Opinião
- 21 de julho de 2023
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Desenvolvimento sustentável, mandamento de Deus
Por Carlos Vicente
Leio o capítulo 1 do livro do Gênesis e fico maravilhado com o relato de como Deus formou nosso planeta. De um amontoado de matéria sem forma, sem vida e mergulhado num ambiente de trevas, caótico e inóspito, Ele criou um oásis magnifico.
Só posso tremer, reverente, diante do poder que formou essa esfera rochosa de 12 mil km de diâmetro, com montanhas, oceanos, florestas e campinas, protegida por uma fina camada de gases essenciais, como o oxigênio. E que gira em velocidades impressionantes: em torno de si mesma a 1,7 mil km por hora, ao redor do sol a 107 mil km/h.
A Terra foi meticulosamente construída para que pudesse abrigar a vida e ser o lar da humanidade. Deus a encheu de beleza, formas, cores, odores, sabores e de toda sorte de seres viventes interconectados e interdependentes. Depois, ao ver que tudo isso era muito bom e que já não faltava nada, criou o ser humano e convidou-o a povoar a Terra e a desfrutar de todas aquelas maravilhas.
Mas não posso deixar de sentir grande apreensão e tristeza ao ver a crise em que vivemos e saber que as tormentas e sofrimentos que abalam a Terra tem origem na destruição que fomos capazes de promover na criação de Deus. Penso que um detalhe importante foi esquecido: Ele não deixou o ser humano livre para fazer o que bem entendesse, mas lhe deu uma ordem direta e clara para cultivar e guardar a Terra.
Está lá, em Genesis 2:15, e não é ideia humana, mas a palavra do Criador. A ordem para cultivar e guardar a Terra revela Seu desejo de que o ser humano promova desenvolvimento e gere prosperidade, fazendo uso de sua inteligência, criatividade e inventividade. Com a ordenança para guardar a Terra, Ele instituiu o princípio e a ética do cuidado na relação do ser humano com todo o resto da criação.
É clara a vontade de Deus de ver o ser humano vivendo em paz e harmonia. E isso só é possível em sociedades sustentáveis, nas quais as diferentes formas de se desenvolver seguem o imperativo do amor ao próximo e da conservação da natureza. Todas as sociedades humanas desenvolveram conhecimentos e tecnologias extremamente importantes. Uma parte seguiu a rota da industrialização e do mercado, outra parte o manejo sustentável dos recursos naturais baseado em comunidades não mercantilizadas.
Observo, portanto, que a resposta escolhida para essas duas ordenanças -desenvolver e preservar- configuram quatro tipos de sociedade básicas. Procurei ilustrar com a figura abaixo. No tipo 1, temos sociedades não industrializadas que enfrentam graves problemas de desigualdade social e degradação ambiental; O tipo 2, se refere a sociedades não industrializadas orientadas para o bem viver e a preservação dos recursos naturais; O tipo 3, se compõe de sociedades industrializadas que enfrentam graves problemas de desigualdade social e degradação ambiental; por fim, o tipo 4, formado por sociedades industrializadas que lograram elevados níveis de qualidade de vida e de preservação ambiental.
Nas sociedades do tipo 1 a maioria da população sofre com a pobreza extrema. Elas são privadas, ao mesmo tempo, do avanço tecnológico e do acesso a bens naturais essenciais, como a água e terras férteis. Nas sociedades do tipo 2, apesar de sofrer com a carência de acesso a serviços públicos, elas são portadoras de vasto conhecimento e tecnologias relacionadas ao uso sustentável dos recursos naturais. São sociedades com abundância de ar puro, água limpa, peixes, frutos e outros tipos de alimentos, plantas medicinais e uma infinidade de matérias-primas encontradas na natureza. Nessas sociedades, a ordenança de Deus foi obedecida: cultivar e guardar, ou seja, desenvolver e preservar.
Nas sociedades de tipo 3, o grande progresso científico e tecnológico e a prosperidade econômica convivem com graves problemas de desigualdade social, contaminação ambiental, desmatamento e perda de biodiversidade. Esse é o tipo de sociedade que provocou a crise climática global.
Já as sociedades de tipo 4, são aquelas que conseguiram alcançar o desenvolvimento econômico e social, reduzir as desigualdades e assegurar elevado padrão de qualidade ambiental e conservação dos recursos naturais. Nessas sociedades, que deveriam ser a regra, mas são exceção, a ordenança de Deus também foi obedecida: cultivar e guardar, ou seja, desenvolver e preservar.
Muitas pessoas podem pensar que a ideia do desenvolvimento sustentável foi formulada pela primeira vez no Relatório Nosso Futuro Comum, elaborado pela ONU, em 1987. As palavras são recentes, é certo, mas o principio espiritual e ético é muito antigo: desenvolver e preservar está nos fundamentos sagrados das 3 grandes religiões monoteístas do mundo - Judaismo, Cristianismo e Islamismo, há mais de 2 mil anos.
