Opinião
- 28 de maio de 2010
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Da fé e os demônios hipermodernos...
Derval Dasilio
Não levando em conta as crendices do imaginário popular, acrescentando a religiosidade à custa de Lúcifer e suas legiões, não há exorcismo que possa livrar nossos corpos e mentes humanas de ações demoníacas cada vez mais frequentes (embora arrotemos modernidade, crítica racional aos mitos, em quase tudo que falamos).
O filme “Constantine” é um exemplo magnífico. O personagem é um sensitivo especial. Moderno, orgulhoso, racional e prepotente como qualquer um de nós, confronta-se e até assume delitos morais que o atormentam; inclusive a negação de Deus. Mas uma espécie de luz o socorre nos ataques de forças demoníacas incontroláveis. Um anjo age e fala em nome de Deus. Eis o diálogo:
– Você, Gabriel, fala do meu ego. Faz sentido, concordo. Os maus herdarão a terra. Homicídios, traições, genocídios... Sou ingênuo?
E Gabriel retruca:
– Eu apenas busco inspirar a humanidade a cumprir o seu destino...
Constantine retoma:
-- Entregando a terra aos filhos do demônio? Explique...
– Vocês receberam essa preciosa dádiva, cada um recebeu a redenção do Criador. Assassinos, estupradores, pedófilos, molestadores, políticos corruptos, todos vocês, basta arrependerem-se e serão salvos. Deus os salvará. Em todo o universo nenhuma criatura pode ter tanto, só o homem. Não há justiça nisso, então vou fazê-los dignos de salvação. Observo vocês faz tempo. Só diante da face do horror vocês revelam seu lado nobre... Então, vou proporcionar-lhes a experiência da dor, trazer sofrimento e horror, para que possam mostrar tudo isso... Aos que sobreviveram ao inferno, ser-lhes-á dado por mérito o amor salvador de Deus. O caminho da salvação começa nesta noite, neste momento!
Nem com os instrumentos utilizados por Einstein e Max Planck, pilares da física quântica, resolve-se a questão, pois Deus não é um objeto sobre o qual se possa falar a partir de um ponto de vista neutro ou relativo. Ele é a realidade que determina todas as outras realidades. Karl Barth já dissera: “Quando eu falo de Deus, é sempre um homem que está falando”. O problema reside aqui: quando valorizamos Deus utilizando os mesmos apegos aos mitos que nos acompanham desde tempos imemoriais. A salvação, porém, é uma questão colocada somente para o homem. A questão é restrita ao homem que luta para ver Deus, e não o mundo sobrenatural demoníaco.
Seguidores de Buda também pensam que conhecem veredas que conduziriam à sabedoria e à paz, à calma e à felicidade: fé reta, falar reto, conduta reta, meditação reta... Poucas diferenças em relação ao calvinismo, que propõe o mesmo. Sem levar em conta que precisamos ser salvos, em primeiro lugar, de nós mesmos. Uma luta dentro do ser existencial, a natureza escrava e a liberdade, embate mortal entre o egoísmo e a generosidade, o instinto de sobrevivência e o dever. Quem duvida? Os demônios, sob uma camuflagem diabólica, permanecem em roupagem moderna dentro de nós. Porque o mal está presente na vida humana com visibilidade praticamente insuperável, nem precisamos abrir as janelas de nossas casas para ver.
Numa FullHD, ou numa reles telinha convencional, testemunhamos tudo que há de demoníaco. O mundo está ferido pelo mal de autoria humana, natural, e nos perguntamos se em algum tempo na história da humanidade deixamos de ver o que se oferece gratuitamente nos termos da violência que o ser humano comete contra si mesmo. Precisamos de Deus.
Deuses e semideuses, magia, prestidigitação religiosa, superstições de toda ordem, crendices, cosmogonias demonológicas, símbolos do sobrenatural e tudo que poderia referir-se à presença de incontroláveis forças no mundo natural fazem parte da questão. Na religião, na economia, na política, nas ideologias, proliferam forças cegas que atuam sem cessar. Mas se há um universo sobrenatural, certamente ele está definitivamente derrotado, submisso ao Criador, como aponta o Evangelho. Devemos confessar: é necessário reconhecer que não se alcança Deus, conceitualmente, por meio de uma especulação metafísica onde atua como uma força oposta ao Diabo e suas hostes (como nos têm dito dos púlpitos cristãos, misturando inferno e demônios no caldeirão de bruxarias). Deus é a única realidade libertadora possível.
No choque dramático do bem e do mal, o que está à vista é sempre a criação de alguma coisa no apodrecimento das demais. A vida de uns se sustenta à custa da morte de outros; a abundância se alimenta da pobreza; a felicidade de uns resulta na desgraça de outros (Queiruga). Então, resvalamos no perigo de nos emaranhar no cipoal do mitológico, em espessuras imaginativas, enquanto enfraquecemos a autêntica identidade de Deus como oferta de libertação genuína em Jesus Cristo.
