesão de arquitetura cerebral? Por que a metade dos adolescentes brasileiros não consegue extrair mensagens contidas em um texto informativo?
Se você atua na área da infância e adolescência, ou imagina que a resposta “falta de estímulos” possa se aplicar, não será demais lembrar que o estímulo nutricional é condição “sine qua non” para o desenvolvimento infantil e humano.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a desnutrição é o conjunto de manifestações que ocorrem como resultado de pouca alimentação em quantidade ou variedade, insuficiente para atender as necessidades basais de um indivíduo ou suas necessidades aumentadas durante uma enfermidade.
Onde houver escassez ou falta de alimentos; baixa renda ou pobreza; baixa imunização; catástrofes naturais, infecções e guerras; analfabetismo materno; conhecimento precário sobre os cuidados básicos com a criança e frágil vínculo mãe-cuidador/criança pode haver a desnutrição infantil.
Em sua expressão simples, a desnutrição se observará por uma diminuição das medidas corporais. Em um processo de desnutrição aguda, a primeira medida do corpo a ser comprometida é o peso. Já na desnutrição crônica, a estatura passa a apresentar redução de sua velocidade de crescimento, primeiro desacelerando e depois estacionando. Aliás, a estatura é um dos melhores indicadores de saúde da criança até os cinco anos de idade e sofre influência direta de fatores ambientais como a citada alimentação, a ocorrência de doenças crônicas, o sono adequado, a prática moderada de exercícios, a habitação e saneamento básico, acesso e qualidade dos cuidados de saúde e as próprias relações mãe/cuidador-bebê.1
Para, estatisticamente, erradicarmos a desnutrição infantil de uma população o percentual de crianças de 0-5 anos com baixa ou muito baixa estatura para a idade não deve ser maior que 2,5%.
Infelizmente, o cenário da desnutrição infantil no mundo é desfavorável. Para 2019, segundo a OMS, UNICEF e Banco Mundial, cerca de 800 milhões de pessoas não supriam suas necessidades básicas de energia e proteína, 47 milhões de crianças (menores de cinco anos) tinham desnutrição aguda (baixo e muito baixo peso) e 144 milhões apresentavam desnutrição crônica (baixa e muito baixa estatura para a idade). Cerca de metade (três milhões) das mortes de crianças menores de cinco anos estava associada à desnutrição. Segundo o “Relatório da Comissão The Lancet”, desde então vivenciamos a chamada “sindemia” que mata (composta pelas pandemias de desnutrição e obesidade, e a emergência climática), constituindo-se no maior desafio recente para a humanidade, meio ambiente e planeta. Os dias de hoje são marcados por uma crise que arrasta metade do mundo para insegurança alimentar, com a redução esperada da produção de milho, arroz, soja e trigo e 300 milhões de pessoas com calorias comprometidas, avolumando os índices de desnutrição aguda.2 Além de uma demanda por assistência humanitária sem precedentes, a UNICEF apontou 10 milhões de crianças desnutridas em 2023 sem acesso a tratamento, das quais estima-se dois milhões perdendo a batalha pela vida.
Infelizmente, o cenário da nutrição infantil brasileira também tem cursado caminhos difíceis. Segundo a “Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018: Análise da Segurança Alimentar no Brasil (IBGE)”, 36,7% dos domicílios brasileiros foram atingidos por insegurança alimentar. Esse é o pior resultado desde o início do levantamento, em 2004. Para essa pesquisa, metade das crianças de 0 a 5 anos vivia em domicílios com algum grau de insegurança alimentar (6,5 milhões de crianças). Revisão sistemática e metanálise de 134 estudos, envolvendo 46.978 crianças3 demonstrou que 1/3 das crianças brasileiras de 0 a 7 anos tem anemia. Para o “Observa Infância (FIOCRUZ)”, conforme sistemas oficiais de informação, o Brasil apresentou em 2021 a maior taxa recente de hospitalizações em menores de um ano de idade associadas à desnutrição (113/100 mil nascidos vivos). Enquanto a região nordeste do país apresentava o maior número de hospitalizações por desnutrição infantil, a região norte abarcava o maior número de mortes associadas e maior prevalência dessa enfermidade, especialmente entre indígenas, ribeirinhos e extrativistas, os quais apresentam taxas desse distúrbio nutricional duas a três vezes superiores à média nacional.
Para o ano de 2022, segundo os relatórios públicos do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN), o Brasil ainda carrega a notável marca de 11,73% das crianças de 0 a 5 anos de idade com déficit de estatura, valor esse em torno de 4 vezes superior à meta para a erradicação da desnutrição infantil.
Além dos prejuízos das medidas antropométricas, a desnutrição infantil acarreta prejuízo individual do desenvolvimento infantil neuropsicomotor, déficits neurológicos e intelectuais irreversíveis, doenças oportunistas e associadas, e a morte. Do ponto de vista coletivo, entende-se que muitos dos compromissos de desenvolvimento socioeconômico de nosso país e do mundo estão comprometidos pela fome.
Mediante o exposto, o primeiro parágrafo deste texto poderia bem se encerrar com uma última pergunta:
Qual é o papel da Igreja no enfrentamento da desnutrição infantil?
Bem, nunca é demais refletir sobre Mateus 25.35-45. “Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer”... Então os justos lhe responderão: “Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer?” O Rei responderá: “Digo a verdade: o que vocês fizeram a algum dos meus pequeninos, a mim o fizeram. O que vocês deixaram de fazer a alguns destes mais pequeninos, também a mim deixaram de fazê-lo”.
Erradicar a desnutrição infantil é o desafio da Casa Nutri
A Casa Nutri é um projeto de recuperação e educação nutricional infantil de base comunitária, executado por igrejas, missões e ONGs, em cenários de escassos recursos econômicos. Como projeto estratégico da Associação Be a Child (ABC) para a proteção nutricional à primeira infância, a Casa Nutri abarca hoje quase 100 voluntários engajados com expertise e competência técnica para o combate à desnutrição infantil. Fundada há oito anos, a Casa Nutri está presente em cinco países (Brasil, Angola, Moçambique, Níger e Nepal), com 15 unidades e o sonho atual de ter a sua primeira fábrica de ATPU (alimento terapêutico pronto para uso). Para nós, cada criança conta!
Notas
1. Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento Científico de Endocrinologia, 2016.
2. ONU, em 14/10/2022
3. UFSCar, 2021
- Ailton Cezário Alves Júnior, presidente e Médico Coordenador da Associação Be a Child/Casa Nutri. Ex-desnutrido.
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