A compreensão desse princípio tem grande importância nos tempos em que vivemos. Podemos ter a certeza, dada pelas Escrituras Sagradas, de que devemos nos unir num grande esforço para superar a crise climática que enfrentamos neste século e que ameaça a própria existência humana na Terra. Não faltam evidências científicas de que já elevamos a temperatura média do planeta em 1,1 graus, desde a revolução industrial.
Segundo o Painel Científico da ONU, se ultrapassarmos a barreira dos 1,5 graus de aumento da temperatura, os impactos sobre a população e o meio ambiente serão devastadores. Infelizmente, a mobilização dos países para deter essa escalada da temperatura não está produzindo os resultados esperados. Todos os compromissos de redução das emissões de CO2, firmados pelos países no Acordo de Paris, projetam uma elevação de 2,8 graus na temperatura do planeta.
Para limitar o aquecimento em 1,5 graus, até o fim do século, é preciso reduzir as emissões de CO2, em relação aos níveis de 2019, na ordem de 48% em 2030, 65% em 2035 e 80% em 2040, chegando em 2050 com zero emissões líquidas. No ritmo atual das negociações internacionais é impossível que consigamos qualquer um desses resultados.
A única esperança de que haja uma mudança real é que a população exija de seus governantes: mudar o tipo de desenvolvimento econômico, promover condições de prosperidade para todos e implementar as medidas de proteção ambiental necessárias com urgência.
Existem, entretanto, poderosos interesses econômicos de setores que negam a existência da crise e sabotam os esforços internacionais e o trabalho de governos comprometidos. Essas forças negacionistas investem milhões de reais para confundir as pessoas e impedir uma maior mobilização da população. Usam e abusam de teorias conspiratórias e de toda sorte de mentiras.
Uma de suas mentiras mais eficazes é a propagação da ideia de que a luta contra as mudanças climáticas é uma pauta de comunistas e de imperialistas que querem impedir o desenvolvimento dos países e, até mesmo, de supostos “satanistas”. Mas a verdade é que a crise do sistema climático global é resultado da desobediência ao mandamento de Deus, de guardar a Terra.
Na ganância de um progresso restrito a poucos, sem cuidado com o planeta e com seus habitantes, acabamos por extrapolar a quantidade segura de CO2 na atmosfera, por meio da queima desenfreada de petróleo, carvão e gás e pela destruição das florestas, pelo saque e contrabando das riquezas naturais, o desperdício, a poluição, o consumo descontrolado.
Sinto, entretanto, que todos nós estamos a um passo de reconhecer nossa desobediência. Sabemos que precisamos de madeira para diversos usos, mas sentimos que está errado cortar indiscriminadamente árvores. Achamos justo que um morador da floresta mate um animal para defender-se de um ataque ou para alimentar sua família, mas sentimos repulsa quando vemos alguém matar por diversão. Sabemos que precisamos de água tratada para beber e para a produção agrícola e industrial, mas não gostamos da poluição dos rios, que causa doenças e morte.
De onde vem nosso incômodo sentimento de tristeza com a destruição da natureza? Creio que vem do fundo de nossa alma, da própria imagem de Deus em cada um de nós, onde ressoa a voz de Deus ordenando: cultiva e cuida da Terra.
Devemos nos arrepender de nossa histórica desobediência a Deus, e lembrar que a prova do nosso arrependimento é a transformação do nosso sentimento em ação prática. Como podemos fazer isso? Adotando bons hábitos de consumo, ajudando a conscientizar nossos amigos e parentes e a combater as mentiras. Também cobrando compromissos e ações efetivas dos governantes e empresários e apoiando os esforços de preservação e restauração da natureza feitos pelos grupos e organizações dedicadas a essa causa. Devemos ainda nos esforçar para promover a paz, o respeito por todas as pessoas e todas as formas de vida, e ajudar a reduzir a dor e o sofrimento dos nossos semelhantes.
Nossa sobrevivência depende da obediência ao que Deus estabeleceu nos primórdios da criação: desenvolver e preservar. O resultado dessas atitudes vai muito além da mera sobrevivência: podemos alcançar a vida em abundância, como Jesus prometeu, expressando nossa gratidão pelo privilégio que Deus nos deu, de vivermos nesse precioso oásis, e nosso amor por toda a criação e pelas futuras gerações que aqui viverão.
- Carlos Vicente, engenheiro florestal. (carlosvicente@yahoo.com)
REVISTA ULTIMATO | MAMOM VERSUS DEUS
Ao todo, Jesus contou 38 parábolas. Mais de um terço delas trata de assuntos ligados a posses e riquezas. Há cerca de quinhentos versículos sobre oração na Bíblia. Sobre dinheiro e posses são mais de 2.300.
As Escrituras se ocupam desse assunto porque ele é crucial para a fé. Trata-se de onde colocamos nossos afetos e a quem seguimos. Jesus adverte: “Onde estiver o seu tesouro, aí estará também o seu coração” (Mt 6.21).
Saiba mais:
» Jesus e a Terra – A ética ambiental nos evangelhos, James Jones
» Assim Na Terra Como no Céu – experiência socioambientais na igreja local, Gínia César Bontempo (org.)
» O Escândalo do Comportamento Evangélico – Por que os evangélicos estão vivendo exatamente como o resto do mundo?, Ronald J. Sider
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