• Derval Dasilio é pastor da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil. www.derv.wordpress.com
Siga-nos no Twitter!
Não levando em conta as crendices do imaginário popular, acrescentando a religiosidade à custa de Lúcifer e suas legiões, não há exorcismo que possa livrar nossos corpos e mentes humanas de ações demoníacas cada vez mais frequentes (embora arrotemos modernidade, crítica racional aos mitos, em quase tudo que falamos).
O filme “Constantine” é um exemplo magnífico. O personagem é um sensitivo especial. Moderno, orgulhoso, racional e prepotente como qualquer um de nós, confronta-se e até assume delitos morais que o atormentam; inclusive a negação de Deus. Mas uma espécie de luz o socorre nos ataques de forças demoníacas incontroláveis. Um anjo age e fala em nome de Deus. Eis o diálogo:
– Você, Gabriel, fala do meu ego. Faz sentido, concordo. Os maus herdarão a terra. Homicídios, traições, genocídios... Sou ingênuo?
E Gabriel retruca:
– Eu apenas busco inspirar a humanidade a cumprir o seu destino...
Constantine retoma:
-- Entregando a terra aos filhos do demônio? Explique...
– Vocês receberam essa preciosa dádiva, cada um recebeu a redenção do Criador. Assassinos, estupradores, pedófilos, molestadores, políticos corruptos, todos vocês, basta arrependerem-se e serão salvos. Deus os salvará. Em todo o universo nenhuma criatura pode ter tanto, só o homem. Não há justiça nisso, então vou fazê-los dignos de salvação. Observo vocês faz tempo. Só diante da face do horror vocês revelam seu lado nobre... Então, vou proporcionar-lhes a experiência da dor, trazer sofrimento e horror, para que possam mostrar tudo isso... Aos que sobreviveram ao inferno, ser-lhes-á dado por mérito o amor salvador de Deus. O caminho da salvação começa nesta noite, neste momento!
Nem com os instrumentos utilizados por Einstein e Max Planck, pilares da física quântica, resolve-se a questão, pois Deus não é um objeto sobre o qual se possa falar a partir de um ponto de vista neutro ou relativo. Ele é a realidade que determina todas as outras realidades. Karl Barth já dissera: “Quando eu falo de Deus, é sempre um homem que está falando”. O problema reside aqui: quando valorizamos Deus utilizando os mesmos apegos aos mitos que nos acompanham desde tempos imemoriais. A salvação, porém, é uma questão colocada somente para o homem. A questão é restrita ao homem que luta para ver Deus, e não o mundo sobrenatural demoníaco.
Seguidores de Buda também pensam que conhecem veredas que conduziriam à sabedoria e à paz, à calma e à felicidade: fé reta, falar reto, conduta reta, meditação reta... Poucas diferenças em relação ao calvinismo, que propõe o mesmo. Sem levar em conta que precisamos ser salvos, em primeiro lugar, de nós mesmos. Uma luta dentro do ser existencial, a natureza escrava e a liberdade, embate mortal entre o egoísmo e a generosidade, o instinto de sobrevivência e o dever. Quem duvida? Os demônios, sob uma camuflagem diabólica, permanecem em roupagem moderna dentro de nós. Porque o mal está presente na vida humana com visibilidade praticamente insuperável, nem precisamos abrir as janelas de nossas casas para ver.
Numa FullHD, ou numa reles telinha convencional, testemunhamos tudo que há de demoníaco. O mundo está ferido pelo mal de autoria humana, natural, e nos perguntamos se em algum tempo na história da humanidade deixamos de ver o que se oferece gratuitamente nos termos da violência que o ser humano comete contra si mesmo. Precisamos de Deus.
Deuses e semideuses, magia, prestidigitação religiosa, superstições de toda ordem, crendices, cosmogonias demonológicas, símbolos do sobrenatural e tudo que poderia referir-se à presença de incontroláveis forças no mundo natural fazem parte da questão. Na religião, na economia, na política, nas ideologias, proliferam forças cegas que atuam sem cessar. Mas se há um universo sobrenatural, certamente ele está definitivamente derrotado, submisso ao Criador, como aponta o Evangelho. Devemos confessar: é necessário reconhecer que não se alcança Deus, conceitualmente, por meio de uma especulação metafísica onde atua como uma força oposta ao Diabo e suas hostes (como nos têm dito dos púlpitos cristãos, misturando inferno e demônios no caldeirão de bruxarias). Deus é a única realidade libertadora possível.
No choque dramático do bem e do mal, o que está à vista é sempre a criação de alguma coisa no apodrecimento das demais. A vida de uns se sustenta à custa da morte de outros; a abundância se alimenta da pobreza; a felicidade de uns resulta na desgraça de outros (Queiruga). Então, resvalamos no perigo de nos emaranhar no cipoal do mitológico, em espessuras imaginativas, enquanto enfraquecemos a autêntica identidade de Deus como oferta de libertação genuína em Jesus Cristo.
• Derval Dasilio é pastor da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil. www.derv.wordpress.com
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É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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